Por que o preço da gasolina está subindo sem parar no Brasil?

Pandemia, valor do petróleo, alta do dólar, crise política e até carros elétricos são fatores listados para explicar os reajustes sem fim dos combustíveis
Camila Torres
Por
27.08.2021 às 08:00
Pandemia, valor do petróleo, alta do dólar, crise política e até carros elétricos são fatores listados para explicar os reajustes sem fim dos combustíveis

Os combustíveis têm passado por pesados reajustes no Brasil nos últimos tempos, com intervalos cada vez menores entre cada aumento. Chegamos ao ponto em que a média nacional do preço da gasolina chega quase a R$ 6 o litro, superando os R$ 7 em Estados como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Acre e Tocantins.

A realidade é das mais assustadoras para o consumidor, que precisa encaixar no orçamento produtos cada vez mais caros com uma renda que, na maioria das vezes, não subiu ao longo da pandemia e que, em muitas delas, na verdade caiu.

Anuncie seu carro sem pagar na Mobiauto 

Enquanto abastecem o carro, motoristas olham fixamente para o valor do litro no painel e relembram de tempos em que o valor era muito mais baixo. Também ressoam em seus ouvidos uma voz questionadora: por que os preços dos combustíveis estão tão altos?

Prova disso, é que pela primeira vez desde 2015, a palavra gasolina foi a mais buscada juntamente com a palavra preço, de janeiro a agosto, segundo dados do Google.

Após o último reajuste, a pesquisa usando o termo “por que a gasolina está tão cara” aumentou em 300%. É o maior interesse pelo preço dos combustíveis em 17 anos. O Brasil é o sexto país que mais fez buscas relacionadas ao tema nos últimos dias. O primeiro foi a Índia.

Leia também: 5 formas de economizar até 50% de combustível sem instalar nada no carro

Para responder de uma forma mais didática “por que a gasolina está tão cara”, “por que o valor da gasolina aumentou tanto”, ou “o valor da gasolina vai diminuir”, convidamos Louise Nakagawa - Doutora em Energia pela Universidade Federal do ABC e Pesquisadora do Cebrap Sustentabilidade, e Paulo Feldmann, professor de economia da Universidade de São Paulo (FEA USP).


O que fez a gasolina ter aumentos tão expressivos em um tempo tão curto?

Pandemia, valor do petróleo, alta do dólar, crise política e até carros elétricos são fatores listados para explicar os reajustes sem fim dos combustíveis

A gasolina passou por nove aumentos apenas em 2021, o que soma uma alta de 27,5% nos oito primeiros meses do ano. Considerando um período de 12 meses, ela está 37% mais cara do que em agosto do ano passado. 

Os noticiários anunciam reajustes no valor da gasolina com uma frequência insana. Só não é maior que as alterações que vemos nos postos de combustível cada vez que vamos abastecer. Mas como a gasolina chegou a R$ 7 o litro? Louise Nakagawa e Paulo Feldmann compartilham do mesmo entendimento sobre o assunto:

Leia também: Com preços dos combustíveis nas alturas, vale a pena ter um carro híbrido?

Alta do dólar 

A doutora em energia começa explicando que o fator que mais influência no atual preço da gasolina é a variação cambial. O real é uma das moedas que mais têm se desvalorizado no mundo no último ano e meio.

E mesmo tendo uma petrolífera nacional e estatal, a Petrobras, o Brasil nos últimos anos vem atrelando o preço básico da gasolina vendida no país ao mercado internacional, ou seja, ao dólar. Com isso, o valor do combustível depende muito mais da estabilidade de nossa moeda do que antes.

Leia também: Argentino cria picape movida a lixo com autonomia de 1.000 km

“Com a retomada da economia/indústria no mundo, a oferta de petróleo reduziu, fazendo com que a commodity tivesse seu preço valorizado. E isso tem reflexo direto aqui, já que negociamos o recurso em dólar”, explica a especialista. 

Feldmann completa a fala da pesquisadora relembrando que, antes da pandemia, um dólar estava valendo cerca de R$ 4. Agora, bate R$ 5,40. Ao mesmo tempo, enquanto um barril de petróleo era comercializado por US$ 20 ou R$ 80 no início de 2020, agora custa US$ 80 ou R$ 440.
 

2. Valor do barril de petróleo

Pandemia, valor do petróleo, alta do dólar, crise política e até carros elétricos são fatores listados para explicar os reajustes sem fim dos combustíveis

O professor de economia Paulo Feldmann acrescenta que internacionalmente há poucas empresas, estatais ou privadas, que controlam o setor de petróleo, e elas são muito bem organizadas na hora de determinar preços que jamais as deixem no prejuízo.

“O petróleo é um setor da economia mundial onde se existe um ‘cartel’. Isso quer dizer que os produtores combinam o preço. Eles definem o preço e aumentam o valor como querem”, explica. 

Isso significa que, além de seguirem a lei de oferta e procura, as petrolíferas são capazes de promover reajustes coordenadamente. Lembrando que os maiores produtores de petróleo são os países árabes e a Rússia. 

Leia também: Mundo está acordando para o etanol. Entenda como isso afeta o Brasil 

 

3. Aumento da demanda pós-pandemia

O economista também explica que a retomada de atividades pós-pandemia foi uma das motivadoras do aumento. Afinal, alguns setores que estavam quase todos paralisados, como o de transporte terrestre e viário, voltaram a ganhar força e aumentaram a demanda por combustíveis.

No ano passado, por causa do coronavírus, o valor do petróleo desabou, atingindo um dos patamares mais baixos de todos os tempos. Chegou 2021 com uma expectativa de melhora. Chegou a vacina. O consumo mudou. As pessoas voltaram a viajar. Muitos retornaram ao trabalho presencial. E foi aí que os produtores de petróleo perceberam que era o momento de recuperar o prejuízo, afirmou Feldmann.

Leia também: Ter um carro elétrico no Brasil vale a pena? Quem tem responde

"Quanto maior a procura, mais eles vão aumentar o preço. E é isso que já estão fazendo, pois acreditam que o mundo já está caminhando para um crescimento econômico novamente”, afirma o professor.


4. E os impostos?

Pandemia, valor do petróleo, alta do dólar, crise política e até carros elétricos são fatores listados para explicar os reajustes sem fim dos combustíveis

O brasileiro paga uma carga tributária alta em cima dos combustíveis. Segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), os impostos representam 44% do preço da gasolina no Brasil: 28,3% são impostos estaduais, o conhecido ICMS, e 15,5% correspondem a taxas federais. 

Leia também: O que ninguém conta sobre os carros elétricos

Além disso, há o lucro dos revendedores e postos, que chega a 10%. O valor do transporte das distribuidoras representa quase 4%. 

Sendo assim, 58% do valor da gasolina é justificado nos dois parágrafos acima. Porém, o consumidor já pagava essas alíquotas há muito tempo, mesmo quando os preços estavam mais baixos. 

Leia também: Entenda o plano que prevê imposto de importação zero para carros europeus em 15 anos 

Portanto, quanto maior o valor do petróleo e do dólar, maior o preço básico dos combustíveis e maior o impacto absoluto dos tributos ao final da conta. É o que explica a pesquisadora Louise Nakagawa, que ressalta: apesar de altos, os impostos não são responsáveis pela atual escalada dos preços da gasolina.

“Reduzir o [percentual de] ICMS, por exemplo, não faria grande diferença ao final da conta. Precisamos notar que a alta da gasolina não está ocorrendo apenas no Brasil, mas em outros países também”, ressalta a doutora. 

Leia também: Como o etanol passou da quase morte para uma promessa mundial

Feldmann concorda com a pesquisadora e reforça que não houve nenhum tipo de redução tributária no preço da gasolina nos últimos tempos, nem mesmo de impostos federais. “O presidente Jair Bolsonaro disse que iria diminuir os impostos, mas não diminuiu. Inclusive, os caminhoneiros estão bravos com isso”, relembra. 

Questionado sobre uma possível redução ou isenção do ICMS, o economista explica que, por causa da pandemia, os Estados fecharam 2020 com as contas no vermelho e grande parte deles não tem como abrir mão dele. “Isso causaria um problema sério para os Estados. E o Governo Federal sequer tem poder para interferir nesse imposto”.

Leia também: Brasileiro tem o 5º pior poder aquisitivo no mundo para comprar um carro


O valor da gasolina deve aumentar ainda mais nos próximos meses e até anos?

Pandemia, valor do petróleo, alta do dólar, crise política e até carros elétricos são fatores listados para explicar os reajustes sem fim dos combustíveis

Agora que já entendemos por que o valor da gasolina aumentou tanto, o que todo consumidor quer saber é: o valor continuará subindo ou irá recuar? Neste ponto a doutora em energia e o professor em economia têm opiniões diferentes.

Louise Nakagawa acredita que nos próximos meses o valor da gasolina irá cair. “Ao que tudo indica, a expectativa é de que com a redução do preço do dólar, a gasolina também tenha o seu valor reduzido”, aposta.

A pesquisadora pondera que fatores externos, os desdobramentos da pandemia e conflitos geopolíticos internos ou externos podem interferir muito no desdobramento desse cenário.

Leia também: Os 10 carros elétricos mais baratos à venda no Brasil

Já Paulo Feldmann tem uma opinião menos otimista e prevê que os valores devem subir ainda mais nos próximos anos. O economista cita a eletrificação dos automóveis como um dos fatores para isso. 

“O mundo está passando por um processo chamado descarbonização. A Europa, principalmente, tem traçado metas para acabar com o carro a combustão. Os produtores de petróleo estão cientes desse cenário e querem ganhar tudo que puderem enquanto os carros a combustão ainda são em maioria no nosso planeta”, argumenta.

E aposta: “O aumento atual é consequência da pandemia, que valorizou o petróleo, e no Brasil tem o agravante que é a alta do dólar. Mas futuramente o aumento será causado pela chegada dos carros elétricos”.

Leia também: Carro elétrico: 12 dúvidas muito comuns que todo mundo tem sobre ele

Por fim, Paulo Feldmann afirma que, conforme novas fontes energéticas forem surgindo e a procura pelo petróleo caia, o valor deve ser derrubado novamente. 

Já a doutora em energia acredita que ainda vai demorar mais alguns anos até que a eletrificação dos carros influencie em alguma medida o mercado internacional do petróleo.

Mas alerta que o Brasil, ao mesmo tempo em que vem sendo tão afetado pelos preços da gasolina, não está se preparando adequadamente para quando esse dia chegar e encerra com outra pergunta: “A grande questão é: o quão distantes estamos de termos uma política de incentivo e acesso à carros elétricos no Brasil?”.

Você também pode se interessar por:

Argentino cria picape movida a lixo com autonomia de 1.000 km
5 formas de economizar até 50% de combustível sem instalar nada no carro
Carro por assinatura vale a pena? Quando é vantagem e quando é fria
Documento do carro digital: já é possível transferir tudo online? 

Comentários