Como ficará o Brasil no plano de eletrificação de R$ 180 bilhões da Honda

Marca vai eliminar motores a combustão até 2040, mas não menciona o país como polo produtivo de futuros modelos elétricos. E aciona o sinal de alerta
HG
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22.04.2022 às 14:43 • Atualizado em 26.04.2022
Marca vai eliminar motores a combustão até 2040, mas não menciona o país como polo produtivo de futuros modelos elétricos. E aciona o sinal de alerta

Demorou um pouco, mas finalmente a Honda anunciou seu plano global de eletrificação. Nos próximos dez anos, a marca vai investir US$ 40 bilhões (o equivalente a mais de R$ 185 bilhões, cifra que corresponde à soma de todo o orçamento dos Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais) para lançar 30 modelos elétricos (EVs).

Também promoverá uma reformatação industrial, atingindo uma capacidade anual de produção de 2 milhões de elétricos ao ano até 2030. O plano também inclui um novo modelo de negócios, em que as vendas não se resumirão aos automóveis, mas combinarão hardwares e softwares, além dos serviços. 

“Não estamos parados, apenas assistindo o que acontece. Mas, para iniciarmos uma grande transformação, temos que ser assertivos”, disse o presidente-executivo (CEO) da gigante japonesa, Toshihiro Mibe, durante o anúncio oficial de um projeto que, até 2040, vai abolir os motores a combustão interna. 

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Cadê o Brasil?

Marca vai eliminar motores a combustão até 2040, mas não menciona o país como polo produtivo de futuros modelos elétricos. E aciona o sinal de alerta

A má notícia é que o Brasil não foi sequer citado por Mibe e, se considerarmos o que foi divulgado até agora, a expectativa é a pior possível: paulatinamente, deixaremos de ser um polo produtivo para nos tornarmos, apenas e tão somente, um mercado importador – o que, em última instância, significa a supressão de postos de trabalho e o enxugamento da rede.

“Vamos investir mais de US$ 340 milhões (o equivalente a R$ 1,6 bilhão) na produção de baterias em estado sólido, mais leves e com maior densidade energética, já em 2024”, destacou o chefão da segunda maior montadora japonesa e sétimo maior grupo automotivo do mundo. 

“Até o final desta década, elas estarão equipando toda nossa gama de EVs”, declarou. Nos próximos dois anos, a Honda tomará emprestada a arquitetura Ultium, da General Motors, para dar vida a dois SUVs elétricos, o novo Prologue e um modelo da Acura ainda sem nome, além de explorar suas joint ventures norte-americanas, que fornecerão conjuntos para modelos produzidos nos Estados Unidos. 

Na China e no Japão, as parcerias com a CATL e a Envision AESC – esta última também é fornecedora da arquirrival Nissan – garantirão suprimentos para o programa que tem nas baterias substituíveis um diferencial estratégico.

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Para o Brasil, o que a Honda apresenta de concreto é a substituição de sua família de modelos nacionais, com enxugamento de modelos produzidos no país. Fit, WR-V e Civic se foram, ficaram os novos City sedan e City hatch. Em agosto, chega a segunda geração do HR-V. Todos com projetos simples, longe da eletrificação.

Ademais, a marca apostará em modelos híbridos apenas importados: o novo Civic e:HEV, que chega no fim deste ano; o ainda inédito CR-V e:HEV, previsto para 2023. Outro SUV compaco-médio, derivado do Civic 11 e que se chama HR-V nos EUA, mas terá outro nome aqui, deve chegar apenas com motor a combustão.

Marca vai eliminar motores a combustão até 2040, mas não menciona o país como polo produtivo de futuros modelos elétricos. E aciona o sinal de alerta

Já o sedan grande Accord, primeiro modelo eletrificado da marca a chegar ao país, foi tirado de linha após poucos meses de mercado. 

E não houve qualquer menção, dentro do plano de global, de adaptar a fábrica de Itirapina (SP) num polo de produção de elétricos. Aliás, a parceria com a GM prevê uma família de elétricos de baixo custo para mercados como o brasileiro, mas já é bom nos prepararmos, porque esses produtos certamente virão importados.

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Elétricos em expansão

De qualquer forma, os EVs representarão apenas 40% da produção global da Honda em 2030, o que dá – muito – espaço para modelos híbridos e, obviamente, aqueles que seguirão equipados com motores a combustão. 

“Hoje, nossas vendas globais estão na casa de 4,5 milhões de unidades [ao ano], volume que esperamos ampliar para 5 milhões”, declarou o vice-presidente executivo da companhia, Kohei Tekeuchi. 

Bom, isso quer dizer que, nos próximos oito anos, a subsidiária brasileira vai se inserir em um bolo de nada menos que 3 milhões de veículos, mas o problema é que a produção nacional da marca caiu de 148.000 unidades em 2015 para 88.000 no ano passado – uma retração de 41,5%.

Marca vai eliminar motores a combustão até 2040, mas não menciona o país como polo produtivo de futuros modelos elétricos. E aciona o sinal de alerta

Para alcançar a neutralidade nas emissões de carbono, a Honda dará uma grande guinada rumo à eletrificação, já que, desde 1997, suas vendas de EVs não chegam a 33.000 unidades anuais, sendo que quase a metade deste total foi comercializada no ano passado (14.300 unidades) e, hoje, seu único modelo 100% verde é o Runabout. 

Já entre os híbridos, a marca segue como uma das referências: são 3,9 milhões de unidades vendidas desde o lançamento do primeiro Insight, sendo 561.100 só em 2021. “Apostamos nos híbridos como uma arma poderosa para reafirmarmos nossa participação nas Américas do Sul e Central, até 2030”, disse Toshihiro Mibe.

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Temos futuro como produtores de carros elétricos

O problema, aqui, é saber se a subsidiária brasileira será convertida em um polo produtivo deste tipo de veículo – o que eu, pessoalmente, descarto – ou se eles seguirão sendo só importados. E por falar no assunto, as vendas de importados da marca por aqui caíram de mais de 19.000 unidades em 2010 para reles 494 unidades em 2021 – queda de 97%.

Assim sendo, não há dúvidas de que o plano global de eletrificação da Honda está marginalizando o Brasil, bem como os outros mercados latino-americanos. “Esperamos aumentar nossa margem de lucro operacional, subindo dos 5,5% atuais – o ano fiscal da companhia terminou no último dia 31 de março – para 7%”, afirmou o vice-presidente Tekeuchi. 

Certamente, o aumento dos ganhos não se baseia em um mercado (o Brasil) onde as vendas da marca caíram de 20.800 para 13.500 unidades só no primeiro trimestre de 2022, e sua participação encolheu para 3,6%. 

“A partir de 2030, vamos avançar com nosso programa de eletrificação para os segmentos de entrada. Teremos bases para EVs de pequeno, médio e grande portes, com os quais cobriremos todos os nichos de mercado”, garantiu o presidente Toshihiro Mibe.

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Na Ásia, a Honda terá uma arquitetura dedicada para subcompactos elétricos, incluindo um “minicomercial”. Para modelos médios, a marca usará a base comutada com a GM, enquanto sua e:Architecture dará vida a sedans e SUVs de grande porte com foco nos mercados norte-americano e chinês. 

“Dos 30 EVs que estamos anunciando, dez serão lançados na China nos próximos cinco anos”, adiantou o diretor executivo Shinji Aoyama. “Só em uma segunda etapa de lançamentos virão os modelos voltados para o mercado global”, acrescentou.

A pá de cal na subsidiária brasileira não deve demorar mais que uma década para ser dada. “Reafirmo: vamos eliminar os motores térmicos, gradualmente, até 2040. É uma mudança que já está em andamento com a redistribuição de nossa engenharia, das unidades de propulsores a combustão interna para os centros de desenvolvimento de baterias”, comunicou Aoyama. 

Ou seja, a expertise tupiniquim parece não ter utilidade neste planejamento. “Nossa transformação ainda inclui veículos autônomos (VAs) e eVTOLs – que são grandes drones elétricos. Depois de 2030, pretendemos desenvolver foguetes reutilizáveis para lançamentos de satélites e robôs avatares para o que chamamos de mobilidade virtual”, aditou.

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Marca em retração no Brasil

A involução desta mesma Honda, aqui no hemisfério Sul, pode ser percebida da seguinte forma: em 2009, ano do lançamento nacional do City, ele partia de R$ 56.210 (versão LX, equipada com câmbio manual). 

Em 2015, quando trocou de geração pela primeira vez, a Honda baixou os preços do sedan e sua versão DX (também equipada com câmbio manual) chegava aos concessionários por R$ 53.900. Hoje, seu valor inicial, já com câmbio automático na configuração EXL, é de R$ 108.000.

Uma inflação de 100% que não se materializa em um avanço tecnológico efetivo do City, que continua a usar um motor 1.5 aspirado (com o adendo de injeção direta), possui mimos telemáticos inferiores aos de um iPhone de última geração e sistemas de auxílio que agregam US$ 190 (ou R$ 900) ao custo de produção.

Enquanto uma nova Honda nasce no além-mar, com a promessa de “criar mais tempo livre para a pessoas, removendo quaisquer restrições à sua liberdade, expandindo o tempo e o espaço para elas assumirem papéis ativos”, no Brasil, a mesma marca se apoia em um produto estacionário cuja única propriedade que mais evoluiu foi o preço…

Imagens: Divulgação/Honda

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto. 


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