VW Brasília usava saia para fugir de polêmica na traseira

Primeiro hatch da marca teve 1 milhão de unidades fabricadas e é colocado por muitos como um dos modelos mais bonitos já produzidos pela VW
Renan Bandeira
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30.06.2023 às 08:17
Primeiro hatch da marca teve 1 milhão de unidades fabricadas e é colocado por muitos como um dos modelos mais bonitos já produzidos pela VW

O VW Brasília completou 50 anos neste ano. Foram nove anos apenas de produção de um dos carros de maior sucesso da marca alemã no Brasil, que teve 1 milhão de unidades comercializadas.

Bonito, espaçoso e com boa área envidraçada, o hatch teve produção 100% brasileira e não fugiu das “gambiarras” para ser mais atraente, inclusive para escapar de uma polêmica na traseira.

Ser um modelo acima do Fusca no portfólio da Volkswagen não é tarefa fácil, e essa era a missão do Brasília. Ele foi o primeiro hatch vendido pela Volkswagen no Brasil e, embora tenha perdido espaço com a chegada do VW Gol, no início da década de 1980, o VW marcou a nossa indústria.

O modelo era um pedido especial do então presidente da marca Rudolg Leiding, que queria um carro espaçoso, “de balanços curtos e boa área envidraçada”, conta Günter Hix, engenheiro que estava à frente do projeto na época.

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Desenhado pelo designer automotivo brasileiro Márcio Piascatelli, o Brasília usou a mesma plataforma e mecânica do Zé do Caixão e da Variant, que era o já conhecido motor 1.6 de quatro cilindros contrapostos, aspirado e carburado, que rendeu até 60 cv de potência e 12 kgfm de torque.

Mas uns bons truques durante sua construção são lembrados até hoje. Um deles é o fato de ele usar aquela saia traseira sobre o silencioso do escapamento. O outro é o motivo de o Brasília ter um bico à lá barco na dianteira.

Uma saia para esconder o escape

O primeiro deles foi uma solução encontrada para um problema de projeto na traseira. “O líder de engenharia de motor não queria vir [ver o projeto] e eu insisti várias vezes, até que ele veio. Olhou, olhou e olhou, e eu falei: você precisa dar uma posição sobre isso aqui [motor do carro]. Ele olhou para mim e perguntou: cadê o escapamento? Respondi: e eu que sei? Essa não é a minha parte. Se você não vem [ver o projeto], o azar é seu. Ele resmungou e foi embora”, relatou Hix.

Com isso, Günter estava com um problema nas mãos. Não tinha espaço para posicionar um escapamento, justamente por causa do balanço traseiro curto que o presidente da marca pediu. “Ficou eu e o projetista com o ‘penino’. Olhamos e olhamos, e eu falei: pega o desenho do silencioso, que era redondo, e desenha o perfil do para-choque. Uma coisa trava na outra”, contou o engenheiro.

A parte da fixação estava resolvida o encaixe também, já que a peça era esticada. No entanto, outro problema nascia, já que sem acabamento plástico inferior de para-choques como vemos hoje, o Brasília deixava a mostra todo o silencioso, situação que se tornou polêmica no Corolla Cross tempos atrás, por exemplo.

Foi aí que a saia traseira entrou na jogada. “Lembrei que os carros a ar na Alemanha já tinham aquela saiota atrás do escape, aqui a gente também já tinha começado a usar na Variant e no SP. Falei: ah, não tem problema, mete a saiota aí. Foi assim que resolvemos a traseira”, esclarece Hix.

Um bico à lá barco

Como contamos no começo deste artigo, Leiding queria um carro com balanços curtos, ou seja, bastante entre-eixos e pouca distância entre a extremidade dianteira da carroceria e a roda da frente, repetindo a mesma estratégia na traseira.

No entanto, o pedido especial prejudicava o porta-malas dianteiro, já que sobrava pouca área útil para o compartimento, sendo que ainda havia um espete para posicionar e “ninguém ia querer um carro sem porta-malas", preocupava-se o engenheiro.

Para encontrar a solução, a engenharia da época encheu a frente de Clay, uma espécie de argila bastante usada na indústria automotiva. A ideia era aumentar o bico do carro na diagonal até o limite para, consequentemente, crescer o espaço do bagageiro e procurar uma posição melhor para o estepe.

“A gente encheu de Clay mas ficou com o bico comprido, parecia um Tucano. Aí passou o Marcio [Piascatelli], passou todo mundo, e me xingavam. Então eu cheguei para um rapaz que trabalhava comigo, e falei: raspa o Clay até o que dá”, relembra Hix.

E foi assim que o carro que teve o início do projeto desenhado em uma folha de papel pelas mãos de Leiding, sem compromissos com dimensões e proporções, terminou a criação. Nas mãos de um colaborador, nasceu a frente características com bico de barco, que foi o truque magistral para posicionamento diagonal do estepe, sem ocupar tanto espaço do porta-malas.

Imagens: Abertura - Volkswagen / corpo do texto - Renan Bandeira, Mobiauto


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