Por que a Jeep procrastina sua eletrificação no Brasil e até nos EUA

Enquanto, na Europa, toda sua gama já é híbrida, nos EUA, marca aguarda expansão infraestrutural para fazer a virada. Já no Brasil, torce para “tudo correr bem”
HG
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17.06.2022 às 14:19
Enquanto, na Europa, toda sua gama já é híbrida, nos EUA, marca aguarda expansão infraestrutural para fazer a virada. Já no Brasil, torce para “tudo correr bem”

A Stellantis e todas as suas subsidiárias têm um valor de mercado estimado em US$ 40,5 bilhões (o equivalente a R$ 207 bilhões), o que a posiciona entre as 400 empresas mais valiosas do mundo. Para efeito de comparação, a Tesla vale US$ 695 bilhões ou 17 vezes mais e, isso, produzindo só um terço de seu volume. 

Com 1,22 milhão de unidades vendidas em nível global em 2021, a Jeep é a menina-dos-olhos do grupo, tanto que estima-se só para essa marca um valor de mercado de US$ 22 bilhões, caso ela fosse desmembrada.

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“Estamos, no momento, em meio a uma grande transformação que moldará nossos produtos para os próximos 20 anos”, destaca o presidente-executivo (CEO) da Jeep, Christian Meunier. 

Ele enfatiza a rapidez com que a virada da eletromobilidade ganha impulso, mas não nega que, enquanto uma linha totalmente verde chegará à Europa em breve, o mesmo não deve ocorrer em seus principais mercados, que são Estados Unidos e América Latina (leia-se Brasil). 

“A emissão zero é nosso orientador”, enfatiza Meunier, desviando o foco para o fato de que, hoje, o máximo de trilha que um de seus SUVs pode vencer, no modo exclusivamente elétrico, não passa de 40 quilômetros.

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Enquanto, na Europa, toda sua gama já é híbrida, nos EUA, marca aguarda expansão infraestrutural para fazer a virada. Já no Brasil, torce para “tudo correr bem”

No Velho Continente, a marca deve encerrar as vendas de modelos equipados exclusivamente com motores a combustão no final deste ano, ficando apenas com opções híbridas. Já nos EUA, o primeiro SUV elétrico da Jeep deve estrear só em 2023.

No Brasil, dois SUVs híbridos importados estarão no mercado até o fim deste ano, mas em termos de produção local é que tudo permaneça como está por mais algum tempo, até porque suas vendas caíram 9,5%, nos primeiros cinco meses de 2022, em que pese o fato de sua participação no mercado nacional ter crescido meio ponto percentual. 

Sem oferecer a mesma tecnologia e a mesma qualidade da concorrência alemã, a Jeep se acomoda na demora dos governos norte-americano e, também, brasileiro, para procrastinar a eletrificação de sua gama.

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A diferença é que, lá, o presidente Joe Biden assegurou um investimento bilionário para a criação de uma rede com 500 mil pontos de recarga espalhados por todo o país, garantindo, nas suas próprias palavras, “que todos possam usá-la, não importa a marca do carro que se dirige ou o Estado em que se encontre”. 

Enquanto, na Europa, toda sua gama já é híbrida, nos EUA, marca aguarda expansão infraestrutural para fazer a virada. Já no Brasil, torce para “tudo correr bem”

Enquanto isso, por aqui não se vê a menor iniciativa do governo tanto para as questões regulatórias quanto para as de infraestrutura. “Se nossa legião de off-roaders precisar de energia antes de entrar na trilha, não haverá problemas porque a própria marca está instalando estações de recarga perto das áreas mais acessadas por nossos clientes”, conta Meunier. 

Aqui, a falta desses pontos é, hoje, um sufoco intransponível para os jipeiros que sonham com uma “eletrilhaficação”, com o perdão do trocadilho.

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A falta de perspectiva de eletrificação da linha Jeep pode causar espanto, mas a oferta deve se adaptar à expansão da rede de recarregamento. Esta é a opinião da diretora executiva de insights da Edmunds, maior agregador do segmento automotivo nos EUA, Jessica Caldewell. 

“Não há dúvidas que o espírito aventureiro e a capacitação para ir a qualquer lugar são atributos que a marca terá que preservar, quando sua gama for composta apenas de EVs”, pondera a analista. 

Enquanto, na Europa, toda sua gama já é híbrida, nos EUA, marca aguarda expansão infraestrutural para fazer a virada. Já no Brasil, torce para “tudo correr bem”

Hoje, todos os Renegade, Compass, Wrangler e Grand Cherokee vendidos na Europa são híbridos plug-in (4xe). Já na terra do Tio Sam, apenas o Wrangler e a nova geração do Grand Cherokee estão disponíveis nas versões 4xe.

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Por aqui, o Compass é ofertado desde maio na versão 4xe, por salgadíssimos R$ 350.000 (o equivalente a quase 66 mil euros), 40% mais caro do que custa na Itália, de onde é importado. Obviamente, vai ter gente colocando a culpa na carga tributária, como se uma viagem de cargueiro pelo Atlântico tivesse o condão de encarecer um automóvel em 19 mil euros. 

Fato é que, pelo menos nesta fase de lançamento, o modelo não nacionalizou a tecnologia híbrida plug-in, o que acende a luz amarela, já que nem o sistema flexível brasileiro equipa seu motor a combustão interna. 

“Por hora, os Jeep eletrificados serão importados”, afirmou o chefão da marca para a América do Sul, Alexandre Aquino. Para além disso e mais do que o preço astronômico, chama atenção o fato de o site local não ofertar mais as versões térmicas do SUV.

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“À medida em que a marca avançar na virada da eletromobilidade, em que a rede pública de recarregamento se consolidar e em que os tempos de recarga diminuírem, em função da modernização dos EVs, dá até para imaginar os futuros modelos da Jeep vencendo a Rubicon Trail da mesma forma como seus antecessores vêm fazendo, há décadas”, projeta a analista Jessica Caldewell, da Edmunds. 

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Bom, a verdade é que, recentemente, um Grande Cherokee Trailhawk 4xe completou a famosa trilha sem nenhuma intercorrência e ainda restou energia em seu pacote de baterias para rodar mais 150 quilômetros. 

“Não duvido que as estações que a própria montadora vem instalando se tornem uma espécie de ponto de encontro para os jipeiros”, sugere o editor do “Kelley Blue Book”, renomado pesquisador e avaliador do setor automotivo, Matt Degen. “Afinal, aqui não é o – deserto do – Saara”, brincou.

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O diretor de operações da Stellantis para a América do Sul, Antonio Filosa, garante que há planos para a nacionalização de um trem de força híbrido bicombustível, mas que isso só ocorreria em 2026. “O etanol é mais importante para o mercado brasileiro do que para outros países latino-americanos, mas o combustível vegetal começa a ganhar espaço na Índia, por exemplo”, disse Filosa à agência Reuters. 

De qualquer forma, ele afirma que o foco do desenvolvimento seria o próprio Brasil e, isso, “se tudo correr bem”. Não é preciso ter bola de cristal para prever que, por aqui, a fabricante deve apostar em um motor híbrido menos sofisticado, talvez híbrido leve com bateria de 48 Volts, da mesma forma que rivais como Caoa Chery e VW estão fazendo.

De volta aos EUA, o presidente-executivo (CEO) da Stellantis, Carlos Tavares, confirmou no mês passado que a empresa lançará 25 veículos 100% elétricos no mercado norte-americano até 2030. 

Enquanto, na Europa, toda sua gama já é híbrida, nos EUA, marca aguarda expansão infraestrutural para fazer a virada. Já no Brasil, torce para “tudo correr bem”

“Até 2038, seremos uma empresa neutra em carbono, mas, para além disso, queremos gerar mais de US$ 22 bilhões (o equivalente a R$ 112,4 bilhões) em fluxo de caixa industrial, ampliando nossa taxa de remuneração por dividendos para 25% a 30% e recomprando até 5% das ações em circulação da companhia, até 2025”, especificou o todo-poderoso que, apesar dos planos ambiciosos, viu os papéis do grupo caírem 8%, na Bolsa de Nova York. 

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“Em 2030, teremos um portfólio global com mais de 75 EVs”, garantiu Tavares, sem mencionar, nem en passant, qual papel a subsidiária brasileira teria neste arranjo.

Some a isso o fato de a nova direção da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) estar entre a cruz e a espada, já que assiste à desindustrialização do setor sem ter um diálogo com o atual governo, de olho nas mudanças que podem ocorrer com a troca de mãos do poder. 

A chegada da chinesa Great Wall ao país, com sua estratégia comercial voltada para híbridos e elétricos, deixou as 26 empresas que compõem a associação de cabelo em pé. 

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“Não temos intenção de pedir subsídios, mas precisamos do governo federal para desenharmos políticas de longo prazo e reformas que impulsionem o setor”, declarou o novo presidente da entidade, Márcio de Lima Leite. Ele sabe que a perda de sinergia do Brasil com a cadeia produtiva global vai decretar o fechamento das plantas brasileiras.

Bom, na semana em que São Paulo ganhou sua primeira estação de recarga rápida (Shell Recharge) em um posto de abastecimento, fica evidente o verdadeiro abismo que separa o Brasil do restante do mundo desenvolvido, quando o assunto é eletromobilidade. 

Não temos regulação, não temos produção, não temos uma rede de verdade – em que pese o pequeno passo que se dá, na capital paulistana – e, o pior, os EVs importados em conta-gotas desembarcam no país com preços estratosféricos, muito superiores aos de seus mercados de origem.

É como olhar para o presente e enxergar o passado colonial em que éramos exportadores de matérias-primas e importadores de produtos manufaturados. Em um mundo que dá voltas, parece que giramos, giramos, mas nunca saímos do lugar...

Imagens: Stellantis

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto. 


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