Novo Volkswagen Tera: tudo o que não te contaram sobre o SUV
O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros é de clareza solar, logo no seu art. 1º: “tem como base o direito fundamental do cidadão à informação, que abrange seu o direito de informar, de ser informado e de ter acesso à informação”. Posto isso e diante de teor eminentemente publicitário que quase todo o noticiário sobre o novo Volkswagen Tera apresenta, esclareço – como jornalista e advogado – que este texto tem caráter informativo e, não, bajulativo.
Portanto, se o leitor é daqueles apaixonados por carros que, voluvelmente, não resiste a nenhum lançamento, caindo de amores por todo o qualquer modelo apresentado como a quintessência da indústria automotiva, pode parar por aqui. Já se o leitor tem uma visão minimamente crítica e tem interesse em um conteúdo adulto e sem sabujice, é bom preparar o estômago, porque o “SUVinho” que a VW acaba de apresentar não tem nada de novo: é uma versão empobrecida e muito mais cara do Škoda Kylaq, lançado em novembro na Índia, em que pese o fato de ser 10 cm maior.
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Sua plataforma, denominada MQB A0 IN (não confundir com a MQB A0 “normal”, já que o IN faz referência à Índia), foi desenvolvida em 2019 e, desde 2021, é usada por três modelos da própria Škoda, além de outros quatro modelos da Volks produzidos por lá. Daquilo que conhecemos, por aqui, não há nenhum equívoco em afirmar que o novo Tera é uma derivação direta do sedã Virtus, lançado em 2018 – portanto, há sete anos. Mais espaçoso, maior e mais alto que o Gol, que era montado sobre outra base, a A04 (PQ24), o “SUVinho” não ocupará o lugar do ex-campeão nacional de vendas, mas vai se posicionar imediatamente acima do Polo, atual líder brasileiro, no portfólio da marca, substituindo o Nivus e as versões de entrada do T-Cross. E aqui trazemos mais uma verdade:
Ao contrário do que o consumidor mais ingênuo pensa, o Tera não está sendo lançado para ampliar a gama da VW, mas para realinhar sua oferta. O preço inicial, de R$ 100 mil, vai durar só por um período “promocional”. Logo, logo, este valor vai subir para a casa de R$ 120 mil, canibalizando a versão de entrada do T-Cross, Sense 200 TSI, que será aposentada. O leitor mais qualificado já percebeu a manobra que vai substituir um veículo de produção mais cara por outro, menos qualificado e de custo de produção inferior, maximizando o lucro – note que um “popular” equipado com motor 1.0 litro 12V de 84 cv ficará no lugar do irmão maior, turboalimentado, de 128 cv.
Comparativo
A versão topo de linha do novo Tera, High 1.0 TSI, deve ter preço sugerido de R$ 140 mil, trazendo o mesmíssimo trem de força disponível para o Virtus. Por R$ 184.400, o comprador pode adquirir um Dolphin Plus que, apesar de ser 25% mais caro, é maior (4,29 metros de comprimento contra 4,10 m), mais largo, mais alto e confortável, ofertando os mesmos 350 litros de capacidade volumétrica no porta-malas.
O modelo da BYD também acelera mais rápido (0 a 100 km/h em 7,3 s, enquanto o Tera High 1.0 TSI deve ter algo próximo de 10,5 s), sendo superado pelo lançamento da Volkswagen na velocidade máxima (o Tera deve atingir 192 km/h contra 160 km/h, do BYD). Mas é no quesito eficiência que o futuro deixa o passado comendo poeira, com um consumo urbano – de eletricidade – equivalente a 62,5 km/l, contra 12,3 km/l, que deve ser o consumo do VW.
No pior dos cenários, o Dolphin Plus faz o equivalente a 52,6 km/l, contra 14,6 km/l que se espera do Tera.
Levando esses números em consideração, o custo do quilômetro rodado com o EV chinês, de 204 cv, gira entre R$ 0,10 e R$ 0,12 (dez e 12 centavos), contra R$ 0,43 do Tera, isso se o lançamento da VW rodar exclusivamente em rodovias e usando gasolina como combustível. Na ponta do lápis, a diferença de preços (R$ 44.800) entre o Dolphin Plus e o Tera High 1.0 TSI é amortizada quando o hodômetro do BYD chega aos 100 mil km rodados.
Mas comparemos o Tera brasileiro ao seu irmão indiano, o Škoda Kylaq que, de cara, traz estilo mais avançado, com destaque para o conjunto óptico destacado com LEDs para todos os fachos e versões. Visto de perfil, o modelo indiano também é mais harmônico, já que não tem o “popozão” saliente do nacional e, curiosamente, o Kylaq tem maior capacidade volumétrica no porta-malas, de 446 litros contra 350 l do Tera – aqui, estamos falando de duas marcas do mesmo grupo que, pelo menos em tese, não teriam razão para mentir e tudo levar a crer que a medida indiana leva em consideração o espaço até o teto.
Em termos de conforto e conveniência, ambos se equivalem com uma oferta muito parecida e um sistema de infotainment, aparentemente, idêntico. O Škoda obteve nota máxima, cinco estrelas, nos testes de colisão do Bharat NCAP, que segue protocolos iguais aos do Latin NCAP, diferente apenas nas anotações de pontuação em relação ao Euro NCAP – no Brasil, o Nivus, que empresta sua plataforma para o Tera, também obteve nota máxima. Lá, o “SUVinho” traz pneus mais largos 205/60 aro 16 para todas as versões, enquanto, por aqui, a versão de entrada traz medida mais estreita, 195/60 aro 16.
Situação capitular
Bom, antes que ufanismo brasileiro fale mais alto, é bom deixar claro que a própria Škoda considera como concorrentes diretos do Kylaq, em seu mercado doméstico, o Mahindra XUV 3X0, o Tata Nexon e o Maruti FRONX, da Maruti, modelos menos qualificados que o Dolphin Plus – que fizemos o favor de escolher para a comparação acima – e que são absolutamente desconhecidos dos brasileiros. Lá, a Škoda o apresenta como um produto “de entrada”, que parte de ₹ 7.89 Lakh (o equivalente a R$ 52.550), na versão Classic equipada com câmbio manual, e vai até ₹ 14.4 Lakh (R$ 95.955), na versão Prestige equipada com transmissão automática. Lá, todo o catálogo traz a mesma motorização 1.0 TSi, de 116 cv, enquanto o Tera basicão, de R$ 99.990, traz o mesmo 1.0 litro 12V de 84 cv do Polo.
Em outras palavras, o feliz consumidor brasileiro terá a oportunidade de evitar a bancarrota da VW pagando o dobro do preço do mesmíssimo modelo vendido na Índia, só que equipado com motor “milzinho”. E como tudo nesta vida pode piorar, o Kylaq indiano, mesmo sendo mais potente, é quase 20% mais econômico que o Tera brasileiro de entrada – média urbana de 16,0 km/l contra 13,7 km/l do primo tupiniquim. Como o leitor mais crítico observa, trata-se de um automóvel simplérrimo, equipado com motor a combustão interna, que nasce com design desatualizado (basta vê-los nas fotos, lado a lado) e cobra um preço irreal para um conjunto técnico estagnado há anos.
Já sobre a Volkswagen, a situação capitular da gigante alemã traduz essa estagnação da maioria de seus produtos. Nos últimos quatro anos, o grupo viu sua capitalização de mercado afundar 66%, de US$ 184,4 bilhões para US$ 61,1 bilhões – traduzindo, entre março de 2021 e este mês, o valor da VW caiu de o equivalente a R$ 1,065 trilhão para R$ 353,1 bilhões; o equivalente ao leitor fazer um depósito de R$ 10 mil, no banco, e ver que só sobrou R$ 3.333 na conta, depois de deixar o dinheiro quietinho durante 48 meses. Hoje, mesmo com cerca de 100 fábricas em 27 países, 667 mil colaboradores e uma produção anual de mais de nove milhões de veículos, a Volks vale menos que a varejista norte-americana de autopeças e acessórios AutoZone e bem menos que a gigante das bebidas Diageo, dona das marcas Johnnie Walker e Smirnoff.
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
Jornalista Automotivo
Trabalha como jornalista há 30 anos, e tem, na Mobiauto, uma coluna com seu nome. Escreve sobre novos carros, indústria e polêmicas do setor automotivo. Mais do que isso, cobre todas as inovações tecnológicas oferecidas do outro lado do mundo.