O adeus ao Uno: donos contam histórias do Fiat mais popular do Brasil

Hatch está se despedindo do Brasil, mas será lembrado para sempre: na indústria, pelas inovações; no coração dos proprietários, pelas histórias
Renan Bandeira
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23.12.2021 às 09:00 • Atualizado em 28.12.2021
Hatch está se despedindo do Brasil, mas será lembrado para sempre: na indústria, pelas inovações; no coração dos proprietários, pelas histórias

O Fiat Uno está se despedindo do mercado nacional. A marca italiana anunciou na última segunda-feira (20) que o hatch terá a série especial Ciao para fechar sua trajetória de 37 anos no Brasil, como a Mobiauto já contou com mais detalhes neste outro artigo.

Durante suas quase quatro décadas em linha, o Uno se destacou por uma série de inovações, que vão desde o ineditismo do motor de 1 litro, lá no começo da década de 1990, até um câmbio automatizado com comandos por botões, como numa Ferrari, e a popularização do sistema start-stop.

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Mas, além de marcar a história da indústria automobilística, o Uninho fez questão de deixar memórias na vida de muitos brasileiros. Afinal, qualquer brasileiro que em algum momento da vida não tenha cruzado com uma das mais de 4,3 milhões de unidades do hatch pode ter a nacionalidade contestada, não é mesmo? 

Por isso, selecionamos depoimentos de proprietários de Uno para relembrar os bons momentos do Fiat mais querido do Brasil. Veja:

Um guerreiro do dia a dia

Por Renan Bandeira, repórter da Mobiauto

Hatch está se despedindo do Brasil, mas será lembrado para sempre: na indústria, pelas inovações; no coração dos proprietários, pelas histórias

Começando por mim. Sim, eu tive um Fiat Uno Mille Eletronic ELX de ano/modelo 1995. Fiquei com o carro por cinco anos e decidi vendê-lo no início de 2021, porque não dava tanta atenção quanto ele merecia. 

A prova disso são os apenas 8.000 quilômetros rodados do carro no tempo em que esteve comigo - pouco mais de 1.000 km por ano.

Foi o meu primeiro carro. Admito que não queria comprá-lo no início, mas o Uno é o tipo de veículo que te conquista com o tempo. Pequeno por fora para ajudar nas balizas e magicamente espaçoso por dentro, carregava um motor 1.0 valente de 56 cv e 8,2 kgfm.

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O meu tinha algumas peripécias. A seta do lado direito simplesmente caiu (juro que não fiz nada) e usei fita dupla-face para colá-la (podem me julgar, mas eram tempos financeiramente difíceis). O freio de estacionamento não era dos melhores e regular aquele carburador eletrônico era uma dor de cabeça danada.

Tanto que aprendi na marra os artifícios do punta-taco para sair nos semáforos, rampas e qualquer outra situação mais complicada no trânsito. Era isso ou o carro morria.

No entanto, as melhores recordações com o Uno eram com os amigos. Por ser econômico, todo mundo escolhia viajar comigo para rachar a gasolina. Como eles diziam: “Com R$ 30, vai na Argentina e volta”. Na prática, não era bem isso, mas o Uninho era mesmo bem econômico.

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Além disso, era pau para toda obra. Durante os cinco anos em que esteve comigo, foi responsável por várias sessões de carreto enquanto minha casa estava em construção. Sim, parte da mudança foi feita no Uno, que aguenta bem o tranco e virou quase uma picape com os bancos tombados e a suspensão traseira por um feixe transversal de molas semielípticas.

Mas a história mais inusitada que tivemos juntos foi em um casamento da família. O destino era Araraquara, no interior de São Paulo. Para ter a garantia de que o guerreiro não me deixaria na mão, passei em uma oficina mecânica para fazer uma revisão.

No outro dia peguei o carro e enfrentei o trajeto de mais de 300 quilômetros. Não foi fácil, o Uno tremia quando era ultrapassado por caminhões maiores e o banco do motorista quebrado era ergonomicamente horrível - até travei as costas.

Porém, a maior surpresa aconteceu quando cheguei ao destino. O (glorioso) mecânico esqueceu de colocar a vareta de óleo no lugar depois da revisão. Lembro que cheguei a arregalar os olhos na hora que abri o capô, e depois caí na risada desacreditando do que tinha acabado de ver. Mas ele foi até o destino, e sem chiar.

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Uno novinho em folha

Por Regiane Pardo e Aurimar Batista, casal de empresários de São Paulo (SP)

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Regiane: “Ganhamos o Uno CS 1.3 zero-km do meu pai em 1993. Ele era todo preto, tinha apenas duas portas e me lembro até da placa do carro, mesmo ficando apenas dois anos com ele, de tanto que ele marcou as nossas vidas.

O Uninho ficou pouco tempo com a nossa família, já que ela começou a crescer, passando de dois para quatro integrantes, e depois ainda viramos cinco. Com isso, tivemos a necessidade de pular para um carro um pouco maior, que comportasse todo mundo e que fosse mais versátil que um duas-portas para levar as crianças.

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Aurimar: “Lembro muito bem do Uno por causa das nossas viagens. Era demais. Não foi uma ou duas, foram várias as vezes que pegamos a estrada para ir à praia, à nossa chácara e conhecer outros lugares com ele.

Ele tinha motor 1.3 e ainda era ‘frente alta’, que é aquela frente com faróis enormes e quadrados e emblema da grade bem grande também. Além disso, ele tinha bastante área envidraçada e umas coluninhas estreitas, praticamente não tinha ponto cego e era muito bom de dirigir.”

Regiane completa: “A minha maior recordação do carro até hoje é o cheiro. Lembro como se tivesse entrado nele hoje, com aquele cheirinho de carro zero-quilômetro”.

O esposo concorda: “Era um cheiro que só ele tinha e nunca mais percebi em outro carro”.

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Perrengue pulando gerações

Por Fabrício Godoi, projetista industrial

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“Esse Uno ficou na minha família pelo menos uns 16 anos. Era da minha irmã e, quando eu fiz 18 anos, ela me deu. Fiquei cinco anos com o carro e depois vendi para um amigo que sempre rodou comigo nele.

Era um Uno CS 1.5 1996. Comparando com os carros atuais, o motorzinho não era muito potente, mas eu gostava de provar que o 1.5 valente enfrentava qualquer desafio.

A minha primeira história com ele é uma das que mais gosto. Com 18 anos e pouca experiência de direção, mesmo já tendo tirado a CNH, inventei de ir ao Salão do Automóvel [de São Paulo] com o Uno.

Eu ainda estava no [curso do] Senai da Mercedes-Benz e ganhei ingresso da empresa para ir. Fomos eu e mais três amigos no carro e os perrengues começaram para sair do lugar, já que o Uno tinha a embreagem muito alta e testava todas as minhas habilidades de motorista. O jeito era apelar para o punta-taco.

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Mas o carro também não segurava muito bem a aceleração. Quando eu tirava o pé, ele dava uns trancos e parecia que ia morrer. Foi péssimo. Enquanto estávamos rodando em ruas planas, tudo ia bem, mas reduzir a marcha e enfrentar subidas era um problemão.

Tanto que chegamos ao Expo Imigrantes [local do evento] e, na rampa de entrada, o carro ficava dando vários trancos. Lembro que a gente estava ouvindo rap no carro e os trancos faziam a gente balançar a cabeça, como se estivéssemos dançando no ritmo da música.

Até chegar ao estacionamento, foi suado. Porém, eu nunca estive tão feliz na vida em estar com meu primeiro carro em um evento que gosto tanto. Por isso, esse é um dos momentos que mais marcaram a minha vida com o Uno.”

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Memórias de infância

Por Leonardo Felix, editor-chefe da Mobiauto

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“Minha relação com o Fiat Uno vem desde que me conheço por gente. Meu avô materno, por exemplo, só tinha Uno na garagem, sempre nas versões Mille. Quantos foram? É até difícil dizer, porque ele era o rei dos rolos e das trocas. 

De meses em meses, o Mille que era azul virava prata, depois verde, depois vermelho, depois voltava a ser azul. Até que um dia ele trocou seu último Uno por um Palio e passou, então, a ter sucessivos Palios na garagem.

Mas, na época dos Uno, sempre eram unidades da configuração com motor 1.0, pois meu avô achava mais econômico e era era daqueles que contavam cada centavo. Ele prezava muito pela economia de combustível da ‘botinha ortopédica’.

Já meu pai detestava carros da Fiat, embora tenha sido proprietário, por um breve período, de um Premio CSL 1.6 1991, em algum momento da primeira metade dos anos 90.

Minha mãe, por sua vez, teve dois Uno, também Mille. Infelizmente, ela não lembra os anos/modelos nem as versões, tampouco há fotos deles aqui em casa para registro. Mas, puxando por elementos da memória, presumo que o primeira tenha sido ano 91 e o segundo, 92.

Mas me recordo bem que os dois ainda tinham rodas de aço prateadas com tampa preta no cubo e a frente alta dos primeiros anos, com faróis largos, grade dianteira negra e o logotipo da marca em cinco faixas diagonais bem amplas cortando a peça de ponta a ponta.

O primeiro Uno da minha mãe era branco e ela comprou em 2000, para o lugar de um Chevette 1983 1.4 a álcool (não sei por que eu lembro o ano/modelo dele e não o dos Uno). Eram tempos difíceis para a família e o Uninho foi comprado com um baita suor, porque ela não aguentava mais os problemas no motor do Chevette.

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No dia em que comprou o Uninho, minha mãe o estava levando para casa pela primeira vez quando outro motorista cruzou um sinal vermelho e arrebentou a lateral do carro. Lembro de vê-la chorando, revoltada, dando tapas no braço do rapaz enquanto gritava “você bateu no carro que eu acabei de comprar” no meio de um dos cruzamentos mais movimentados da cidade. Uma cena tragicômica.

Semanas de reparo depois (pagos pelo causador do acidente, felizmente), enfim ela pôde desfrutar do carro, que era movido a gasolina e muito mais econômico que seu velho e problemático Chevette a álcool.

Em 2002, foi a vez de fazer a troca do Uno branco por um vermelho, um ano mais novo, também Mille. Até hoje não entendi por que aquela substituição ocorreu, visto que os dois carros eram praticamente idênticos. Mudava só a cor da carroceria mesmo. 

Se eu disser que lembro dos detalhes para cravar as versão, estaria mentindo. Mas não tinham carburador eletrônico, eram duas portas e tão pelados quanto poderiam ser: nada de direção hidráulica, vidros elétricos, rádio ou ar ou qualquer mimo do tipo.

Apesar de toda essa intimidade da minha família materna com o modelo, eu era criança demais e só fui dirigir um Uninho de primeira geração em 2011, já aos 23 anos. 

Era outro Mille, já com a dianteira do fim dos anos 1990, e pertencia à avó de uma ex-namorada. Depois, já como jornalista da área automotiva, dirigi algumas vezes o Uno de segunda geração para avaliações ou comparativos. Certamente não tinha a magia do primeiro”.

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Um carro de família

Por Célia Regina Bandeira, costureira de José Bonifácio (SP)

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“Sempre gostei muito de Uno. Tanto que tive dois, sendo um duas portas e outro quatro portas. Curiosamente, eles tinham a mesma cor, que era aquele verde escuro bem bonito que saiu na época [década de 1990].

Eles eram meus companheiros diários para levar meus filhos à escola, resolver problemas do dia a dia, visitar a família e fazer viagens. O primeiro foi um Mille duas portas, ano 1993, que tive por mais ou menos dois anos e meio. Troquei ele por um Uno Mille de quatro portas, que não me recordo mais o ano.

Mas esse último é o que tenho as melhores lembranças. Fiquei uns cinco anos com ele e lembro de uma vez estar dirigindo em uma estrada de terra, e caiu uma baita chuva, deixando todo o trajeto em pura lama.

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Como precisava passar por aquilo para chegar na minha casa, decidi enfrentar. O Uno era valente e não me deixou na mão, mas ficava deslizando de um lado para o outro na lama, como se eu estivesse fazendo aquelas manobras de filme de ação, os famosos drifts. Ele ficava quase que de lado em alguns momentos.

Sei que foi um pouco perigoso, mas foi uma das situações mais engraçadas que passei com o Uno, e que nunca vou me esquecer.”

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Imagens: divulgação Fiat

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