Ford EcoSport: como o SUV foi do pioneirismo ao ostracismo em 18 anos

Modelo foi SUV compacto urbano estreante no Brasil e teve período avassalador, concentrando quase 70% das vendas do segmento. Só que ficou parado demais no tempo...
Renan Bandeira
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14.01.2021 às 17:48
Modelo foi SUV compacto urbano estreante no Brasil e teve período avassalador, concentrando quase 70% das vendas do segmento. Só que ficou parado demais no tempo...

A notícia do fechamento de todas as fábricas da Ford no Brasil chocou todos os amantes de veículos no início da semana. Como já foi adiantado pela equipe da Mobiauto, a empresa desistiu dos projetos destinados ao Brasil e abandonou a família Ka e o SUV EcoSport.

Segundo comunicado da empresa, os modelos serão comercializados até o final dos estoques, mas já deixaram de ser produzidos. O anúncio certamente tornará a vida desses modelos ainda mais difícil. 

Receosos com o pós-venda e a desvalorização dos veículos, possíveis compradores e proprietários de modelos Ford têm mostrado preocupação com o futuro dos veículos e com o atendimento que passará a ser prestado nas revisões e manutenções em concessionária.

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Em relação aos modelos órfãos, os Ka hatch e sedan serão descontinuados, assim como aconteceu com os irmãos maiores Fiesta, Focus e Fusion, que foram retirados da produção pela marca nos últimos anos. Já o EcoSport ainda tem chance de seguir no mercado com uma nova geração, caso este seja descongelada, embora apenas por meio de importação.

Modelo foi SUV compacto urbano estreante no Brasil e teve período avassalador, concentrando quase 70% das vendas do segmento. Só que ficou parado demais no tempo...

Lançado oficialmente em 2003, o SUV foi pioneiro entre os compactos de caráter urbano no Brasil e abriu caminho para a categoria. Era um projeto de origem brasileira e foi desenvolvido pelo time de engenharia local, aproveitando a plataforma do Fiesta.

O Ecosport pode até ser considerado um dos principais acertos da Ford no Brasil, junto do Corcel, primeiro popular da marca por aqui e que deu fama de confiável para os modelos da empresa, e do Escort, primeiro lançamento global da Ford produzido no país.

Quando o EcoSport ganhou as ruas, há 18 anos, o segmento hoje conhecido como de “SUVs compactos" ainda recebia a singela e vaga alcunha “crossovers”. O modelo surgiu uma década antes de outras marcas iniciarem uma verdadeira ofensiva de produção dentro da categoria.

Segundo dados da Fenabrave (associação nacional dos concessionários), entre 2003 e 2020 foram comercializadas 661.458 unidades do EcoSport - que representa 15,1% dos emplacamentos totais da Ford no período.

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Analisando os dados da associação, observa-se que, durante os três primeiros anos de vendas, o utilitário esportivo alcançou uma média superior a 20% do total de emplacamentos da marca. Já no seu segmento, as vendas do EcoSport foram responsáveis por quase 70% de todos os emplacamentos.

A popularização da categoria SUV roubou clientes de outros tipos de carro. Logo na chegada, o crossover foi oferecido em três versões com motores 1.0 supercharger de 95 cv (o único mico desta primeira geração) e 1.6 Zetec Rocam de 98 cv. No ano seguinte, a Ford deu ao veículo o motor 2.0 Duratec de 143 cv e tração integral.

Logo em seguida, a marca americana se adequou ao mercado e aos avanços da engenharia nacional, colocando sob o capô do modelo o motor 1.6 flex. Assim, o EcoSport tornava-se o primeiro SUV no país a receber a tecnologia bicombustível. 

Modelo foi SUV compacto urbano estreante no Brasil e teve período avassalador, concentrando quase 70% das vendas do segmento. Só que ficou parado demais no tempo...

O pioneirismo não parou aí e, em 2006, surgiu a versão aventureira FreeStyle, que, devido ao sucesso, tornou-se uma variante fixa do EcoSport no catálogo da marca.

O sucesso do modelo chamou atenção da concorrência - claro - que começou a lançar veículos da mesma categoria para conseguir uma ‘boquinha’ nas vendas. Naquele momento, os problemas do Ecosport começaram a surgir.

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O primeiro a chegar foi o Hyundai Tucson, em 2004 - mas que passou a ter bom volume de vendas a partir de 2006.  Com porte maior, o SUV da fabricante sul-coreana não diminuiu o volume de vendas do Eco, mas freou sua linha de ascensão no mercado nacional.

  • 2003: 27.177 unidades (participação no segmento: 65,45%)
  • 2004: 38.668 (67,74%)
  • 2005: 45.420 (64,19%)
  • 2006: 43.589 (56,74%)
  • 2007: 47.025 (42,73%)
  • 2008: 44.168 (29,85%)
  • 2009: 43.573 (25,92%)
  • 2010: 43.037 (19,95%)

Com o Hyundai no Brasil, a participação de mercado do Ford caiu de 56,74% em 2006 para 42,73% em 2007, e ficou em 29,85% em 2008. Junto da aparição dos primeiros concorrentes veio talvez o primeiro erro da marca para continuação da representatividade do SUV na categoria: falta de renovação.

O primeiro facelift do EcoSport aconteceu só em 2007, foi sutil e não surtiu efeito no mercado. A primeira mudança substancial aconteceu apenas em 2010 - sim, sete anos após sua estreia - e teve como principal foco a dianteira do veículo, com novo desenho de grade e faróis.

No entanto, essa demora para renovação deu espaço para que novos modelos ganhassem espaço, embora fossem de tamanhos distintos. 

Modelo foi SUV compacto urbano estreante no Brasil e teve período avassalador, concentrando quase 70% das vendas do segmento. Só que ficou parado demais no tempo...

Em 2010, veio a primeira onda de ascensão dos SUVs compactos-médios e médios, com Volkswagen Tiguan, Hyundai iX35, Chevrolet Captiva, Hyundai Santa Fe, Kia Sportage, Honda CR-V e Citroën Aircross, e o percentual de participação do Ecosport no segmento caiu para 19,95%.

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A mesma demora foi o que matou as famílias Fiesta, Focus e Ka, por aqui. Como a Ford levava mais tempo que a concorrência para se adequar ao que o mercado pedia, ficava sempre para trás, tornando seus modelos coadjuvantes no mercado de zero-quilômetro e facilitando a passagem de carros como Chevrolet Onix e Hyundai HB20, que passaram a dominar os emplacamentos.

A prova de que o erro se repetiu com o SUV compacto é a queda progressiva e constante do percentual de participação do modelo nas vendas da categoria após a chegada dos concorrentes. 

Dois anos depois da primeira ofensiva SUV, o cansaço da primeira geração em comparação com os outros modelos do mercado era nítido, e o EcoSport teve o seu primeiro revés: perdeu em 2012 a liderança do segmento pela primeira vez, e o Renault Duster era o novo líder do ranking.

  • 2011: 38.530 unidades (participação no segmento: 14,25%)
  • 2012: 38.282 (14%)
  • 2013: 66.095 (23,32%)
  • 2014: 54.263 (18,43%)
  • 2015: 33.861 (11,06%)

A fabricante parecia ter aprendido a lição com os erros do passado e, em 2013, deu uma segunda geração ao EcoSport. Ali, mudou completamente o visual do modelo, que registrou um salto nas vendas, saindo de 38.282 emplacamentos ou 14% de participação no segmento para 66.095 e 23,32%, respectivamente. 

Mas, como dissemos, a lição só "parecia" ter sido aprendida: a Ford mais uma vez pecou no fato de oferecer o EcoSport apenas com câmbio manual. A caixa automática chegou só um ano depois e era a problemática automatizada de dupla embreagem Powershift - que já foi citada em uma outra publicação da Mobiauto sobre manutenções assustadoras.

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Além disso, a Ford demorou a enxergar a tendência de oferecer SUVs mais compridos (e, consequentemente, mais espaçosos) e sem estepe exposto, pois projetou o EcoSport sem dar a ele uma alternativa para ter versões sem pneu sobressalente pendurado à tampa do porta-malas. 

Renovado, mas oferecendo apenas versões manuais confiáveis e com espaço interno limitado, o EcoSport não resistiu à segunda onda de SUVs compactos no mercado, que chegou em 2015, com Honda HR-V, Jeep Renegade e Renault Duster dominando o mercado. 

As novidades jogaram o EcoSport para a quarta colocação no ranking da categoria, e o deixaram com apenas 11,06% da representatividade do segmento. Foi o começo do fim. 

Os dados da Fenabrave mostram que o volume de vendas do modelo foi mantido em uma boa média desde 2003, mas o mercado de SUVs cresceu na última década, ao ponto de alcançar 32,7% ou quase um terço das negociações totais. A Ford, pioneira, não conseguiu acompanhar a evolução.

Nos anos seguintes, o veículo obteve os seguintes percentuais de mercado, conforme o levantamento de vendas da Fenabrave:

  • 2016: 28.105 unidades (participação no segmento: 9,29%)
  • 2017: 31.195 (7,53%)
  • 2018: 34.497 (6,73%)
  • 2019: 34.205 (5,70%)
  • 2020: 24.031 (4,55%)

Infelizmente, o modelo que reinventou o mercado de SUVs no Brasil perdeu força. A morte lenta do Ecosport começou em 2016, quando se tornou coadjuvante no mercado de SUVs compactos, abdicando do protagonismo devido à demora para renovação e a falta de adequação às demandas do consumidor.

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Será que ele volta?

Com o nome fora dos holofotes no Brasil, a vinda da nova geração, mesmo que seu desenvolvimento seja retomado e ela seja produzida em outro país, é incerta. Afinal, o renome criado pelo EcoSport durante seus primeiros anos de vida - que dava confiança para novas compras - já sofreu alguns desgastes e arranhões.

O SUV foi vítima de uma série de erros estratégicos e oportunidades perdidas pela Ford no Brasil, incluindo esta: talvez uma nova geração com produção nacional e bons predicados pudesse fazê-lo ressurgir como líder de vendas entre os SUVs compactos. E já havia um modelo em estágio final de desenvolvimento quase pronto para ser lançado no final deste ano. O Chevrolet Tracker, antes sempre um coadjuvante de mercado, que o diga.

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Só que, por enquanto, a única forma de o EcoSport voltar ao Brasil seria por importação, caso esta nova geração seja descongelada. Isso, por si, já limitaria e muito seu potencial de sucesso. 

A concorrência maior na categoria pede novidades, preço competitivo e fabricação nacional, e a desvalorização do real frente ao dólar prejudica a competitividade dos modelos importados por aqui, como pode ser visto com o chinês Ford Territory.

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