VW e Stellantis sofrem nas vendas de elétricos e culpa é dos chineses

Setor cresce em todo o mundo, mas são as fabricantes da China as que mais capitalizam com isso, enquanto as ocidentais penam para correr atrás
HG
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25.07.2023 às 07:00
Setor cresce em todo o mundo, mas são as fabricantes da China as que mais capitalizam com isso, enquanto as ocidentais penam para correr atrás

A indústria automotiva é mestre em precarizar seus produtos, inflacionar os preços e chorar de barriga cheia. Na semana passada, o CEO (presidente-executivo) da Volkswagen, Thomas Schäfer, assustou os acionistas da companhia, em um discurso no qual sugeria uma crise no mercado de veículos elétricos (EVs).

Ele tem a dificílima missão de economizar 10 bilhões de euros (o equivalente a R$ 53,7 bilhões) para o grupo, conforme prometeu no início de seu mandato. “A viga do teto está próxima de ceder. Nossa situação é muito difícil e esta é a última chamada do bonde da história”, disse o chefão, que discursou por mais de uma hora para executivos e gestores.

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O todo-poderoso da VW fez parecer que as vendas de modelos elétricos estão em queda, que isso se deveria à longa espera para as entregas e que o boom dos EVs teria acabado, já que os compradores teriam sumido dos concessionários.

Na verdade, o discurso alarmista diz respeito apenas e tão somente à Volkswagen, cujas vendas na China – maior mercado global de modelos 100% elétricos – caíram, ao mesmo tempo em que os custos da empresa dispararam e seus lucros despencaram. “É urgente economizarmos. Vamos diminuir nossa gama para número pequeno de automóveis, reduzindo a complexidade industrial para termos lucro”, alertou Schäfer.

Mas, enquanto a Volkswagen tenta frear o futuro na base da narrativa, as vendas de EVs seguem em alta e crescendo. Na Europa, por exemplo, os modelos elétricos fecharam o primeiro semestre deste ano com um volume de 939 mil unidades – mais do que todos os 851 mil carros de passeio e comerciais leves vendidos no Brasil – e uma participação de 13% (de um total de 6,5 milhões de unidades). Só em junho, os EVs cresceram 66% naquela região.

O resultado global dos primeiros seis meses deste ano só será divulgado em agosto, mas, nos Estados Unidos, foram vendidos 557 mil EVs no período. Lá, a participação dos modelos 100% elétricos subiu de 5,8% para 7,2% e segue aumentando.

O leitor pode achar que estes percentuais são pequenos, mas, no Velho Continente, os EVs já vendem mais do que os híbridos plug-in (que podem ter suas baterias recarregadas por tomadas de energia).

E enquanto seus volumes cresceram 45%, no primeiro semestre, os dos híbridos convencionais subiram menos de 28% – ou seja, o momento da virada se aproxima. Para além disso, em junho, os modelos movidos por eletricidade superaram os a diesel, na Europa, pela primeira vez na história.

Na China, foram vendidos 2,09 milhões de elétricos só nos primeiros seis meses deste ano – o mercado chinês bateu as 9,5 milhões de unidades, com alta de 2,8% em relação a 2023.

E é exatamente no maior mercado do mundo que a Volkswagen foi mal: seu volume comercial caiu 1,6%, o que, apesar de também parecer pouco, foi suficiente para a perda da liderança – com alta de 73% no mesmo período, a BYD tomou a ponta e deixou a VW na segunda colocação.

Pior, no segmento que mais cresce percentualmente, que é o da eletromobilidade, a Volks não tem mais do que 2,3% de participação – contra nada menos que 25% da BYD, que é seguida pela Tesla, com uma fatia de 14%.

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Correndo atrás do prejuízo

“Em relação à VW, temos claro que as ações do grupo estão em queda e que os acionistas vêm fazendo pressão sobre a governança. Os investidores querem um plano de transição de longo prazo, orientado para uma mudança geracional”, comenta o especialista em análise corporativa da DWS, braço de gestão de ativos do Deutsche Bank, Hendrick Schmidt.

“Os papéis da VW caíram 2,5%, por uma razão muito simples: ninguém acredita que ele manterá sua posição de – líder de – mercado, na virada da eletromobilidade. Se avaliarmos por uma série de critérios, existem alternativas de investimento no setor automotivo melhores do que a Volks”, segue.

Comparada a outros fabricantes, ela vai muito mal. Dos dez representantes diretos dos maiores acionistas da empresa, incluindo os governos da Baixa Saxônia (Alemanha) e do Catar, quatro são advogados e um não tem qualificação profissional. São pessoas incapazes de gerir a companhia em questões como digitalização e eletrificação”, finaliza Schmidt.

O CEO da Volkswagen, Thomas Schäfer, está preocupado porque sabe que não cumprirá sua promessa e que a sucessão do Conselho Fiscal da companhia é, hoje, uma questão política mais importante do que sua própria presidência.

“O mercado precisa saber quem assumirá as rédeas quando os chefes octogenários da família Porsche-Piech, que reúne três dos 20 maiores acionistas do grupo, se aposentarem”, pondera o analista Arndt Ellinghorst, da consultoria norte-americana Quantco, que possui escritórios em Berlim, Colônia e Munique.

No primeiro semestre deste ano, as vendas europeias de VW cresceram 25%, mantendo o grupo na liderança continental, mas só o impulso para tornar sua subsidiária de baterias, a PowerCo, em uma gigante do setor custará 20 bilhões de euros (quase R$ 110 bilhões).

O leitor talvez não faça a menor ideia de quem sejam Wolfgang Porsche e Hans Michael Piech. Ambos com mais de 80 anos, são os dois sucessores mais antigos das famílias Porsche e Piech, que fundaram o Grupo Volkswagen. Eles fazem parte dos conselhos da VW e da Porsche SE, a holding que detém 31,9% da Volks e que tem 53,3% dos direitos de voto, dando as diretrizes da maior montadora da Europa.

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Jeep deseletriza o Avenger

Outro grupo que olha para o futuro com incerteza é a Stellantis. O segundo maior grupo automotivo da Europa, em termos de vendas, registrou o menor percentual de crescimento (5,3%) deste ano, no Velho Continente.

E apesar de ter crescido mais do que Peugeot (+7,4%) e Citroën (+6,3%), outras duas marcas do grupo, a Jeep (+11%) vê seu mais importante lançamento, o SUV elétrico Avenger, se “deseletrizar” para fechar as contas.

Depois de fracassar comercialmente na China, a marca de SUVs está aumentando a oferta da versão equipada com motor a combustão interna do Avenger na Europa para aumentar seus ganhos.

“Os SUVs pequenos são o único segmento em que a participação de versões elétricas caiu nos primeiros meses deste ano, de 4,8% para 4,5% - contrariando as previsões da própria Stellantis em, é bom frisar, mísero 0,3 ponto percentual. Então, foi uma decisão pragamática”, explica o CEO da Jeep Europe, Eric Laforge.

O executivo garante que o aumento da oferta do Avenger convencional para Alemanha, França e Reino Unido, se somando à Itália e à Espanha, não “muda os planos de a Jeep ter um portfólio apenas com elétricos, na Europa, já em 2030”. Os concessionários alemães, franceses e britânicos reclamaram que estariam perdendo vendas ao ofertar apenas a versão elétrica.

“Nosso foco inicial nos mercados italiano e espanhol, com a versão equipada com motor a combustão, se deve ao fato de estes países terem menor infraestrutura de recarga”, pontua Laforge, escondendo que as vendas gerais de SUVs elétricos compactos cresceram mais de 9% no Velho Continente só nos primeiros cinco meses deste ano.

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Em uma Europa empobrecida, o Avenger convencional também pode incrementar os negócios da Jeep. Na Alemanha, por exemplo, a versão elétrica tem preço sugerido de 42 mil euros (o equivalente a R$ 225.000), enquanto a equipada com motor a combustão parte de 27 mil euros (R$ 145.000).

Na ponta do lápis, é uma diferença considerável e a marca não quer – nem pode – perder vendas por falta de oferta – quase 90% dos Avenger vendidos, até maio, corresponderam a versões a combustão. Na verdade, a Jeep não se preparou para a virada da eletromobilidade e, hoje, tenta correr atrás do prejuízo.

Por fim, e para afastar a narrativa de que os elétricos estariam “flopando”, até mesmo no depauperado Brasil, onde os tupiniquins costumam perceber as tendências globais só depois que elas desembarcam por aqui de caravela, os modelos elétricos registraram alta de quase 11% no primeiro semestre de 2023 – de 3.395 para 3.760 unidades.

“O valor de aquisição de um elétrico é maior que o de um híbrido ou híbrido plug-in, o que pode ser considerado uma barreira para a popularização desta tecnologia”, avalia o presidente do conselho diretor da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), Ricardo Bastos.

“Mas os números mostram que a participação de mercado, dos modelos eletrificados no mercado brasileiro vem subindo, de 2,4%, em 2022, para 3,4% neste ano. A geografia da eletromobilidade no país se concentra massivamente na região Sudeste, principalmente no estado de São Paulo e nas capitais, pela maior oferta de infraestrutura de recarga”, conclui.

Imagens: Shutterstock

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.


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