Como a Fiat fez um motor 1.3 ser o turboflex mais forte do mundo
O lançamento da Fiat Toro 2022 marcou a estreia do motor Turbo 270, o primeiro da família GSE turboflex, formada por duas unidades de potência que a Stellantis começou a produzir em Betim (MG) no início deste ano.
O primeiro é um propulsor com 1,3 litro de deslocamento, aproveitando o mesmo bloco do Firefly quatro-cilindros naturalmente aspirado. O outro será 1.0, desenvolvido também a partir do bloco Firefly, porém com três cilindros, mas chegará apenas no segundo semestre do ano com o inédito SUV Progetto 363 da Fiat.
A diferença para os Firefly aspirados é que, além do turbocompressor fornecido pela BorgWarner, o 1.3 GSE T4 possui um cabeçote com quatro válvulas por cilindro ao invés de duas, injeção direta de combustível e um sistema chamado MultiAir III, desenvolvido em parceria com a Schaeffler e que promove uma variação inteligente no comando das válvulas de admissão.
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Toro 2022 será o primeiro veículo da Stellantis nas ruas a contar com o motor 1.3 turboflex
O que mais chama a atenção nesse motor, que nas próximas semanas ganhará o mercado pela segunda vez através de outro modelo, o novo Jeep Compass, é a potência e o torque extraídos de uma unidade com deslocamento tão pequeno. São 180 cv com gasolina e 185 cv com etanol a 5.750 rpm. Já o torque máximo, logo a 1.750 giros, é padronizado em 27,5 kgfm.
Apesar de a picape utilizar a nomenclatura Turbo 270 e o SUV, T270, a abreviatura usada internamente pelos engenheiros da Stellantis para designar esse propulsor é GSE T4. A primeira sigla significa “Global Small Engines” ou “motores pequenos globais”, na tradução do inglês; a segunda representa o fato de ser uma usina turbo com quatro cilindros.
Como já constatamos ao comparar a nova Toro com esse motor e o velho 1.8 E.torQ na versão de entrada da picape, a Endurance, a fabricante não se furtou em priorizar o desempenho ao desenvolver esse trem de força (aliado sempre a uma caixa automática de seis marchas da Aisin), mesmo que em detrimento do consumo de combustível.
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Logo na sequência virá o Compass T270
Ainda assim, o resultado impressiona. Com 138,5 ou 143,3 cv/litro de potência específica, respectivamente com gasolina ou etanol, e 21,1 kgfm/litro de torque específico, o 1.3 turboflex dos novos Toro e Compass, e que estará presente também no futuro Jeep de sete lugares, no fim deste ano, chega como o motor turboflex com maior potência e torque específicos já criado no mundo.
Entre todas as usinas turboflex lançadas no país, seja com produção nacional ou importadas, apenas as 2.0 quatro-cilindros de BMW e Jaguar Land Rover superam a da Stellantis em potência e torque gerais. No caso da BMW, isso só acontece na especificação usada pela segunda geração do SUV X1, indo de 184 cv e 27,5 kgfm para 192 cv e 28,5 kgfm. No caso da JLR, o Ingenium de 2 litros rende 249 cv e 37,2 kgfm.
O motor 1.3 GSE T4
Curiosamente, o motor 2.0 ActiveFlex da BMW é o primeiro turboflex da história, mas estamos falando de uma unidade com 2 litros, deslocamento bem superior ao 1,3 litro do GSE T4. Em potência e torque específicos, portanto, os 96 cv/l e 14,25 kgfm/l obtidos pelo 2-litros da marca bávara ficam um bocado distantes dos números alcançados pela Stellantis. Já o Ingenium da Jaguar Land Rover entrega 124,5 cv/l e 18,6 kgfm/l.
Veja abaixo a lista de todos os motores turboflex existentes em nosso mercado, com potência e torque totais, além de potência e torque específicos, sempre na ordem gasolina/etanol. Quando o número for único, é porque os dados são iguais com ambos os combustíveis. Unidades 1.0 dispensam cálculo de potência e torque específicos por razões óbvias.
Curva de torque do GSE T4 em comparação com os velhos E.torQ 1.8 e Tigershark 2.0 e 2.4
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Stellantis GSE T4 1.3
Carros que o utilizam: Fiat Toro e Jeep Compass
Capacidade cúbica: 1.332 cm² (quatro cilindros)
Potência e torque: 180/185 cv e 27,5 kgfm
Potência específica: 138,5/142,3 cv/l
Torque específico: 21,1 kgfm/l
GM CSS Prime 1.0
Carros que o utilizam: Chevrolet Onix, Onix Plus e Tracker
Capacidade cúbica: 999 cm³ (três cilindros)
Potência e torque: 116 cv e 16,3/16,8 kgfm
Chevrolet CSS Prime 1.2 (três cilindros)
Carros que o utilizam: Chevrolet Tracker
Capacidade cúbica: 1.199 cm³ (três cilindros)
Potência e torque: 132/133 cv e 19,4/21,4 kgfm
Potência específica: 110/110,8 cv/l
Torque específico: 16,2/14 kgfm/l
GM Ecotec 1.4
Carros que o utilizam: Chevrolet Cruze e Cruze Sport6
Capacidade cúbica: 1.399 cm³ (quatro cilindros)
Potência e torque: 150/153 cv e 24/24,5 kgfm
Potência específica: 107,1/109,3 cv/l
Torque específico: 17,1/17,5 kgfm/l
VW 1.4 TSI
Carros que o utilizam: VW Polo, Virtus, T-Cross, Taos e Jetta
Capacidade cúbica: 1.399 cm³ (quatro cilindros)
Potência e torque: 150 cv e 25,5 kgfm
Potência específica: 107,1 cv/l
Torque específico: 18,2 kgfm/l
VW 1.0 TSI
Carros que o utilizam: VW Polo, Virtus, Nivus e T-Cross
Capacidade cúbica: 999 cm³ (três cilindros)
Potência e torque: 116/128 cv e 20,4 kgfm
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Hyundai Kappa 1.0 TGDi
Carros que o utilizam: Hyundai HB20 e HB20S
Capacidade cúbica: 999 cm³ (três cilindros)
Potência e torque: 120 cv e 17,5 kgfm
Chery Acteco 1.5 TCi
Carros que o utilizam: Caoa Chery Arrizo 5, Arrizo 6, Tiggo 5X e Tiggo 7
Capacidade cúbica: 1.499 cm³ (quatro cilindros)
Potência e torque: 147/150 cv e 21,4 kgfm
Potência específica: 98/100 cv/l
Torque específico: 14,3 kgfm/l
PSA/BMW 1.6 THP
Carros que o utilizam: Citroën C4 Cactus e Peugeot 2008
Capacidade cúbica: 1.598 cm³ (quatro cilindros)
Potência e torque: 165/173 cv e 24,5 kgfm
Potência específica: 103,1/108,1 cv/l
Torque específico: 15,3 kgfm/l
Mercedes-Benz 1.6 turboflex
Carros que o utilizam: não é mais usado
Capacidade cúbica: 1.595 cm³ (quatro cilindros)
Potência e torque: 156 cv e 25,5 kgfm
Potência específica: 97,5 cv/l
Torque específico: 15,9 kgfm/l
BMW 2.0 ActiveFlex*
Carros que o utilizam: BMW X1
Capacidade cúbica: 1.998 cm³ (quatro cilindros)
Potência e torque: 192 cv e 28,5 kgfm
Potência específica: 96 cv/l
Torque específico: 14,25 kgfm/l
*Calibração específica para o X1. Em versões do sedan Série 3, os dados são 184 cv e 27,5 kgfm
Jaguar Land Rover Ingenium 2.0
Carros que o utilizam: Jaguar E-Pace, Land Rover Discovery Sport
Capacidade cúbica: 1.998 cm³ (quatro cilindros)
Potência e torque: 249 cv e 37,2 kgfm
Potência específica: 124,5 cv/l
Torque específico: 18,6 kgfm/l
Renault 1.3 TCe**
Carros que o utilizam: Renault Captur**
Capacidade cúbica: 1.332 cm³ (quatro cilindros)
Potência e torque**: 156 cv e 27,5 kgfm
Potência específica: até 125,5 cv/l
Torque específico: 21,1 kgfm/l
**Motor ainda a ser lançado, em meados deste ano, no Captur. Potência e torque estimados com gasolina, com base nos dados do Renault Duster 1.3 TCe vendido no México
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Na Toro, versões com o motor receberão a insígnia Turbo 270
Como podemos observar, de maneira até curiosa, apenas o motor 1.0 TSI da Volkswagen se aproxima do 1.3 GSE T4 da Stellantis em potência e, especialmente, no torque gerado a cada litro de deslocamento. Mas, ainda assim, fica atrás. Afinal, qual o segredo do motor dos novos Toro e Compass para render tanto?
A resposta, segundo membros da própria fabricante, está no MultiAir. Que está longe de ser uma novidade, frisemos, pois existe já há quase 20 anos e, inclusive, esteve presente em carros da Fiat vendidos anteriormente no país, como o Fiat 500 Abarth. O sistema se encontra na terceira geração e oferece uma boa gama de possibilidades para o bravo motor 1.3 GSE T4.
No Compass, a sigla será ligeiramente diferente: T270
Estamos falando de um sistema eletro-hidráulico que permite o controle variável inteligente não apenas da temporização, como também do nível de abertura das válvulas de admissão do motor. Para isso, conta com um atuador hidráulico, alimentado por uma câmara com óleo lubrificante, posicionado entre o came e as válvulas de admissão.
Através da abertura ou fechamento de uma válvula solenóide, que permite a injeção do fluido lubrificante, os perfis do came se acoplam ou desacoplam das válvulas de admissão. Quando acoplados, os perfis do came impõem o deslocamento às válvulas, determinando se haverá antecipação e/ou retardamento de abertura ou fechamento, além da amplitude de abertura. Quando desacopladas, as válvulas atuam em seu ritmo padrão, como num motor comum.
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Um desenho simplificado do posicionamento do sistema MultiAir em relação ao came e às válvulas de admissão
A grande novidade da terceira geração do MultiAir está no pré-levantamento, que permite a abertura das válvulas de admissão durante a fase de escapamento. Com isso, promove a chamada EGR (recuperação de gases de escape), que reaproveita parte dos gases que iriam para o escape e reduz, assim, os índices de óxido de nitrogênio emitidos.
O sistema também possui um perfil de levantamento da válvula de admissão mais extenso. Ao ampliar a faixa de antecipação ou retardamento do fechamento das válvulas para antes ou depois do chamado PMI (Ponto Motor Inferior do pistão, ou a parte mais baixa que ele alcança na câmara), o sistema gerencia melhor a taxa de compressão efetiva do motor.
Quando a válvula de admissão se fecha antes do PMI, provoca queda na pressão. Se retarda o fechamento para depois do PMI, parte do ar admitido retorna ao coletor de admissão para reaproveitamento. Na prática, e traduzindo grosso modo, o sistema faz o motor emular um ciclo Miller.
Segundo a Stellantis, estas soluções não apenas melhoram a eficiência como ajudam a manter sob controle a tendência à detonação, quando pressões e temperaturas muito altas na câmara de combustão levam ao aparecimento de pontos de autoignição descontrolados da mistura ar-combustível, gerando a popular “batida de pino”.
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Os ciclos de abertura e fechamento das válvulas com o MultiAir. Em laranja, o ciclo com abertura e fechamento antecioados. Em vermelho, a abertura antecipada, com máxima amplitude e fechamento no tempo padrão. Em verde, o fechamento retardado. Em branco, o ciclo convencional da válvula de escape
O motor também trabalha com injeção direta, sendo que os bicos estão posicionados numa angulação quase vertical, de 23°. Com isso, o jato de combustível é mais preciso e tem menos chances de contato com o fio de óleo na parede do cilindro, o que, consequentemente, melhora a mistura e reduz a emissão vinda da queima deste óleo.
Por fim, o sistema de sobrealimentação vem dotado de coletor de escapamento integrado, que utiliza o calor dos gases emitidos para acelerar o tempo de aquecimento do motor usando menos energia.
De acordo com a Schaeffler, fabricante do MultiAir em parceria com a Stellantis, o sistema ajuda a reduzir as emissões de CO² em até 25%, as de hidrocarbonetos em até 40% e as de óxidos de nitrogênio em até 60%.
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Na prática, o conjunto permite controlar o nível de poluentes emitidos sem precisar sacrificar o desempenho. Daí advêm os cerca de 140 cv e mais de 21 kgfm de potência e torque específicos, que fazem a Toro com motor Turbo 270 apresentar acelerações de 0 a 100 km/h até 35% mais rápidas que as da irmã com o velho motor 1.8 E.torQ.
E com uma grande vantagem: atender aos parâmetros da futura legislação de emissões que entra em vigor no ano que vem, chamada Proconve L7, com muito mais facilidade.
Pena que o consumo não seja tão eficiente quanto imaginávamos, visto que a nova Toro 1.3 turboflex apresentou números piores que os da 1.8 aspirada em três das quatro simulações do Programa de Etiquetagem Veicular do Inmetro, sendo mais eficiente apenas com gasolina na cidade, e por margem bem apertada.
Vale lembrar que esse mesmo motor de 1,3 litro possui na Europa uma calibração mais mansa, de 150 cv. Esta, sim, deverá equilibrar melhor a relação entre desempenho, emissões e consumo, visto que entrega os mesmos 27,5 kgfm de torque. Ela está reservada para o projeto 376, um SUV cupê compacto-médio que a Fiat lançará no Brasil em meados do ano que vem.
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