Carro autônomo pode poluir mais? Entenda o que é o "efeito rebote"

Táxis autônomos têm custo do km rodado 60% menor e emissões de gases do efeito estufa 40% inferiores, comparados aos modelos a combustão; todavia, produção polui 30% mais que a de um EV
HG
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21.02.2025 às 22:04
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Táxis autônomos têm custo do km rodado 60% menor e emissões de gases do efeito estufa 40% inferiores, comparados aos modelos a combustão; todavia, produção polui 30% mais que a de um EV

Enquanto o brasileiro segue nadando contra a maré, negando a virada da eletromobilidade, o Primeiro Mundo caminha a passos largos para a automação veicular. Os veículos autônomos (AVs) oferecem maior conveniência para os usuários e mais eficiência energética, já que só existem em versões 100% elétricas. Nas próximas décadas, eles irão impulsionar o transporte em nível global e, sob este prisma, é provável que também ampliem as emissões de gases do efeito estufa (GEE) durante todo seu ciclo de vida.

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“Isso pode se dar por vários ‘efeitos rebote’ que, apesar da economia de combustível de pouco mais de 20%, ainda não compensa um aumento das emissões de até 40% na fase de produção, em relação aos EVs”, destaca o pesquisador do Centro de Política Ambiental do Imperial College, de Londres, e economista-chefe do Instituto de Energia e Meio Ambiente (QEERI) do Catar, Marcello Contestabile. É bom frisar que o estudo de que vamos tratar compara os veículos autônomos com carros elétricos – portanto, serão poucas remissões aos modelos equipados com motores a combustão interna, uma tecnologia do final do século 19.

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“Esforços de reciclagem podem compensar esse aumento, cortando as emissões equivalentes a 6,65 toneladas de dióxido de carbono, por veículo. No entanto, ao examinar todo o ciclo de vida, os veículos autônomos podem emitir 8% mais emissões de GEE, quando comparados a um carro elétrico convencional. Para compensar esta diferença, serão necessárias a adoção de métodos de fabricação mais limpos e eficientes, aprimoração dos sistemas de condução autônoma, adoção de energias renováveis para a rede de recarga e novas iniciativas de economia circular”, pontua Contestabile.

Para ele, os veículos autônomos trazem muitos benefícios, desde a inclusão de idosos e deficientes que, hoje, não conseguem dirigir, até a eficiência decorrente de sua conexão com a gestão de tráfego.

“Os veículos autônomos têm o potencial de diminuir as emissões de GEE de várias maneiras, incluindo a redução na necessidade de vagas de estacionamento. Poucos sabem, mas procurar um lugar para estacionar contribui para o aumento em um terço do tráfego em áreas urbanas e, durante este tempo adicional, consome-se mais combustível”, detalha o engenheiro e cofundador do Sustainable Systems & Solutions Lab, Nuri Onat, pós-doutorado (PhD) pela University of Central Florida.

“Há ganhos decorrentes da seleção autônoma de rotas mais eficientes, em tempo real, e da manutenção de velocidades constantes, evitando acelerações e desacelerações desnecessárias. Isso reduz o consumo e, portanto, as emissões”, complementa Onat. Os benefícios, neste campo, são ampla e cientificamente comprovados, mas estes ganhos são obtidos numa comparação entre veículos autônomos e modelos tradicionais, equipados com motores a combustão.

Pela primeira vez

“Pela primeira vez, comparamos veículos autônomos com carros elétricos, considerando os ‘efeitos rebote’ e também incluindo uma perspectiva de ciclo de vida na análise. O uso de veículos autônomos como táxis podem reduzir o custo do quilômetro rodado em 60% e diminuir as emissões de GEE em 40%, comparados aos modelos tradicionais”, pondera o engenheiro elétrico Adeeb Kutty, chefe de pesquisa e projetos do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas catari.

“Todavia, a partir da geração de eletricidade em termelétricas, espera-se que as emissões decorrentes do aumento do número de viagens e da produção dos – componentes adicionais para – sistemas autônomos, durante todo o ciclo de vida de um carro autônomo, cresçam 8%. Na prática, a economia operacional de energia de 17%, enquanto roda nas ruas e estradas, não compensa o aumento de emissão de 40% na fase de fabricação – daí o valor supracitado”.

O leitor que chegou até aqui deve estar se perguntando sobre a importância disso tudo, em um país onde os carros do futuro serão movidos a bananas ou água de côco, e onde é mais fácil encontrar um chupacabra do que um veículo autônomo. Primeiramente, é importante qualificar nossa audiência e a forma de fazê-lo é tratando de temas adultos, aliás, assuntos que os alunos escandinavos do segundo grau estudam, com menos de 18 anos de idade. Segundo, porque o estudo que reuniu especialistas de três continentes traz dados muito importantes para todo e qualquer sujeito que pretende entender de automóveis do presente – e não de Opalas e Fuscas.

Dois dados muitíssimo relevantes: o uso de energia fotovoltaica na geração de eletricidade resulta em uma redução drástica, de mais de 82%, nas emissões dos veículos elétricos, durante todo seu ciclo de vida; enquanto a produção de um carro autônomo emite quase 30% a mais GEEs. Considerando que o objetivo dos veículos autônomos é maximizar conforto, segurança, eficiência energética e utilização da infraestrutura, ao mesmo tempo em que se reduz os impactos ambientais, há um grande trabalho em curso, que vai muito além do lançamento de modelos requentados com motores a combustão. Fornecer uma perspectiva global dos ‘efeitos rebote’ requer estudos regionalizados, mas o Brasil segue apartado da virada da eletromobilidade.

“A avaliação do impacto ambiental dos veículos autônomos prevê múltiplos cenários, como os preços da eletricidade e a melhoria na eficiência energética, dará suporte ao desenvolvimento de políticas públicas para a regulação dos veículos autônomos”, sublinha Nuri Onat, engenheiro (PhD) e cofundador do Sustainable Systems & Solutions Lab. “As mudanças climáticas são uma questão urgente e outras categorias de impacto, bem como aspectos sociais e econômicos mais detalhados da adoção de veículos autônomos  precisam ser estudados para fornecer uma avaliação de sustentabilidade completa”, complementa Adeeb Kutty, chefe de pesquisa e projetos do Ministério do Meio Ambiente catari.

Apesar de ter uma área correspondente à metade do menor Estado brasileiro, que é Sergipe, e de sua população não chegar a três milhões de habitantes, o Catar é o maior exportador de gás natural do mundo. O país também detém 13% das reservas globais de petróleo e, sendo economicamente dependente deste recurso, está entre os líderes nos estudos sobre novas energias. Em sentido oposto, o Brasil engatinha no jardim da infância quanto o assunto são carros elétricos e autônomos, uma infantilização que nos mantém cativos de produtos ultrapassados, caros e ineficientes.

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.

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