Donald Trump pode estatizar empresa de Elon Musk
O brasileiro não fica atrás do norte-americano, quando o assunto é idolatrar fanfarrões. De modo que qualquer falastrão, principalmente aquele que se comunicam em inglês, é logo içado ao posto de sumidade pelos tupiniquins. Recentemente, o sul-africano Elon Musk experimentou este endeusamento à brasileira e, numa sociedade vitimizada pela imbecilização, virou uma espécie de super-homem para quem chama de mito aquele que se curvou como um aio (criado particular dos antigos nobres romanos) para o chefão da Tesla.
Mas na terra do Tio Sam a banda toca diferente e, lá, o casamento do empresário com o presidente Donald Trump não durou nem um ano e, em meio a um divórcio litigioso, Musk vê seus negócios sob todo tipo de risco, da retirada de isenções e incentivos bilionários à possibilidade de perda de suas companhias, por meio de um confisco muito mais simples e rápido do que a desapropriação à brasileira.
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“Ele ficou chateado com a retirada de subsídios para seus EVs, bastante chateado, mesmo. Mas é bom ele saber que pode perder muito mais do que isso”, disse Trump aos setoristas da Casa Branca, na terça-feira passada, em tom de ameaça.
Para muito além dos automóveis da Tesla, o governo norte-americano pode sufocar os negócios do sul-africano por meio dos contratos que tem com sua provedora de serviços espaciais, a SpaceX. Para quem não sabe, a SpaceX é uma empresa de capital fechado, em que Musk detém 42% das ações, mas 79% do controle administrativo. A companhia, que já recebeu pelo menos US$ 21 bilhões (o equivalente a R$ 116,2 bilhões) em contratos governamentais, tem outros US$ 13 bilhões (R$ 72 bilhões) pendentes de pagamento.
“A SpaceX é a principal fornecedora do governo dos Estados Unidos, em relação à produção e lançamentos de satélites em órbita baixa, e não há como negar que seus serviços são indispensáveis, atualmente. Legalmente, a gestão de Trump se envolveria em longas disputas judiciais, se desejasse cancelar contratos, mas o governo está muito concentrado para isolá-los”, disse a diretora para assuntos governamentais da consultoria Quilty Space, Kimberly Siversen Burke.
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“Também não se pode esquecer que alguns desses contratos podem, sim, ser cancelados e que existem maneiras pelas quais o governo pode diminuir sua dependência da SpaceX, num futuro a médio prazo”, acrescenta Kimberly.
Os 134 foguetes lançados pela SpaceX, só em 2024, responderam por 83% de todos os satélites colocados em órbita no mundo. Com seu confiável e parcialmente reutilizável Falcon 9, a empresa passou a dominar os lançamentos de segurança nacional dos EUA e sua principal concorrente, a United Launch Alliance (ULA), uma joint-venture da Boeing e da Lockheed Martin, vem lutando para acompanhar o ritmo de Musk com seu novo Vulcan.
Mas o governo norte-americano terá mais opções para levar seus satélites militares ao espaço, já que a Blue Origin, do rival bilionário Jeff Bezos, realizou com sucesso o lançamento de seu foguete New Glenn, em janeiro deste ano. Na última rodada de licitações, a SpaceX conquistou 28 contratos para lançamentos entre 2027 e 2032, com a ULA obtendo 19 e a Blue Origin, sete.
Nunca é demais lembrar que, durante a crise financeira de 2008, o governo norte-americano assumiu o controle acionário da General Motors, numa manobra que evitou a quebra da GM, mas deu um prejuízo de US$ 11,2 bilhões aos cofres públicos. O caso da SpaceX é bem diferente e, de acordo com a famosa Quinta Emenda (Fifth Amendment) da Constituição norte-americana, basta uma “compensação justa”, arbitrada pela justiça de lá, para que se tome posse de uma empresa privada para uso público – simples assim, como se fosse no temido comunismo.
Xô, satanás!
A possibilidade de deportação de Musk para a África do Sul, muito comentada nos últimos dias, não parece concreta, já que ele não tem força política e nem tanto dinheiro para, sozinho, peitar Trump ou o establishment norte-americano. E o fato é que, em sua terra natal, ele goza de pior reputação do que nos Estados Unidos.
Bom, pelo menos é o que aponta a pesquisa do PoliticsVideoChanel que ouviu nada menos que 50 mil sul-africanos, entre setembro de 2024 e janeiro deste ano. Resumidamente, eles disseram que o chefão da Tesla foi a pior coisa parida no país, um desprestígio à frente do regime de segregação racioal do “apartheid”.
Já o Departamento de Relações Internacionais e Cooperação da África do Sul, espécie de ministério por lá, se recusou a comentar se ele seria bem-vindo de volta, quando indagado pela revista “Newsweek” – um silêncio que pode ser interpretado como “xô, satanás!”.
“Em geral, Elon Musk não é popular por aqui”, afirma a professora de política africana na Universidade de Rhodes, Sally Matthews. “É preciso considerar que a África do Sul tem uma sociedade dividida e, até em função disso, nem todos sentem o mesmo em relação a ele. As habilidades comprovadas e a capacidade de inovação de Musk são muito necessárias no país, não há dúvida, no entanto, ele certamente entraria em conflito com o governo sul-africano, já que não esconde seu perfil discriminatório. De qualquer forma, Musk nasceu aqui, seu pai ainda mora aqui e ele tem seus laços com o país. Acredito que sua retórica racista ressoe com a da maioria dos brancos”, complementa a docente.
Para Sally, mesmo que Musk fosse escorraçado dos EUA, ele não retornaria à África do Sul, apesar de uma decisão histórica do Tribunal Constitucional de lá, o equivalente ao nosso STF, vedar a retirada da cidadania de cidadãos sul-africanos, apenas porque eles adquiriram outra cidadania em um novo país – caso de Elon Musk. “Se ele quiser voltar, poderá fazê-lo, mas duvido que o faça”, pontua.
Popularidade em queda
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Enxotado do governo por Trump, Musk anunciou que criará um novo partido político nos EUA, o America Party (“Partido da América”, em tradução livre). Não seria, como se pode imaginar, uma terceira legenda norte-americana, já que, lá, existem 55 partidos qualificados para votação nacional e outros 238 em nível estadual – no Brasil, são 29 legendas ao todo.
“A popularidade de Musk está em queda e, mesmo que ele use todo seu dinheiro nesta empreitada, é muito improvável que um candidato deste hipotético America Party disputasse a corrida presidencial ou mesmo que alcançasse uma minoria na Câmara ou no Senado, em Washington. Seria mais fácil ele financiar políticos fiéis à sua ideologia para disputarem as primárias republicanas – pelo Partido Republicano – e dificultarem as coisas no Congresso”, pondera o analista político e editor-chefe do “The Washington Stand”, Casey Harper.
O mais recente painel do “Silver Bulletin”, um agregador de pesquisas dos EUA, aponta que cerca de 55% dos norte-americanos têm uma visão desfavorável de Musk, em comparação com 37% que têm uma opinião positiva. É a maior desfavorabilidade registrada, desde janeiro de 2024 – sua desaprovação, no primeiro semestre de 2025, subiu dez pontos percentuais em relação ao mesmo período do ano passado.
As ações da Tesla caíram quase 30%, neste ano, de US$ 1,42 trilhão para US$ 998 bilhões – um derretimento de o equivalente a R$ 2,4 trilhões. As vendas globais da marca, que já haviam caído 13% no primeiro trimestre, voltaram a registrar queda no segundo trimestre, desta vez de 14%. Na ponta do lápis, 100 mil clientes da montadora simplesmente migraram para outras marcas, só entre janeiro e junho de 2025.
“Em termos comerciais, a marca parece ter chegado ao fundo do poço e a retração deve parar, diante daquilo que o mercado reserva e da expectativa de perdas ainda maiores. Musk discutirá os resultados financeiros do segundo trimestre com seus investidores, no próximo dia 23”, comenta o sócio e analista da consultoria Deepwater Asset Management, Gene Munster. Agora, é esperar pelos próximos capítulos!
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
Jornalista Automotivo
Trabalha como jornalista há 30 anos, e tem, na Mobiauto, uma coluna com seu nome. Escreve sobre novos carros, indústria e polêmicas do setor automotivo. Mais do que isso, cobre todas as inovações tecnológicas oferecidas do outro lado do mundo.