VW Fusca: um carro de R$ 5.000 para bater e de R$ 500.000 para colecionar

Maior ícone das ruas brasileiras é um modelo muito mais versátil do que transparece, conforme nosso colunista experienciou na pele
JC
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28.04.2022 às 17:55
Maior ícone das ruas brasileiras é um modelo muito mais versátil do que transparece, conforme nosso colunista experienciou na pele

Por Antonio Frauches, do  Podcast Perda Total

Não há nada mais diferente que dois carros iguais, diz o povo. Essa frase me veio à mente essa última semana, e me fez refletir sobre mim mesmo. Eu sempre entendi meus carros como uma extensão mecânica da minha personalidade. 

Mesmo os populares que tive tinham seus toques de Antonio, como meu VW Gol 1.0 City 2005, que tinha uma buzina marítima... Então, minha mais nova aquisição me fez voltar 15 anos no tempo, e enxergar aquela mudança natural proveniente da maturidade, que muitas vezes fica escondida dos nossos olhos, camuflada na rotina acelerada em que vivemos.

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Fuscão 1600 Itamar 95 - companheiro da juventude

O Itamar 95 1600 com dupla carburação. Lento, mas ainda assim rápido demais para um Fusca

No final de 2006 eu estava vivendo a maratona de provas de vestibular. À época, o Enem era uma mera prova de avaliação do ensino médio, e cada universidade pública tinha sua própria prova. Eu fiz nove provas naquele ano... E meu pai tinha combinado comigo que, se eu conseguisse passar para alguma universidade pública, ele me daria um carro. 

Feito atingido, ele estipulou o orçamento de R$ 5.000. Você pode achar que fiquei meio decepcionado na época, mas não. Pelo contrário: eu queria um carro,e não me via em um zero-quilômetro 1.0... Então fui à caça do que havia no mercado por esse valor.

Em 2007, com R$ 5.000, era possível comprar um excelente VW Gol quadrado, com motor AP 1.8, ou um Kadett EFI... Mas eu queria ir além, queria um modelo de tração traseira. Opala, Maverick e Dodge eram mais caros: um íntegro custava entre R$ 20.000 e R$ 30.000. Sobraram Chevette e Fusca. Eu nunca fui muito Chevetteiro... Então fomos de Fusca. E aqui é o primeiro marco da minha análise sobre mim mesmo.

Quando começamos a procurar, fomos no feirão de seminovos de Duque de Caxias. Na época, um dos locais mais famosos do Rio de Janeiro para se comprar um carro usado. Lá vimos alguns Fuscas, que não me chamaram a atenção, exceto um: um Fusca 1972 1300 vermelho. O carro tinha interior branco, a pintura brilhava e o motor estava muito bom. 


Sombrio e misterioso até nas fotos

Só não estava 100% porque aquelas calotas enormes dos Fusca com rodas de cinco furos estavam um pouco amassadas, todas as quatro. O preço? R$ 5.000. Não lembro o nível de originalidade, ou se já havia sido reformado (certamente sim...), mas o fato é que o carro estava muito bom. Hoje seria um carro orçado entre R$ 30.000 e R$ 40.000, fácil.

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Meu pai perguntou o que achei. Eu olhei aquele carro, lindo, impecável, e tentei me imaginar dirigindo ele. Pegando trânsito, estacionando atrasado para aula. Não consegui... Para mim, de que adiantava ter tração traseira com os 46 cv que aquele carro tinha? Eu ia sujar aquele interior branco, ia amassar os para-choques, ia explodir o motor... 

Deixei passar. Algumas semanas depois, compramos um Fusca Itamar 1995, com motor 1600 e dupla carburação, que de original só tinha o nome... O carro foi comprado de um agiota, por um preço menos da metade do normal, e tinha uma pilha de coisas a consertar... 

Eu, sempre roqueiro, batizei ele de “Death Fusca”. Coloquei um som MP3 e usava sem dó... Detonei os pneus traseiros com 18.000 km, de tanto lixar. Enfim, deixemos sua história para uma próxima coluna.

O interior (já com o volante certo) tinha somente o nível necessário de cuidado

Desde que deixei aquele Fusca vermelho no feirão, me pegava na iminência de ficar arrependido. Ia nos encontros de Fusca e via aqueles carros originais, impecáveis, e pensava: eu podia ter tido um desses. 

Mas, assim que eu entrava no meu Itamar, com seus bancos de Chevette e volante de Brasília, arrancava cantando pneu e jogando a traseira, esse sentimento passava. Alguns outros carros impecáveis e originais atravessaram meu caminho, mas não consegui comprar nenhum. Ou pelo preço alto, ou porque não estavam à venda. 

De lá para cá, os poucos exemplares que sobraram subiram à estratosfera monetária... Já tem até Fusca de coleção custando quase R$ 500.000, como uma unidade vendida dias atrás no Encontro de Autos Antigos de Águas de Lindoia (SP).

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Fusca 1500 72 - companheiro de um cara de família


O Fusca 1500 1972: a mais nova aquisição

Até a semana passada… Em 2018, surgiu no condomínio um Fusca 1972 1500 azul com interior preto de jacarandá. Uma configuração rara, que só existiu no início da década de 70. Desde o início ele me chamou a atenção pelo estado de conservação. Usado, mas bem cuidado. 

Me lembrou muito aquele 1300 vermelho que eu deixei para trás em Caxias. Quatro anos depois, ele estava à venda, e eu consegui comprá-lo!

Sua pintura não está impecável como o vermelho, mas este nunca foi reformado. O motor precisa de cuidados, fruto dos anos que ficou parado. O interior tem algumas poucas alterações normais da idade, e alguns consertos. 

Com apenas alguns poucos itens não originais, está facilmente elegível à placa preta

Os bancos tinham capas, coisa normal até a década de 1990. Então lá fui eu, tirar a capa dos bancos. Quando eu consegui expor a forração original, na hora me senti como se estivesse olhando aquele 1300 vermelho.

O forro está impecável, aparentemente nunca ficou exposto. Devido ao tecido sintético e à ausência de ar-condicionado, o dono anterior deve sempre ter usado alguma capa ou forro. Quando montei os bancos novamente e vi o interior do carro, percebi que encontrei um espécime em extinção. E aí surgiu a análise que comentei no início do texto.

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O raro interior em jacarandá

Meu Fusca Itamar foi meu carro de dia a dia por três anos. Não tinha tempo para cuidados, não tinha zelo suficiente para manter os bancos limpos ou o forro íntegro. Era entrar, ligar e andar. Eu não ligava para sua falta de originalidade, eu curtia demais o fato de estar fazendo algo extremamente raro para minha geração. 

Meus amigos andavam de Palio, Uno, Celta, Clio... Zero km ou herdados do pai ou da mãe. E eu lá: montado num Fusca fabricado em 95 e projetado no período entre guerras, roncando o 1600 de dupla carburação e derretendo os pneus diagonais Pirelli Tornado Alfa aro 14”. 

Curti demais aquele carro e hoje eu tenho certeza: se eu tivesse comprado o 1300 vermelho, eu o teria vendido no bagaço! Mas e o Antonio de hoje? Esse tem outro carro mais novo para o dia a dia. E nem esse é surrado como aquele Itamar foi. 

O estado dos bancos originais surpreende

Para esse Antonio, o Fusca 1500 72 azul cai como uma luva. O Itamar tinha um nome heavy metal, o 72 foi batizado de “Vovô”. Ele vai passear nos finais de semana, dormir sob a capa e levar as crianças na escola de vez em quando. 

Seu objetivo vai ser simplesmente durar para sempre, dar às minhas filhas uma experiência completamente diferente da grande maioria da sua geração: carros duas portas, cintos não retráteis, cheiro de gasolina... E a maneira como elas estão curtindo o “novo” carro me mostra que estamos no caminho certo!

Imagens: Arquivo pessoal

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto. 

Antonio Frauches, engenheiro mecânico e entusiasta do mundo automotivo.

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