Por que motoristas preferem simples câmera de ré à tecnologia autônoma

Pesquisa global da S&P, com quase 8.000 motoristas, mostra que só 27% deles acharia mais conveniente, se seu carro guiasse sozinho
HG
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11.07.2023 às 14:40
 Pesquisa global da S&P, com quase 8.000 motoristas, mostra que só 27% deles acharia mais conveniente, se seu carro guiasse sozinho

Há alguns dias, trouxemos as ponderações de especialistas internacionais sobre as responsabilidades civil e criminal dos proprietários de veículos autônomos (AVs). Mostramos que a promessa de um automóvel que roda sozinho, liberando o condutor “para funções secundárias”, não o isenta de suas obrigações em relação às leis de trânsito – que são muito diferentes de país para país, estados e províncias, além dos municípios, fazendo do mundo uma verdadeira Babel.

Também revelamos casos em que o próprio fabricante do veículo não foi isento de indenização, mesmo diante da omissão do verdadeiro motorista e na medida em que promete, em suas campanhas publicitárias, algo que seu produto não oferece, ou seja, uma condução autônoma efetiva.

Agora, trazemos os resultados da nova pesquisa da S&P Global Mobility, consultoria que produz as mais avançadas análises de mobilidade e insights que antecipam as transformações do setor, sobre Sistemas de Auxílio Avançado para Direção (ADAS).

“A confiabilidade ainda é uma barreira para a maioria dos compradores, quando falamos de um AV. Os consumidores entendem como estes sistemas operam, sabem de seus benefícios em segurança e esperam que eles se tornem recursos de série, em todos os carros. Mas eles não confiam tanto em condução autônoma”, destaca a analista sênior de pesquisas da empresa, Yanina Mills.

Em um ponto que vai de encontro ao senso comum, o S&P Global Mobility aponta que pouco mais de 60% dos 7,7 mil entrevistados em nível mundial, têm interesse em direção autônoma. Isso, em um universo de donos em que 35% possuem automóveis com alerta de colisão frontal e detecção de ponto cego – ou seja, trata-se de uma amostragem mais qualificada do que a média.

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“A verdade é que quem compra um 0 km, hoje, não tem um motivo verdadeiro para buscar um AV. Só 27% deles acredita que um modelo autônomo seria mais conveniente, os aliviando das condições de direção, e só 48% - menos da metade – acreditam que haveria um ganho em segurança”, pontua Yanina. “Agora, 83% dos pesquisados acham o alerta de ponto cego indispensável”.

Hoje, todos os principais fabricantes do mundo oferecem ao menos uma tecnologia semiautônoma de Nível 2 - na classificação da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE International), que define os Níveis 0, 1, 2, 3, 4 e 5 de automação, o segundo nível, chamado “hands off” ou ‘mãos livres’, é bastante conhecido pelo sistema AutoPilot, da Tesla, que acelera, freia e esterça o volante sozinho.

São recursos que sugerem ao motorista que ele não precisa se preocupar com a condução, mas que obrigam o condutor a permanecer atento (ele é monitorado por sensores e câmeras, que vão “dedurar” se ele foi negligente em um eventual acidente) e pronto para assumir o controle do veículo a qualquer instante.

“O que se chama de Nível 2+ agrega uma função capaz de ‘guiar’ o carro em rodovias, entrando e saindo de entroncamentos rodoviários, fazendo ultrapassagens e evitando uma colisão, mas não mais do que 65% dos ouvidos pela pesquisa usaria esta função”, pontua o outro analista sênior do relatório, Brock Walquist.

Outro dado se soma, mostrando que, pelo menos para os motoristas comuns, a condução autônoma ainda é coisa do futuro: apenas 47% dos pesquisados viajaria em um AV e menos do que isso cogitaria a compra de um, mesmo daqui a alguns anos.

“As pessoas não parecem muito crédulas da automação e a ideia, então, de um veículo 100% autônomo não lhes agrada, muito menos pagar mais caro por isso”, avalia Walquist. “Vimos que 92% dos consumidores consideram as avaliações de segurança, ao escolher marca e modelo, e que 81% deles estão dispostos a pagar mais para um carro com classificação de segurança mais alta”, completou.

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É uma questão tão óbvia que a maioria acha que, se um recurso de segurança é, realmente, tão efetivo, deveria se tornar item de série para toda a gama.

Descompasso com o marketing

Neste ponto, a pesquisa ADAS revela um descompasso raro e até curioso entre certificação e marketing: “A maioria das organizações que promovem classificação veicular recomendam o freio autônomo de emergência (‘Autonomous Emergency Braking’ ou AEB) e o assistente de faixa, que alerta o condutor sobre o desvio involuntário por cansaço ou desatenção, mas eles nem sempre fazem parte do protocolo de pontuação”, comenta o analista-chefe de AVs da consultoria, Jeremy Carlson.

“Hoje, dois institutos, o Euro NCAP e o Insurance Institute for Highway Safety (IIHS) norte-americano, puxam a fila para incorporar estes auxílios em suas classificações de segurança, mas a maioria das outras organizações está muito atrás. No mesmo sentido, a Administração Nacional de Segurança Rodoviária (NHTSA) anunciou há pouco mais de um mês, que pedirá a obrigatoriedade do AEB para todos os veículos novos vendidos nos Estados Unidos”.

Os compradores também querem saber o que estão recebendo e a complexidade de muitos sistemas autônomos torna isso difícil, pelo menos para o entendimento da maioria dos entrevistados. Por exemplo: enquanto 64,5% deles gostaria de um automóvel que estacionasse sozinho, na rua, 80,3%, desejam “apenas” uma câmera de ré – a diferença é de expressivos 15 pontos percentuais.

“Acho que isso decorre das diferenças que os sistemas autônomos apresentam, mesmo entre si. As capacidades que cada modelo tem de rodar autonomamente em áreas urbanas ou rodoviárias, por exemplo, nunca são iguais quando comparamos duas marcas”, lembra Carlson. “A exceção à regra é a Tesla que, justamente pelo fato de destacar sua tecnologia autônoma como grande diferencial, acaba atraindo compradores curiosos”.

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A analista-chefe também credita à falta de transparência, o receio que muitos motoristas ainda têm em relação aos AVs. “Não há dúvida de que a maioria dos consumidores precisa de mais convencimento, de saber como este e aquele sistemas autônomos operam, exatamente, se ele – o motorista – terá que manter a atenção no tráfego ou irá, apenas, ajudar um pouco quando o carro alertá-lo”, sublinha.

“Lembrando que o Nível 3 de automação, que chega às ruas ainda neste ano, também traz uma questão jurídica ainda sem resposta: já que, dispensando a vigilância ininterrupta do condutor, transferirá a responsabilidade legal do humano para o fabricante do veículo. Seu uso prático se resumirá a algumas rodovias europeias e norte-americanas com velocidade limitada, ou seja, não será tão útil no dia a dia”, completa Carlson.

ID Buzz autônomo

No Brasil, a Volkswagen acaba de apresentar o ID Buzz, a “nova Kombi elétrica”, com toda pompa e circunstância, mas não irá vende-la. Na verdade, assim como o ID.4, que está disponível por assinatura mensal de R$ 10 mil, chegará ao mercado nacional com lote de 70 unidades somente por assinatura.

Já no progressista Estado norte-americano do Texas, a VW inicia, neste mês, testes de um programa autônomo de caronas com o mesmo modelo, em Austin, Texas, usando dez unidades equipadas pela Mobileye – inicialmente, motoristas humanos garantirão a segurança, mas trata-se de versões com Nível 4 de automação. O programa será estendido para outras quatro capitais, nos Estados Unidos, antes de ser ofertado para o público em geral, até 2026.

Lá, como aqui, a Volks também usará um grupo fechado de usuários. “Nosso objetivo é lançar veículos totalmente autônomos, como um produto escalável”, explica Christian Senger, membro do conselho administrativo da VW Commercial Vehicles e responsável pelo desenvolvimento nesta área.

“Queremos ser parceiros das cidades. Queremos melhorar a mobilidade nas cidades, a segurança e sermos uma alternativa real ao carro particular. Os norte-americanos já estão bem amadurecidos, quando se trata de viagens compartilhadas, e achamos que este mercado tem mais potencial, nos Estados Unidos, do que na Europa”, acrescentou – com aquele silêncio sobre o Brasil e a América Latina que nos lembra, sempre, de que as montadoras estão aqui para a exploração neocolonial.

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Não muito longe do Texas, em Las Vegas (Nevada), a subsidiária de AVs da Amazon, a Zoox, está expandindo seus programas de testes com um robô-taxi sem motorista. Modelos que não têm volante e nem pedais dirigem, sozinhos, para os mais de 2.200 funcionários da empresa.

“Estamos nos preparando para o lançamento comercial do serviço e, por isso, estamos contratando novos colaboradores. Só no primeiro semestre deste ano, aumentamos nosso quadro de funcionários em 10% e pretendemos seguir contratando”, conta o diretor de tecnologia Jesse Levinson.

Como se vê, a condução autônoma está muito mais próxima da materialização no transporte de carga, nos serviços de entrega e viagens por aplicativos, do que, propriamente, em nossas vidas. 

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.

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