Por que o carro elétrico está assustando montadoras como Fiat, GM e VW

Enquanto Tesla e chineses nadam de braçada, Stellantis expõe dificuldades das fabricantes tradicionais no processo de eletrificação e diz que custos podem ser insustentáveis
JC
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06.12.2021 às 10:16 • Atualizado em 23.12.2021
Enquanto Tesla e chineses nadam de braçada, Stellantis expõe dificuldades das fabricantes tradicionais no processo de eletrificação e diz que custos podem ser insustentáveis

Por Homero Gottardello

Enquanto as marcas chinesas, das gigantes às startups, ampliam sua hegemonia na virada para a eletromobilidade, um dos maiores conglomerados do setor automtivo, a Stellantis (grupo que reúne 15 marcas antes pertencentes a FCA e PSA, como Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën) expõe a situação desesperadora com que não só ela, mas outras titãs como Volkswagen e General Motors, se deparam:

“Governos e investidores estão impondo uma transformação às montadoras que acarreta custos adicionais da ordem de 50% em relação aos automóveis tradicionais, equipados com motores a combustão interna”, revelou o presidente-executivo (CEO) da Stellantis, Carlos Tavares, durante a “Reuters Next”, conferência virtual que reúne líderes globais e pensadores do futuro.

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“Hoje, não há como transferirmos estes custos para o consumidor final, porque a maior parte da classe média global não tem condições de suportar este aumento de preços”, seguiu o executivo. “Os gastos que a transição obrigatória dos modelos convencionais para os elétricos vai demandar, nos próximos anos, estão além dos nossos limites”, acrescentou.

A lamúria de Tavares reside em um fato cada vez mais evidente, que é a incapacidade das megacorporações que, ainda hoje, dominam o setor automotivo, em mudar seu modelo de negócio. 

“Estas companhias, como a VW e a GM, irão todas à falência, mesmo que consigam se estabelecer no mercado de elétricos”, prevê de maneira catastrófica o presidente-executivo (CEO) da New Constructs, consultoria de investimento ‘high tech’, David Trainer. 

Enquanto Tesla e chineses nadam de braçada, Stellantis expõe dificuldades das fabricantes tradicionais no processo de eletrificação e diz que custos podem ser insustentáveis

Aqui vai um dado que parece corroborar a previsão pessimista de Trainer: enquanto a Tesla alcança um valor de capitalização de US$ 1,2 trilhão (o equivalente a R$ 6,8 trilhões), os dez maiores grupos automotivos do mundo, incluída a Stellantis, valem US$ 1,1 trilhão, somados!

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As companhias tradicionais alegam que precisam de tempo para testar e garantir que a tecnologia embarcada nos EVs funcionará de verdade. Argumentam que os prazos exíguos que os governos norte-americano e da União Europeia dão para a virada completa da eletromobilidade são contraproducentes e acarretarão todo tipo de problema, nomeadamente de qualidade. 

“Nos próximos cinco anos, teremos que ‘digerir’ um incremento na produção de EVs da ordem anual de 10%, quando as melhores médias do setor automotivo, neste sentido, variam de 2% a 3% ao ano”, pondera Tavares, da Stellantis. 

Ele só não explica como as montadoras chinesas conseguiram não só desenvolver tecnologia, como até ditar as questões regulatórias internacionais, partindo de uma sociedade onde, até há bem pouco tempo, cachorros e ratos faziam parte do cardápio da maioria da população.

Como todo bom numulário faz quando perde a superioridade financeira, Tavares parte para uma espécie de “subcanalhismo”, ameaçando arrebentar o lado mais fraco da corda: “Os fabricantes podem cobrar preços mais altos, vendendo menos carros, ou até mesmo aceitar margens de lucro menores. Mas são caminhos que levam a cortes”, adverte o executivo. 

Enquanto Tesla e chineses nadam de braçada, Stellantis expõe dificuldades das fabricantes tradicionais no processo de eletrificação e diz que custos podem ser insustentáveis

Tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, as uniões sindicais do setor automotivo alertam para a supressão de dezenas de milhares de postos de trabalho na indústria, de certa forma engrossando o coro dos patrões. 

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“Os políticos reagem com atraso e sempre apoiando a indústria, quando deveriam preservar os empregos”, disse à Deutsceh Welle o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Baden-Württemberg, com sede em Stuttgart, Roman Zitzelsberger. 

“Há toda uma cadeia que depende desse setor e isso ainda inclui o pequeno comércio, que orbita as grandes fábricas”, prosseguiu.

Chineses à frente

As marcas de elétricos são muito menores em termos comerciais e, também, empregam muito menos trabalhadores, mas os investidores deram à Tesla e à Rivian avaliações de mercado infinitamente mais altas do que à Jeep ou à RAM, por exemplo. 

Em um mundo onde a indústria optou pela financeirização, são os chineses que tomam as rédeas quando se trata do capital industrial. 

Na verdade, os mesmos acionistas que endeusaram Tavares quando ele impôs sua estratégia de corte de custos, dando fôlego para a então PSA (Peugeot-Citroën), hoje põem a faca em seu pescoço sob a ameaça de debandarem com seus investimentos, deixando o português pendurado na brocha. 

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Enquanto Tesla e chineses nadam de braçada, Stellantis expõe dificuldades das fabricantes tradicionais no processo de eletrificação e diz que custos podem ser insustentáveis

“Podemos investir mais e ir mais fundo na cadeia de valor”, arrazoa Tavares, mudando do tom de ameaça para o da conciliação.

O executivo lembra que acelerou o plano de desenvolvimento da Stellantis, garantindo um investimento de US$ 34 bilhões (o equivalente a R$ 193,6 bilhões) para novas plataformas de carros elétricos até 2025. 

Até lá, pode ser que sua cabeça não seja cortada pelos acionistas, mas até mesmo o anúncio da semana passada, da parceria com a Factorial Energy – junto com a Daimler – para construção de pacote de baterias em estado sólido, parece um tanto quanto atrasado.

É que os chineses já dispararam na frente e, hoje, têm pronta uma segunda geração de modelos verdes, enquanto os grupos europeus e norte-americanos (com exceção da Tesla e da pequena, porém valiosa, Rivian) ainda estão com a primeira marcha engatada.

A pressão a que Tavares se refere não vem só dos investidores e é agravada por políticas governamentais globais, destinadas a reduzir as emissões de gases que causam o Efeito Estufa. 

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Os calendários europeu e californiano preveem a proibição das vendas de modelos zero-quilômetros equipados com motores a combustão até 2035. No Reino Unido o prazo para a eletrificação completa das novas gamas é ainda mais curto, 2030. 

“O futuro vai mostrar quais empresas conseguirão sobreviver e quais irão sucumbir a este novo limiar. Nós tentaremos evitar cortes, aumentando a produtividade”, choraminga Tavares. O fato é que, hoje, a Tesla tem um volume de vendas global equivalente a menos de 12% da Stellantis, mas lucra 350 vezes mais.

“Os investidores estão apostando que a Tesla vai gerar enormes lucros com seus elétricos, enquanto as gigantes automotivas, mesmo com toda a sua experiência técnica e poder, vão fracassar em massa. Simplificando, os investidores estão dizendo que a Tesla vai limpar a mesa e deixar que outros briguem pelos restos”, avalia Trainer, da New Constructs.

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