Renault vê volume de negócios disparar após resgatar aliança com Nissan

Volume de negócios da marca cresceu 27,3% entre janeiro e junho deste ano, em relação ao mesmo período de 2022, alcançando R$ 139 bilhões; digitalização impulsiona rentabilidade.
HG
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31.07.2023 às 20:30 • Atualizado em 12.11.2024
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Volume de negócios da marca cresceu 27,3% entre janeiro e junho deste ano, em relação ao mesmo período de 2022, alcançando R$ 139 bilhões; digitalização impulsiona rentabilidade.

Noventa e nove de cada 100 entendidos de carros acredita piamente que, por trás das cifras bilionárias do setor automotivo (R$ 200 bilhões anuais, só no Brasil), existe apenas uma disputa para ver qual marca produz o melhor veículo, pelo preço mais competitivo.

Se o leitor fizer uma rápida busca, na internet, vai notar que quase todos os textos se resumem a elogios aos mais recentes lançamentos e conjecturas sobre o futuro – na maioria das vezes, um exercício egocêntrico dos anseios do próprio autor do texto.

Na última semana, durante a apresentação do Metaverso Industrial da Renault brasileira, um programa que visa economizar 580 milhões de euros (o equivalente a R$ 4 bilhões) para a companhia, até 2025, ficou evidente a paixão que o brasileiro nutre por seu Gol, Palio ou seja lá qual modelo for espelhar o olhar romantizado que a própria imprensa especializada tem.

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Em um grupo de quase 50 especialistas, que visitou a fábrica paranaense da marca, ninguém – repito, ninguém – se deu conta de que toda aquela estrutura produz, na verdade, dinheiro. Não tinha ali um único crítico capaz de enxergar, para além dos Kwid, dos Duster e de uma unidade do novo Mégane E-Tech, estrategicamente posta ali para distrair Tico e Teco, que existe um negócio de magnitude global sob ameaça.

“O Metaverso Industrial é parte da estratégia de revaloração do nosso negócio, que vai garantir maior competitividade para nossos produtos e, obviamente, maiores e melhores retornos para nossos acionistas”, disse o presidente da subsidiária brasileira, Ricardo Gondo.

“O automóvel do futuro é elétrico e a eletrificação é inexorável, mas nossas projeções indicam que, em 2040, ainda existirá uma demanda global de 20 milhões de modelos equipados com motores a combustão interna”, acrescentou Gondo, destacando que são as questões regulatórias – e não o desejo de um jornalista ou influencer digital – que determinam a virada da eletromobilidade, regionalmente.

Então faltam legislações nacionais que obriguem a adoção de motores elétricos em curto e médio prazos, na grande maioria dos países os veículos convencionais ainda terão grandes mercados, pelo menos nas próximas duas décadas.

O Metaverso Industrial é muito diferente daquele criado pelo escritor norte-americano Neal Stephenson, para descrever o mundo virtual imersivo do seu livro “Nevasca”, de 1992. No caso da Renault, desde novembro do ano passado, ele representa o processo de digitalização de todas suas linhas de produção, que monitora 90% dos fluxos e hospeda 100% dos dados de suprimentos.

Desde 2016, a empresa já economizou 780 milhões de euros (o equivalente a R$ 4 bilhões) só com os ditames da ‘Indústria 4.0’ e, com o Metaverso, a expectativa é reduzir em 60% o tempo de entrega dos veículos pedidos pelos concessionários – os custos de garantia também serão reduzidos em 60% e a pegada de carbono, em outros 50%.

“No caso de nossa fábrica brasileira, também vamos alcançar um índice de automação de 77%, até o final de 2023, frente os 55% de antes da implementação do programa”, destaca o gerente industrial para a América Latina, Fabiano Silva.

Junto da digitalização, a Renault investiu na geração de energia fotovoltaica e, hoje, é autossuficiente na produção de 50 megawatts (MW). “Não compramos mais energia elétrica do fornecedor regular e, com isso, temos um gasto mais previsível e que não aumenta com as flutuações do mercado”, pontua o diretor industrial nacional, Wagner Mansan.

Ele participou da construção da planta paranaense e é testemunha da evolução dos processos que, agora, são escaneados em quase sua totalidade (80%), gerando o volume estratosférico de um bilhão de dados diários.

“Parece uma coisa intangível, mas só com papel já economizamos 2,5 milhões de folhas e, em termos de produtividade, os gestores ganharam duas horas de tempo adicional que, anteriormente, eram gastos com a elaboração de relatórios e intervenções na linha de montagem que, hoje, se operam em tempo real”, acrescentou Mansan.

Financeirização

Agora, preste bem atenção nesses números: nos últimos 20 anos, a Renault saiu de uma capitalização de mercado de US$ 19,6 bilhões, subiu para US$ 40 bilhões, em 2007, caiu para US$ 10 bilhões, em 2021, e, hoje, tem um valor de US$ 12,5 bilhões – o que representa uma alta de quase 30% em relação ao ano passado.

Desde 2017, quando seus papéis valorizaram 11%, esta é a primeira vez que a marca volta para o verde, mas estamos falando de um negócio que perdeu 36% do seu valor, em duas décadas. De qualquer forma, a receita mágica inventada pelo presidente-executivo (CEO) da companhia, Luca de Meo, aponta para um futuro de rentabilidade: o volume de negócios da marca cresceu 27,3% entre janeiro e junho deste ano, em relação ao mesmo período de 2022, alcançando a cifra de 26,8 bilhões de euros (o equivalente a R$ 139 bilhões), com alta de 24% nas vendas europeias.

Em 2027, a marca espera alcançar um volume global de vendas de 1,64 milhão de unidades – no ano passado, foram 1,46 milhão de unidades.

Hoje, a Renault ocupa uma modesta 32ª posição, entre as montadoras mais valiosas do mundo, conquanto o volume comercial da Renault Nissan Alliance, no primeiro semestre deste ano, ponha a aliança na quinta colocação – a financeirização neoliberal apresenta estes descompassos, mas, nunca é demais lembrar, que quando entraram neste cassino, as companhias achavam que suas fichas eram imunes ao azar.

Quando anunciaram a revisão de sua aliança, em 6 de fevereiro, Renault e Nissan haviam prometido um acordo antes de 31 de março, mas o prazo foi estendido em quatro meses e só na semana passada as duas fabricantes anunciaram o reequilíbrio de aliança – o que passou despercebido dos especialistas que visitaram a fábrica paranaense.

Neste novo “capítulo”, ambas estão em pé de igualdade: Renault e Nissan terão uma participação cruzada de 15%, com os mesmos direitos de voto (de 15%) e “uma obrigação de conservação”. O grupo francês colocará 28,3% de suas ações da Nissan em um fundo fiduciário, com a possibilidade de vendê-las, gradualmente, sob condições estabelecidas em contrato. No caso destes valores mobiliários, os direitos de voto serão “neutralizados” – ou seja, são ativos podres.

Lucro operacional

Enquanto seus convidados sonhavam em dar uma voltinha – uma voltinha, mesmo – no novo Mégane E-Tech, a Renault põe seus objetivos financeiros como prioridade máxima, atrasando até mesmo sua virada da eletromobilidade.

Na ponta do lápis, a empresa espera uma receita de US$ 29,9 bilhões para 2023 e estima um crescimento anual de 3%, até 2027, chegando na casa dos US$ 33,5 bilhões. Uma projeção bastante simples leva à conclusão de que o Metaverso Industrial vai gerar uma retenção adicional de um ponto percentual em relação ao faturamento global.

A conta parece complexa, mas o único fato que importa – que importa mil vezes mais do que o lançamento do novo Mégane E-Tech ou a chegada de um modelo inédito, em 2024 – é que isso engordará a margem de lucro operacional da companhia dos 5,6% (de 2022) para 6,5% ou 7%, em 2025.

“Nosso CEO, Luca de Meo, é a pessoa mais indicada para este tipo de avaliação, mas este é o raciocínio corporativo: agregar cada vez mais valor para nosso negócio”, confirma o presidente da subsidiária brasileira, Ricardo Gondo.

São cifras bem altas, é verdade. Mas no campo industrial, a montadora ocupa apenas a 87ª posição global, atrás da GAC, da XPeng, da Volvo Car e da Suzuki. No CAC 40, que pontua as 40 maiores cotações de mercado só de companhias francesas, a Renault aparece no 35º lugar, atrás do Carrefour, da Michelin, da Danone, muito atrás da Stellantis, da Hermès e da L’Oréal, além da líder LVMH (Louis Vuitton).

No território financeiro, o dividendo por ação da Renault despencou de 3,5%, em 2018, para 0,25 euro, no ano passado – no mesmo intervalo, o lucro por ação caiu de 12,2 euros para um prejuízo de 1,2 euro.

No Brasil, a Renault tem, hoje, participação de 5,6% no mercado de automóveis (carros de passeio e comerciais leves), com o Kwid como modelo mais vendido (26,6 mil unidades – 12ª posição, em mercado de 851,3 mil unidades).

  • Em 2017, ela tinha 7,4% de participação, com o Sandero como mais vendido (38,8 mil unidades – 4ª posição);
  • Em 2012, 6,7% e Sandero (44,5 mil unidades – 9ª posição);
  • Em 2003, 4,3% e Clio (14,5 mil unidades – 11ª posição, em mercado de 664 mil unidades).

Já no ranking de faturamento – que não quer dizer lucro – a Renault fechou 2022 na 7ª posição nacional, com R$ 12,5 bilhões (2,35 bilhões de euros), o que representa algo entre 5% e 7% da receita global da marca e que parece compatível com o tamanho do mercado brasileiro.

No ano passado, o Brasil respondeu por 8,5% das vendas globais da empresa (com 126,6 mil unidades, atrás apenas da França e três pontos percentuais à frente da Alemanha). Mas fomos ultrapassados pela Turquia, neste primeiro semestre – lá, é o país onde suas comercializações mais crescem: 23%.

Agora, o leitor que chegou até aqui neste artigo percebe de forma insofismável, irretorquível, que os Kwid e os Duster que saem da linha de montagem paranaense são, apenas e tão somente, o produto precarizado que vai garantir receita para, depois de descontados os custos e impostos, o lucro ser remetido para a matriz francesa.

É assim que funciona com todo fabricante de automóveis, desde que os cavalos foram substituídos pelo motor a combustão e, lá na França, este lucro será distribuído para os acionistas – que são os verdadeiros donos do negócio – na forma de dividendos.

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.

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