Como a VW se prepara para tomar de volta o reinado que a Fiat roubou
Muitas das vezes achamos que tudo se muda como um passe de mágica. É o nosso imediatismo sempre vem à tona, demonstrando como não sabemos planejar, implementar, monitorar, corrigir e alcançar os nossos objetivos da forma correta.
E sabe o pior? No caso de uma marca icônica que quer efetivamente mudar a percepção sobre uma série de valores, uma campanha por si só não muda mesmo esta percepção. Ela tem que vir, como toda mudança, lastreada não só em um discurso, mas também em ações.
Estamos aqui falando da VW. A empresa lançou sua campanha 360º com o mote #novavw, onde existe a promessa de entregar uma revolução total nas suas ações e produtos.
Para começar, vamos falar sobre a gama de produtos da VW,
descrevendo cada uma das movimentações que ela vem realizando nos últimos anos.
Algumas com uma paciência e precisão cirúrgica invejável e outras nem tanto.
Mas antes que eu dê mais spoilers, vamos a o que interessa.
Olhando em um arco de dois anos atrás, no começo de 2021, a VW tinha uma gama, digamos, híbrida, com produtos de confiança, mas pertencentes a uma geração antiga, como Fox, Up!, Gol, Voyage, Saveiro e Amarok.
Todos eles precisavam e ainda precisam, no caso da Saveiro e Amarok, receber uma bela repaginada. Do outro lado já existem no seu showroom produtos de outra geração de desenvolvimento como Polo, Virtus, Nivus, T-Cross, Taos e Jetta. Mas a #novavw pedia mais.
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Pois bem, a VW fez isso de uma forma bastante audaciosa e em alguns momentos totalmente contraditória na visão dos seus consumidores. Muito disso está calcado no sentimento de “não mexe no meu queijo”, onde clientes que possuem um valor afetivo maior por um produto não aceitam de forma alguma que a fila tenha que andar. Mas tem...
Vivi isso em outras marcas onde tivemos que respirar fundo e aceitar que um produto, por mais tradicional e histórico que seja, deve encerrar seu legado. Motivos são os mais variados possíveis, passando por um bem comum atualmente relacionado a emissões e atualizações que impactam em motores, câmbios e muito mais itens.
O investimento para estas mudanças, muitas das vezes, não fazem sentido na avaliação econômica. Ou seja, o que vai ser investido nunca retornará para o bolso da montadora. Mas não podemos nos esquecer de outras razões para a fila andar, como envelhecimento do produto, redução do peso do seu segmento (caso clássico das Station Wagon) e decisões estratégicas que somente a marca tem conhecimento.
Olhando então para as mudanças, vemos movimentações no tabuleiro de xadrez que não foram feitas ao mesmo tempo, obedecendo, na verdade, uma lógica de desenvolvimento e, consequentemente, a razão investimento versus fluxo de caixa. Por isso vimos a VW demorar 1 ano e 8 meses para aposentar 90% da sua gama de entrada composta por Up!, Fox, Voyage e Gol.
Hoje, quando olhamos para a gama da VW, vemos um line up
mais enxuto, especialmente na faixa de entrada, com uma sacada que vem trazendo
belos resultados nos últimos meses.
Tacada de mestre da VW
Aproveitando a renovação do seu produto de entrada com mais tecnologia embarcada, o Polo, a VW resolveu duas situações com uma tacada apenas, ou pelo menos, com certamente um Business Case único para aprovar. Vou explicar.
A manobra mais simples de substituição de um produto é utilizar uma geração anterior para substituir um modelo mais antigo. Resumindo, o movimento mais “esperado” poderia ser a VW substituir o Gol por uma versão do Polo “antigo”, a MPI, dando uma depenada nela.
Mas ela não fez isso e, na verdade, jogou uma manobra de mestre. No desenvolvimento do novo Polo ela certamente previu a gama completa, desde o Polo Track, que tem a missão de atender não só os clientes do Gol, mas também os órfãos do Up! e Fox, até as versões mais ricas no novo Polo.
O melhor é que o Polo Track faz seu papel com classe, afinal, pode não ter as mesmas atualizações estilísticas do novo Polo, mas é vendido em uma configuração adequada ao seu papel no segmento.
Com novo Polo e oferta na entrada do mercado ajustada, passemos para um modelo que tem um papel forte na imagem da marca, o Virtus. Ele merecia também uma bela atualização e ela foi feita reposicionando o modelo.
Motores 1.6 MSI, não mais. A gama de motores agora é sempre turbo, tendo as versões de entrada e intermediárias com o 1.0 de calibração 170 TSI, com opções de câmbio manual ou automático, e a de topo com o 250 TSI, um 1.4, que se chama Exclusive, substituindo a GTS. Os detalhes foram extremamente bem trabalhados, entregando uma versão que mistura esportividade, luxo e diferenciação na veia.
Olhando para o segmento mais sensível hoje no mercado, SUV, a VW tem três forças presentes na sua gama. Três? Não seriam quatro? Calma.
Duas delas representam hoje um sucesso estrondoso para a VW, o T-Cross e o Nivus. O T-Cross é um B-SUV clássico, que atende aos principais desejos dos seus consumidores. Já o Nivus cumpre muito bem o papel de ser um SUV mais descolado e com design esportivo e individual. O terceiro integrante que está prometendo agitar seu segmento é o ID.4, um SUV elétrico que entrega o que há de mais moderno dentro da estratégia de eletrificação da VW.
E antes que alguém levante a mão, eu não me esqueci do Taos, mas ele entra daqui a pouco na análise.
Onde ainda falta mais cuidado
Do outro lado da moeda temos alguns produtos que definitivamente merecem mais carinho e atenção. E isso não quer dizer que a VW não cuida deles, pelo contrário. Mas o resultado não tem o brilho dos demais produtos que falamos há pouco. E os motivos podem ser vários. Vamos dar exemplos.
Iniciamos pelo Taos, que eu não citei acima entre os SUV’s de sucesso. Podemos pensar e elencar vários pontos que podem fazer com que o Taos não tenha tanto sucesso quanto seu principal concorrente, o Jeep Compass. Apenas para se entender, de janeiro a junho de 2023, foram emplacados 30.350 Jeep Compass contra 6.429 Taos.
Dando minha opinião, o Taos não tem um conjunto de personalidade. Ele é sem graça. Mantidas as proporções de segmentos e concorrentes, o T-Cross e o Nivus têm muito mais apelo que ele. Solução? Podemos sugerir na área de produto a utilização de cores mais esportivas, sem exagero, claro.
Em comunicação, o bom seria criar uma campanha buscando um rejuvenescimento do modelo, associado também ao uso de embaixadores que corroborem com esta busca por algo mais descolado. Vale pensar.
Jetta... Ah meu amigo Jetta. Quem me conhece sabe que tive um dos primeiros R-line desta geração e sempre curti o carro demais. Por que então não o coloco em uma posição positiva para a VW? Porque ela tirou as demais versões de venda e deixou apenas a GLi, um sonho de consumo por sinal.
Mas as demais opções com motor 250 TSI, presente no T-Cross, Polo, Virtus e Taos, mereciam continuar entre nós. Elas têm o potencial de ser a escolha para consumidores que não desejam ter um SUV e que quando pensam em um sedan, tem que seguir na direção da Toyota e comprar um Corolla. Nem vou comentar.
Entre as picapes, vamos falar da Saveiro, uma das precursoras no seu segmento. Ela tem seus clientes fiéis, mas perdeu muito espaço para a Strada, que há muito tempo é líder por diversas razões. A Fiat sempre se preocupou em estar um passo à frente do mercado oferecendo conteúdos inovadores e configurações inéditas. E fez isso repetitivamente. Resultado? Liderança.
Mas a VW não tem capacidade de criar uma picape pequena que tenha força e atributos para incomodar mais a Strada? Eu acho que sim, porém tudo que temos lido sobre todos os flagras realizados com os carros de teste é que a Saveiro não mudará muito. Sem problemas, mas entenda que seu papel será limitado se vier mais do mesmo sem grandes mudanças.
Por fim, temos a Amarok, um modelo que eu sei que a VW se preocupa demais. Há cerca de 2 meses atrás ela levou jornalistas e concessionários até a Argentina para se alimentarem de todo o potencial que o modelo tem. Ok, isso sempre é bom de se lembrar e fixar.
Mas olhando para as demais marcas e vendo tudo que está acontecendo com a nova Ranger, a nova S10 em testes, Hilux sempre Hilux, Fiat com a Titano chegando pelo retrovisor e muito mais, a VW já deveria ter pensando em algo melhor e mais rápido para atender seus clientes. Especulações sobre um novo visual estão quentes no mercado e eu aqui fico na torcida.
Bem, passado por tudo que passamos, podemos sim falar que
temos uma #novavw na nossa frente. Os acertos são muito maiores que os tropeços
- que nem chegam a ser tropeços de fato, mas sim uma necessidade de se olhar de
perto outros modelos.
Prova disso é que a VW no mês de julho conseguiu ter o melhor market share mensal no ano e ainda assumiu, no acumulado de 2023, o 2º lugar geral no mercado, passando a GM. Resultado com certeza de muito suor e sangue. Merecido.
Mas vocês me conhecem e sabem o quanto amo produto. Sou o famoso “palpiteiro”! Adoro dar pitacos e viajar na maionese, criando cenários. Então, vamos lá.
Olhando para a gama atual da VW vejo espaço para dois novos membros. E sendo franco fui bem humilde pois a imaginação quase me fez colocar mais dois
Novos produtos que a VW precisa
Chamei de oportunidade. A primeira é a tão sonhada, amada,
sofrida, lembrada e chorada picape Tarok. Olhando à primeira vista ela é muito
legal. E a minha opinião vem de quem lançou a Fiat Toro e foi receber o
principal prêmio do mercado com o modelo naquele ano.
Mas sejamos racionais também. Olhando para as informações básicas de produto ligadas às suas principais dimensões, podemos ver que ao compararmos a VW Tarok em um basket com a VW Saveiro, Fiat Strada, GM Montana e Fiat Toro, ela é a picape para combater a Fiat Toro.
Seja no comprimento, largura ou entre-eixos, ela é uma Toro dois. Apenas na altura ela fica um pouco abaixo, o que não chega a ser um problema.
Por que a Tarok não foi para frente deve ter inúmeras hipóteses - que na verdade são apenas hipóteses mesmo. A verdade absoluta está dentro da VW. E eu adoraria colocar os olhos nos números para entender porque tudo parou.
A segunda oportunidade é menos obvia, mas na minha visão bem mais
audaciosa e dará ainda mais trabalho para convencer os universitários. Mas se
fosse fácil não precisava de nós. Imaginem um mundo perfeito, que já é assim
hoje, onde o Nivus faz o papel dele de veículo descolado na entrada do segmento
SUV. Na sequência, o T-Cross é o B-SUV clássico que atende a maioria dos
desejos dos consumidores e com categoria por sinal.
O Taos aparece lá em cima como um C-SUV com, se Deus quiser, algumas novidades e uma bela campanha de relançamento. Lá no topo mesmo está o Tiguan, um D-SUV, que será relançado em breve! Temos alguma oportunidade aí? Sim.
Posso antes ir bem longe para contextualizar uma comparação? A Jeep lançou o seu Avenger, incialmente apenas elétrico, mas agora já aparecendo em versões a combustão. E o que aconteceu logo após esta última notícia aparecer? Começaram a especular a sua vinda para o Brasil.
Ele tem dimensões um pouco menores que o Renegade, mais curto em 17,1 cm mas com praticamente o mesmo entre-eixos e um apelo muito menos clássico de um SUV convencional e muito mais esportivo. Com isso, voltando a VW, minha segunda proposta é o T-Roc.
Além do design mais esportivo, ele tem um porte que o
posiciona acima do T-Cross nas principais dimensões (12,6 cm maior no
comprimento) e ainda com um design diferente onde o frontal é mais arrojado e a
caída mais forte na traseira trazendo uma visão mais CUV do que SUV. Eu curto
demais e isso faz toda a diferença.
Quando olhamos para cima para entender se o T-Roc cabe abaixo do Taos, é aí que a história fica ainda mais forte. O Taos tem dimensões bem maiores (23,1 cm acima do T-Roc e consequentemente enormes 35,7 acima do T-Cross) o que deixa claro que ele é um C-SUV, sem qualquer dúvida.
Temos três clientes diferentes? Eu tenho certeza que sim. Imaginando uma jornada destes clientes e sua evolução de consumo dentro da gama VW, o cliente que compra um Nivus, mais esportivo e descolado, adoraria ter a opção de manter este apelo, pulando para o T-Roc. No caso do T-Cross, um modelo mais familiar e SUV clássico, o próximo passo natural é o Taos, bem alinhado aos mesmos desejos e usos.
Oportunidade mais delicada? Sim, mas vale a pena pensar.
Bem, passadas todas as análises, vamos lembrar por onde
andamos ao falarmos sobre as ações de produto que estão ajudando a VW a ser a
#novavw?
- Iniciamos ressaltando a #novavw e sua missão;
- Elencamos a grande limpeza feita na gama;
- Destacamos a forte renovação/revitalização realizada;
- Falamos sobre onde os produtos merecem mais atenção;
- Destacamos as oportunidades.
E para finalizar vamos mostrar como a gama ficaria com tudo que está sendo feito pela VW, somado às oportunidades que aqui elencamos. Eu acredito e muito em tudo que eu escrevi e imaginei. Se a VW vai gostar são “outros 500”, mas como sempre estou na torcida. Vejam como ficou:
Espero que tenham gostado da avaliação e posterior viagem realizada.
Te falo, realizar este exercício é definitivamente algo prazeroso.
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
Adriano Castello Branco Resende, casado com a Renata e pai do Diego. Formado em Administração e com MBA em Marketing. Apaixonado por carros e com mais de 25 anos de experiência no mercado, com passagens nas áreas de Marketing, Produto e Comunicação em marcas como Fiat, Chrysler, Jeep, Nissan, Jaguar Land Rover e Renault.
Especialista Automotivo