Por que sentimos tanta falta dos carros dos anos 80 e 90

Os carros atuais até são mais potentes, mas não possuem o mesmo espírito dos clássicos nacionais
AB
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24.08.2023 às 15:30
Os carros atuais até são mais potentes, mas não possuem o mesmo espírito dos clássicos nacionais

Nós, brasileiros, somos famosos por sermos saudosistas. E os temas são variados, passando por música, roupas, alimentação e claro, automóveis. No meu caso, um jovem de 51 anos, as décadas de 1980 e 1990 são as mais emblemáticas em todos os temas acima. Mas como esta é uma coluna que fala sobre automóveis, vamos nos ater a este tema específico.

Eu prometi, mas vou quebrar a promessa. Falando sobre a década de 1980 e 1990 e comparando com os dias de hoje, em pleno 2023, vemos que consumimos tecnicamente os mesmos produtos, mas em formatos bem diferentes.

Nas décadas passadas, os objetos de desejo e hábitos passavam por ter seu Sony Walkman e ouvir as fitas que você gravava na rádio, clamando a Deus para não aparecer a vinheta da rádio no meio da música e hoje tudo se resume a ter uma conta no Spotify.

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Nas sextas-feiras íamos à Blockbuster para aproveitar a promoção “leve 6 filmes e devolva na segunda-feira” e hoje o Netflix e todos os demais canais de streaming estão aí, 24 horas por dia a seu dispor. Nos finais de semana íamos para as pistas de patins (eu não ia patinar pois não tinha e não tenho equilíbrio até hoje) para nos divertirmos e paquerar (isso eu ia e fazia) e hoje as pistas nem existem mais.

Os encontros pós aula eram nos fliperamas com altas doses de Elevator, Galaxy, Olimpíadas e muito mais. Hoje temos os Xbox e Playstations em casa e jogamos online com os amigos. Tudo igual, mas diferente não?

E os carros? Vamos voltar a eles?

Tenho certeza absoluta que cada um faria sua lista de carros dos sonhos desta época, exatamente como eu fiz.

Fazendo um spoiler, com raras exceções, não temos hoje o mesmo romantismo do passado, onde o desejo, paixão e amor por certo modelo e versão nos arrancava suspiros de desespero ao vê-los passando na nossa frente nas ruas.

Teremos, olhando para a minha lista, três cenários. O primeiro com exemplos comparativos pífios por simples falta de carros para comparação lógica e/ou correta. No segundo cenário teremos exemplos racionais que mostram uma bela evolução com novos carros que podem ser divertidos. E, por fim, o terceiro onde teremos exemplos de modelos que souberam como ninguém evoluir sem perder o apelo, amor, emoção e desejo referente ao seu antecessor nos anos 80/90.

Preferi fazer uma divisão dos meus exemplos por marcas. E durante meu texto classifico cada uma de acordo com os cenários acima.

Começamos com a VW. Nada mais icônico que o Gol GTS e claro, o GTi. O GTS chegou em 1987, com a hercúlea tarefa de substituir o Gol GT. Nada simples, mas ele fez bonito. Em 1988, no Salão do Automóvel de São Paulo, a VW mostrou que podia ir além do GTS e lançou o GTi, posicionando ele à altura da sua tecnologia. De uma forma meteórica ele se tornou o Santo Graal. E 2023? Vamos andar de DeLorean com o Doc Brown e dar um pulo para ver......

Neste mundo de 2023 podemos ver dois modelos na gama da VW que poderiam ser as comparações mais, digamos, justas. Para o Gol GTS teríamos o Polo Highline com motor 1.0 Turbo e para o GTi, acreditem, teríamos o Polo GTS, irônico não?

Desta forma, podemos criar um teórico cenário como descrito no quadro comparativo abaixo onde vemos que a tecnologia evoluiu nos oferecendo 2 carros que alcançam hoje melhores números em tudo quando comparados ao passado.

Agora, se eles têm o mesmo peso e relevância na cabeça dos consumidores que seus antecessores possuíam, eu tenho dúvidas. A forma como estes dois modelos se posicionavam em um mercado anterior à liberação das importações era definitivamente especial.

Passando agora para a Chevrolet. Aqui o caldo começa a ficar grosso. Não temos hoje tantos representantes para criar um cenário 100% justo. Mas vamos que vamos.

Como modelos referências peguei novamente 2 esportivos (sim, eu curto demais), o Monza S/R 2.0 S e o Kadett GS 2.0. Dois modelos com projetos de épocas diferentes, mas que foram icônicos na oferta da Chevrolet no Brasil.

No caso do Monza S/R 2.0 S, ele veio para apimentar a oferta da gama de um modelo que desde seu lançamento se tornou o queridinho do brasileiro, o Monza. Utilizando a carroceria hatchback 2 portas e usando e abusando de diferenciais estéticos externos com uma configuração interna inédita, a versão se tornou o bad boy dentro de uma gama tradicional com as versões SL, SL/E e Classic. Esportividade com presença, isso o Monza S/R 2.0 entregava.

O Kadett é outra história. Lançado em 1989, ele teve a missão de renovar a gama média da marca no Brasil com a oferta de um modelo 2 portas (na Europa existia o 4 portas como Opel) e cheio de tecnologias bem legais para a época. A mais interessante, e até óbvia, era a oferta da direção hidráulica, que na gama VW só seria disponibilizada no GTS e GTI em 1994.

E o que podemos comparar com estes 2 modelos? Escolhi dois carros nas versões RS atuais. Um deles, o Ônix, que apesar de demonstrar belos números quando comparado aos seus antecessores, não tem presença para ser um sucessor, de forma alguma. Mas vale ver como evoluímos em termos de entrega nos modelos atuais.

O segundo RS é o Cruze Sport6. Prestes a sair de linha e último remanescente dos hatchbacks médios, ele sim tem atributos para tentar ser o sucessor destes dois modelos dos anos 80/90. Sou meio tendencioso para falar dele. Usei bastante o Cruze tanto na versão hatch quanto sedã nos últimos anos e fiquei surpreso com as qualidades do modelo. Vejam no quadro abaixo os números e entendam as evoluções que tivemos.

Agora, Fiat!

E aqui o coração também pulsa forte. Antes que me batam, vou explicar por que escolhi um modelo aqui em especial. Pensando em esportivos, meus preferidos, tenho a certeza que a maioria falaria Uno Turbo. Claro que ele é um ícone, mas preferi escolher o Uno 1.6R e vou explicar por quê.

Se pegarmos a linhagem R no Uno começamos tudo com o 1.5R em 1987, passando para o 1.6R em 1990 e evoluindo para 1.6R MPI de 1993 a 1994, seu último ano. Portanto, são mais kms rodados e, consequentemente, mais histórias a serem contadas neste Brasilzão afora. Eu mesmo tive um 1.6R 1990 na cor preta com placa 5151. Se tenho saudades? Imagina, que isso!

O segundo beira o óbvio. Tempra Turbo. Quando lançado, pegava duas caronas. A primeira de ser a versão turbinada do carro que estava incomodando e muito o líder do segmento, o Monza. A segunda de utilizar a carroceria 2 portas, exclusiva e criada no Brasil para o nosso mercado. E como ele andava. Me lembro do primeiro test drive que fiz nele e até hoje as pernas tremem ao pensar naquele dia. Um animal bruto e com uma força extraordinária que entrega prazer absoluto na condução.

Agora vem a pergunta de U$1 Mi. Quais carros para comparar hoje na gama Fiat?

No caso do Uno 1.6R nem temos mais a escolha natural na gama do Argo com a eliminação da versão HGT. Não que ele represente a mesma coisa. Já tive um Argo HGT e falo com conhecimento de causa. E o Tempra Turbo? A Fiat não tem mais um sedan para comparar hoje, mas já teve no meio do caminho Marea Turbo e Linea T-Jet.

Pois bem. Vejam o quadro abaixo que tive que ir não fora da caixa mas fora da órbita pegando um SUV, Pulse, e um CUV, Fastback, para tentar fazer um paralelo. Mas aqui eu sou meio radical. Os dois podem ter um motor com 185 cv, mas não chegam nem perto do que foram Uno 1.6R e Tempra Turbo. A história me dá respaldo.

Para fechar, fui atrás de dois modelos que saiam da oferta das quatro grandes fabricantes e representavam a esportividade oriunda das novas marcas, o Honda Civic VTi e o BMW M3.

E aqui as dúvidas quanto aos seus sucessores não existem.

A Honda, quando chegou com o Civic na versão VTi, revolucionou a oferta mexendo com o brio dos tradicionais esportivos nacionais como Gol GTS, Gol GTi, Escort XR3, Kadett GS e Uno 1.6R. Tudo isso com um carro moderno e anos à frente em termos de tecnologia. A Honda parou de oferecer o VTi em 1996 e só trouxe outro modelo acessível e com desempenho esportivo quando lançou o Civic com o motor 1.5 Turbo. E agora? Bem, falamos daqui a dois parágrafos.

A BMW M3 eu nem preciso comentar. A importância da versão é tão grande que ela já existia antes da geração lançada no país. Fórmula perfeita com desempenho voraz, duas portas, design esportivo e cheia de diferenciais quando comparada às versões “tradicionais”, ela fez e tem uma legião de fãs no Brasil e no mundo. Tanto que o modelo sempre esteve em oferta, geração após geração.

Para demonstrar a evolução destes dois modelos, tanto a Honda quanto a BMW, fizeram a minha vida muito mais fácil. Por que? Simples: Honda Civic Type R e BMW M3 Competition. Vejam no quadro abaixo que os números e claro o design, falam por si só!

Para dar o laço final, o mais legal é que todos os carros dos anos 80/90 aqui apresentados possuem hoje uma legião de fãs que buscam pelo seu Santo Graal para cuidar e colocar sua placa preta de colecionador. Os clubes de todas as marcas e modelos nunca cresceram tanto, demonstrando que o saudosismo está mais forte do que nunca.

Eu tenho o meu antigo com placa preta. Ele não está na lista deste artigo por uma simples razão. Herança de família e de um tio e tia especial. Mas para juntar a fome com a vontade de comer, ele é um VW, marca muito presente na minha infância e adolescência pela carreira do meu pai.

E você? Tem seu Santo Graal na garagem ou ainda está na busca por ele?

 Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.

Adriano Castello Branco Resende, casado com a Renata e pai do Diego. Formado em Administração e com MBA em Marketing. Apaixonado por carros e com mais de 25 anos de experiência no mercado, com passagens nas áreas de Marketing, Produto e Comunicação em marcas como Fiat, Chrysler, Jeep, Nissan, Jaguar Land Rover e Renault.

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