Ford Escort: o carro com sangue europeu, brasileiro, americano e até chinês

Como um nome usado para designar a perua de outro modelo virou coringa para batizar diferentes projetos da marca ao redor do mundo
PT
Por
17.02.2023 às 16:00
Como um nome usado para designar a perua de outro modelo virou coringa para batizar diferentes projetos da marca ao redor do mundo

Um carro versátil e popular, indo da econômica versão Hobby 1.0 à desejada XR3 2.0 conversível. Esse era o Ford Escort, que conviveu com os brasileiros durante 20 anos, entre 1983 e 2003. 

Apesar das suas versões esportivas terem sido sonho de consumo dos brasileiros, o Escort dividia opiniões em um mercado que não gostava de qualquer tipo de manutenção. Contudo, seu nome entrou para a história do mercado, transformando-se em um clássico colecionável. E não se engane: a história do Escort começa muito antes dele desembarcar por aqui!

O primeiro Ford a receber o nome de Escort nada tem a ver com o nosso querido tijolinho. O Ford Escort 100E era uma perua, derivada do Anglia, e foi fabricado de 1955 a 1961. Se você nos acompanha e leu nossa coluna sobre a história do Ford Ka, se lembrará que o Ford Anglia é o carro voador do filme do Harry Potter!

Você também pode se interessar por:

Como um nome usado para designar a perua de outro modelo virou coringa para batizar diferentes projetos da marca ao redor do mundo
Ford Escort 100E

O Ford Escort no mundo

A história do nosso Escort começa em 1967, quando o Ford Escort de primeira geração foi lançado na Irlanda e no Reino Unido. Ele foi oficialmente apresentado para o mundo como o substituto do Ford Anglia no Salão de Bruxelas, em 1968. 

O primeiro Escort fez muito sucesso na Europa e competiu com carros como Opel Kadett (pai do nosso primeiro Chevette). O Escort Mk1 era oferecido nas versões sedan, com duas ou quatro portas, perua, com duas portas, e perua furgão. 

Vários motores foram oferecidos durante a vida do Escort Mk1, indo de um quatro-cilindros 0.9, restrito a alguns mercados, até um 2.0 de 101 cv, passando por um 1.1 de 41 cv. 

Como um nome usado para designar a perua de outro modelo virou coringa para batizar diferentes projetos da marca ao redor do mundo
O simpático Escort Mk1

Apesar de ter sido amplamente exportado para diversos mercados, como Israel, Austrália e Nova Zelândia, a Ford decidiu não trazer o Escort para o Brasil naquela época, preferindo aproveitar a aquisição da Willys Overland do Brasil e, por consequência, do projeto desta em parceria com a Renault, para lançar o Frankenstein conhecido por nós como Ford Corcel.

A segunda geração do Ford Escort foi lançada em 1974 e era basicamente o Mk1 com design atualizado, além de melhorias dos componentes da carroceria e mecânica, visando à padronização de produção e redução de custos.

As opções de motores e câmbios foram mantidas, com evoluções. As versões de cabine ofertadas eram semelhantes aos do Mk1. O Escort de segunda geração ganhou diferentes facelifts nos diversos mercados para onde foi exportado, e se consagrou nas competições de rally.

Anuncie seu carro na Mobiauto

Como um nome usado para designar a perua de outro modelo virou coringa para batizar diferentes projetos da marca ao redor do mundo
Ford Escort Mk2 sedan de quatro portas

O Ford Escort na Europa

Com o início dos anos 80, o mercado automotivo mundial estava em evolução exponencial. Os carros familiares passaram de sedans e cupês com tração traseira para hatches inteligentes e compactos, com motor transversal e tração dianteira. VW Golf e Honda Civic eram os marcos dessa nova geração de compactos na Europa. 

Com isso, a Ford decidiu que o Escort Mk3 seria um carro global, e completamente novo, sendo projetado com tudo o que havia na vanguarda da indústria à época. Foi montada uma força tarefa envolvendo as divisões da Ford na Europa e nos EUA para o desenvolvimento do carro. 

Entretanto, as divisões internas divergiam quanto a soluções, o que acabou provocando o nascimento de dois carros irmãos, mas bem diferentes: o Escort Mk3 europeu e o Escort de primeira geração americano. Seguiremos com nosso Escortinho europeu e falaremos do Escort do Tio Sam mais adiante.

Como um nome usado para designar a perua de outro modelo virou coringa para batizar diferentes projetos da marca ao redor do mundo
Escort Mk3 Ghia na versão hatchback com quatro portas

Além da modernização do conceito, com tração dianteira, o Escort Mk3 lançado em 1980 contava com suspensão independente nas quatro rodas, além do inédito motor Ford CVH, antecessor dos motores Zetec.

Foram adicionadas as configurações hatchback de duas ou quatro portas e cabriolet de duas portas, além da perua, também com duas ou quatro portas, e do furgão. O Escort Mk3 manteve uma evolução do antigo 1.1 e perdeu os motores 2.0.

Estes foram substituídos nas versões esportivas pelo 1.6 CVH turbo, de 132 cv. Também foi introduzida uma versão a diesel, com um motor 1.6 aspirado.

Como um nome usado para designar a perua de outro modelo virou coringa para batizar diferentes projetos da marca ao redor do mundo
Escort Mk3, a geração que mais ficou famosa no Brasil

O Escort Mk4 chegou em 1986 com poucas mudanças em relação a seu antecessor. Rumores dizem que o Mk4 era tratado internamente pelo fabricante como um facelift do Mk3, recebendo o codinome “Erika-86”, semelhante ao codinome do Mk3, com a adição de seu ano de lançamento. 

O Mk4 manteve os motores a gasolina e ganhou um 1.7 quatro-cilindros a diesel. O modelo manteve também as transmissões manuais de quatro e cinco marchas, além da automática ATX de três marchas. 

Contudo, o Escort Mk4 foi o primeiro Escort a ganhar a transmissão automática CTX, que nada mais era do que uma CVT. Sim, meu povo: seguindo o exemplo de Fiat Uno e Tipo, o Escort, e seu irmão menor Fiesta, possuíram transmissão CVT entre o final dos anos 80 e início dos anos 90!

Como um nome usado para designar a perua de outro modelo virou coringa para batizar diferentes projetos da marca ao redor do mundo
Ford Escort Mk4 Estate

Em 1990, a Ford deu uma guinada na evolução do Escort, lançando o Escort Mk5 com foco maior nas vendas e menor na modernidade. O carro era completamente novo em relação ao seu antecessor, e aposentou soluções modernas, porém custosas, como a suspensão independente na traseira. 

O Mk5 foi o primeiro Escort a usar os motores Zetec, 1.6 de 90 cv e 1.8 de 105 a 130 cv. Além de ganhar também o belíssimo 2.0 Cosworth turbo de 227 cv, que equipava a versão RS Cosworth, casado a uma transmissão com tração integral.

Como um nome usado para designar a perua de outro modelo virou coringa para batizar diferentes projetos da marca ao redor do mundo
O criticado Escort Mk5, na versão hatchback de quatro portas que não tivemos por aqui

O derradeiro Ford Escort Mk6 foi lançado em 1995. Era baseado em seu antecessor, mas com atualização de todos os painéis da carroceria e no interior. A gama de motores ia do sofrível 1.3 Endura, que tivemos por aqui no Ka e no Fiesta, com 60 cv, ao I4 DOCH, de 150 cv. Ainda possuía opções a diesel, com o 1.8 Endura aspirado ou turbo, de 60 a 90 cv.

Com o lançamento do Focus na Europa em 1998, o Escort Mk6 começou a perder espaço, tendo suas versões e motores reduzidas. Em 2003 o Escort dava adeus aos poucos mercados do mundo onde ainda era vendido, incluindo o Brasil.

Leia também: O abismo criado entre um SUV raiz do passado e um SUV moderno

Como um nome usado para designar a perua de outro modelo virou coringa para batizar diferentes projetos da marca ao redor do mundo
Ford Escort Mk6: o último europeu

O Ford Escort nos EUA

O desenvolvimento do projeto que deu origem ao Escort Mk3 europeu e ao Escort 1st Gen americano visava a aposentar os compactos com conceito ultrapassado nos dois continentes: o Ford Escort Mk2 na Europa e o Ford Pinto nos EUA. 

Apesar de compartilharem o mesmo projeto, Escort Mk3 e 1st Gen não compartilham painéis ou partes da carroceria. O motor CVH e a transmissão automática ATX foram usados em ambos os modelos. O irmão americano era mais longo e largo que o europeu, e possuía tração dianteira e suspensão independente nas quatro rodas. 

Nos EUA não foram vendidas as carrocerias conversível, perua de duas portas e furgão. O Escort 1st Gen ficou no mercado até 1991, também foi vendido como Mercury Lynx. As opções de motor eram 1.6 CVH, aspirado ou turbo, 1.9 CVH, ou 2.0 quatro cilindros Mazda diesel. 

Como um nome usado para designar a perua de outro modelo virou coringa para batizar diferentes projetos da marca ao redor do mundo
Primeira geração do Escort americano

Para a segunda geração do Ford Escort americano, lançada em 1991, a Ford decidiu adotar soluções diferentes do 1st Gen, fato similar ao ocorrido na transição do Mk4 para o Mk5 europeu. 

Mas em vez de seguir as linhas adotadas no velho continente, a matriz decidiu utilizar o Mazda 323 como base. À época a Ford era dona de 25% da Mazda, e já havia adotado ações semelhantes com outros modelos da marca, como o Ford Laser e Mercury Tracer.

Como um nome usado para designar a perua de outro modelo virou coringa para batizar diferentes projetos da marca ao redor do mundo
Ford Escort 2nd Gen: um espécie de mini-Taurus feito pela Mazda

O Escort 2nd Gen teve acrescida à linha a configuração sedan de quatro portas, baseada no Mazda Protegé. Seu design era alinhado ao Ford Taurus de segunda geração, antecessor do Taurus “arredondado” que foi vendido por aqui nos anos 1990. 

A motorização poderia ficar por conta do 1.9 CVH de 88 cv, ou pelo moderno 1.8 BP Mazda de 127 cv, este último compartilhado com alguns Mazda, incluindo o MX-5 Miata.

Como um nome usado para designar a perua de outro modelo virou coringa para batizar diferentes projetos da marca ao redor do mundo
O último Escort americano

Em 1997, estreou a terceira geração do Ford Escort americano. Ainda baseado nos Mazda, o 3rd Gen trazia singelas mudanças ao 2nd Gen. O design ficaria mais arredondado, e atualizado ao restante da linha Ford. 

Em 1998, um cupê esportivo foi adicionado à gama, chamado de Escort ZX2. As opções de motores eram 2.0 de quatro cilindros CVH SPI2000 de 110 hp e 169 Nm ou 2.0 de quatro cilindros Zetec de 143 hp e 198 Nm. Esta última a única opção para o ZX2.

Em 1999 a versão perua foi descontinuada. O sedã permaneceu no mercado até 2002, ficando alguns anos além disponível somente para frotistas. O cupê ZX2 foi aposentado em 2003.

Leia também: Dirigir, o ato que nos fascina na infância e nos irrita quando adultos

Como um nome usado para designar a perua de outro modelo virou coringa para batizar diferentes projetos da marca ao redor do mundo
Ford Escort ZX2

O Ford Escort no Brasil

Para parar, ou pelo menos tentar parar, de apanhar da concorrência no Brasil, a Ford decidiu introduzir no mercado seu carro global, o Escort Mk3. Lançado aqui em 1983, era disponibilizado nas versões notchback e conversível, ambas com três portas. 

Como não poderia deixar de ser, a Ford aprontou das suas com o Escort: em vez de trazer o moderno motor CVH, manteve os antigos CHT da família Corcel, inclusive na versão esportiva XR3.

Em 1987 o Escort recebeu atualização de design, semelhante ao Mk4 europeu. Já em 1989, ganhou um senhor presente da Autolatina: o motor AP 1.8 de 90 cv ou 99 cv, no caso do XR3, o que deu ao esportivo fôlego para brigar com VW Voyage, Chevrolet Monza e Fiat Premio.

Como um nome usado para designar a perua de outro modelo virou coringa para batizar diferentes projetos da marca ao redor do mundo
Ford Escort XR3 na rara série especial Benetton: os primeiros anos do motor AP

Em 1993 o Escort brasileiro mudou, tornando-se o Mk5 europeu. Recebeu modernizações nos motores, como adoção do AP 2.0 com injeção eletrônica para o XR3. No CHT, a maior mudança foi no nome, já que a nomenclatura AE passou a ser usada...

Em 1996 o Escort Mk6 passou a ser vendido no Brasil, fabricado na Argentina. Com o fim da Autolatina o modelo perdeu os motores VW e a Ford decidiu (finalmente) não utilizar o CHT. Nosso último Escort era oferecido nas versões notchback com duas ou quatro portas, sedan e perua. 

Os motores poderiam ser o 1.6 Zetec Rocam de 95 cv, a partir de 1999, ou o 1.8 Zetec de 115 cv. Em 2000 a Ford lançou o Focus no Brasil, inicialmente compartilhando o motor Zetec com o Escort. O fim do Escort começava a se desenhar, como ocorreu no resto do mundo, e em 2003 nosso querido “cicatriz” foi definitivamente aposentado.

Ford Verona

A partir do Ford Escort Mk3 europeu, a Ford passou a oferecer uma configuração sedan alongada, com maior entre-eixos e porta-malas. O modelo ganhou o nome de Ford Orion. Era oferecido somente com quatro portas, e com opções de acabamento e motorização semelhantes ao Escort. 

O Orion Mk2 foi lançado em 1986, acompanhando as atualizações estéticas sutis do Ford Escort Mk4. Este Orion Mk2 deu origem ao nosso Ford Verona, que na sua primeira geração poderia ter motor AP e era oferecido somente com duas portas.

Como um nome usado para designar a perua de outro modelo virou coringa para batizar diferentes projetos da marca ao redor do mundo
Ford Orion Mk1: o Verona que não tivemos

Já a segunda geração do Verona era semelhante ao Orion Mk3, feito com base no Escort Mk5. A opção duas-portas foi retirada do mercado e o motor continuava sendo o VW AP. Para a terceira e última geração do Escort nacional, o Mk6 europeu, a Ford aposentou o nome Verona, e o modelo passou a se chamar Escort Sedan.

Leia também: 2.000 km de Toyota Corolla Cross – Dunas, montanhas e estradas bloqueadas

Como um nome usado para designar a perua de outro modelo virou coringa para batizar diferentes projetos da marca ao redor do mundo
O Ford Verona que efetivamente tivemos

O Ford Escort não morreu!

Em 2015, a Ford relançou o Escort para os mercados chineses e do Oriente Médio. O projeto é um carro de porte médio feito com base no Focus de segunda geração, lançado em 2004. O Escort chinês foi lançado com o 1.5 Sigma de quatro cilindros, que foi usado aqui no Ka e Fiesta até 2018. 

O modelo sofreu dois facelifts, em 2018, quando ganhou o motor 1.5 três-cilindros Dragon (o mesmo que esteve presente em nosso EcoSport em seus últimos anos de vida), e em 2021, quando teve o design atualizado para a identidade atual da Ford. O Escort chinês segue disponível no mercado.

Durante o tempo em que o Escort foi oferecido no Brasil, tive pouco contato com o modelo. Lembro da primeira vez que entrei em um Escort, acredito que foi lá pelos meados de 1993. O modelo em questão era um GL 1.8, devia ter um ou dois anos de uso. 

Meu pai tinha recentemente vendido seu Corcel II, que era minha única referência de carro até o momento. O Corcel era um Frankenstein Ford-Renault, que foi atualizado inspirado na linha europeia da Ford do final dos anos 1970. O Escort era algo completamente novo, era como viajar no tempo.

Mais de vinte anos depois, no início de 2014, eu estava morando em Brasília há poucos meses e tinha acabado de conseguir meu primeiro emprego na cidade. Com enormes R$ 10 mil no bolso, caí no tempestuoso oceano de anúncios de carros na internet. Tinha alguns modelos em mente, mas a restrição orçamentária reinava. 

Um Ford Escort GL 1.8 Zetec 1998 me chamou a atenção. Fui ver o carro e pasmem: era um modelo único dono, com somente 89 mil km rodados. Os bancos estavam com aquelas capas que se compra em supermercados, horríveis. Mas pude ver que a forração estava nova e isenta de rasgos. 

Como um nome usado para designar a perua de outro modelo virou coringa para batizar diferentes projetos da marca ao redor do mundo
Em 2015, o nome Escort ressurgiu na China em um sedã derivado da segunda geração do Focus

O motor rodava liso, apesar do escapamento trocado. O carro continha manual e chave reserva, além de todo o kit de ferramentas. Resolvi comprar! Para a minha surpresa, o Escort 1.8 Zetec é um carro fantástico. Bem acertado em curvas, com câmbio bem escalonado e um motor que tem saúde de sobra! 

Para se ter noção: com o Zetec 1.8 o Escort era capaz de dar 105 km/h de segunda marcha, sem ficar bobo em retomadas em baixas rotações. Além disso, era capaz de fazer, no trânsito de Brasília de 2014, até 12 km/l. O único ponto que deixava a desejar na dinâmica era o freio, subdimensionado para o carro. 

Infelizmente, ele tinha problemas... O surgimento de curtos-circuitos oriundos de corrosão na caixa de relês é crônico dessa geração do Escort. Além disso, o meu estava com alguns chicotes ressecados, o que fazia o carro apagar do nada. E o pior: o único opcional que ele tinha era direção hidráulica. Entre instalar um ar-condicionado e trocar de carro, decidi trocar de carro...

Infelizmente os Escort Zetec estão cada vez mais raros. Estimo que sete a cada dez Escort dessa geração avistados usam o Zetec Rocam 1.6. Mas se você está procurando um incômodo para montar um projetinho, ou um carro de uso diário mais moderado, o Zetec é uma ótima opção! 

Já os mais antigos, com AP ou CHT, esses eu indicaria mais para coleção ou Hobby, com o perdão do trocadilho.

Antonio Frauches, engenheiro mecânico e entusiasta do mundo automotivo.

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.

Imagens: Divulgação e Acervo pessoal

Siga o Perda Total nas redes:

YouTube: www.youtube.com/c/PodcastPerdaTotal
Instagram: http://www.instagram.com/perdatotal_podcast/
Facebook: www.facebook.com/perdatotalpodcast

Comentários