Fábricas impedem acesso do dono aos dados de reparo de seu próprio carro

Marcas vêm criando monopólios de informação sobre parâmetros de reparo dos veículos, e até o presidente dos EUA está descontente com isso
BF
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09.05.2022 às 11:14
Marcas vêm criando monopólios de informação sobre parâmetros de reparo dos veículos, e até o presidente dos EUA está descontente com isso

No dia em que pifou a máquina agrícola (da marca John Deere, nova, na garantia) de um fazendeiro norte-americano, ele pediu assistência ao concessionário, mas foi informado que os técnicos só chegariam três dias depois.

“Não posso ter todo esse prejuízo com a máquina parada no campo”, ele alegou, e explicou que seu mecânico pessoal tinha condições de repará-la. A autorizada respondeu que só seus técnicos com ferramentas especializadas poderiam consertá-la, ou ele perderia a garantia.

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Oficina não tem informação

Este é um dos milhões de casos que acontecem no mundo inteiro devido ao impedimento – pela fábrica – do acesso ao produto por seu próprio dono, ou oficina de sua confiança.

Além de barrar qualquer revisão fora da concessionária durante o período de garantia, o que ainda seria justificável, tem pior: com a sofisticação eletrônica cada vez mais presente nos veículos, a fábrica tenta impedir o acesso de oficinas independentes aos dados básicos para reparar, regular ou ajustar os componentes. 

Mesmo tendo um computador, os mecânicos não têm os parâmetros necessários para a manutenção, pois as fábricas não os disponibilizam oficialmente, prejudicando assim as oficinas independentes.

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Movimento Right to Repair

Esta briga deu origem a um movimento chamado Right to Repair (Direito de Reparar) na Europa e nos EUA, onde o deputado democrata Bobby Rush apresentou projeto de lei para assegurar a donos de veículos e oficinas independentes o mesmo acesso às ferramentas de reparo e manutenção que as concessionárias.

Até o presidente Joe Biden se envolveu no assunto e criticou, no início deste ano, que “o dono de qualquer produto, de um smartphone a um trator, não tenha a liberdade de escolher como e onde vai reparar o item adquirido”.

A ideia é obrigar as fábricas a disponibilizarem – mesmo que a um custo razoável – estas informações ao mercado. O movimento foi assumido no Brasil pelo Sindirepa, sindicato dos reparadores de veículos, que já enviou cartas para as montadoras questionando o assunto.

Se elas negarem sua pretensão, o órgão vai levar o tema a parlamentares para se estabelecer uma legislação semelhante à do Primeiro Mundo.

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Sindirepa destaca a falta de capilaridade

Antonio Fiola, presidente do Sindirepa, ressalta que existem cerca de 90.000 oficinas mecânicas independentes e apenas 5.000 concessionárias no país.

“A própria falta de capilaridade da assistência técnica das fábricas revela a impossibilidade de as oficinas autorizadas prestarem manutenção aos veículos. Quantas cidades no Brasil não contam com nenhuma concessionária?”, diz Fiola. 

“O dono do carro deveria ter o direito à liberdade de escolha. De decidir onde e como seu veículo receberá manutenção. E de receber – ele e a oficina independente – as informações necessárias para o reparo do automóvel que se trata de um bem durável”, prossegue. 

“A própria fábrica deveria se preocupar com este problema, que causa a desvalorização de seu produto no mercado por falta de manutenção, o que prejudica a própria marca”, completa.

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Pirataria

Além disso, mesmo com a tentativa da fábrica de impedir, sabe-se que estas informações acabam chegando – às vezes distorcidas e desatualizadas – às oficinas independentes através da popular pirataria. 

Pesquisei o setor para entender os mecanismos da obtenção irregular destes dados: um deles é através do gerente de peças de uma concessionária, que tem interesse numa oficina independente como cliente. 

Pede, então, ao responsável da sua oficina uma cópia (ilegal) do arquivo com os dados fornecidos pela fábrica e a repassa. Garante assim a venda de peças para o mecânico independente.

Mas há um consenso de que as fábricas devem ceder oficialmente estas informações ao dono do carro, nem que sejam obrigadas por uma legislação específica.

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.

Imagens: Shutterstock

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