Montadoras investem trilhões em tecnologias que ainda não são 100% eficazes

Enquanto chave digital se populariza e testes revelam ineficiência de sistema automático de frenagem, à noite, Starbucks vira ponto de recarga
HG
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09.09.2022 às 15:46
Enquanto chave digital se populariza e testes revelam ineficiência de sistema automático de frenagem, à noite, Starbucks vira ponto de recarga

O consumidor brasileiro é uma espécie de pierrô da indústria automotiva, por quem nutre uma paixão não correspondida. Em função disso, acha que tudo aquilo que sua amada faz – na vida real, os veículos produzidos pelas marcas – tem uma beleza virginal, uma poesia carnavalesca. 

Infelizmente e em sentido oposto ao da ilusão literária, os fabricantes têm muitos compromissos financeiros, com uma capitalização de mercado de US$ 2,1 trilhões (o equivalente a R$ 10,8, trilhões), e é isso que pauta seus lançamentos. 

“Inovações tem que ser eficazes, precisam ser introduzidas no mercado de forma adequada e seu design tem que expressar avanço. Isso, sem falar nas novidades obrigatórias, aquelas que alinham um modelo às expectativas dos clientes de seu segmento”, explica a diretora de benchmark e tecnologia da J. D. Power, Kathleen Rizk. 

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Em maio, a maior empresa de consultoria automotiva do mercado norte-americano fez uma pesquisa com 84 mil pessoas que compraram um automóvel no primeiro trimestre deste ano – só para se ter uma ideia, a mais recente pesquisa presidencial do IPEA, que corresponde ao ex-IBOPE, ouviu 2.502 pessoas em todo o Brasil.

A chave digital que, entre outras funções, permite destravar as portas, acionar motor e climatização por meio do smartphone, recebeu uma das melhores notas dos consumidores de lá. Para aquele seu primo que “entende tudo de carro”, elas são uma banalidade.

Enquanto chave digital se populariza e testes revelam ineficiência de sistema automático de frenagem, à noite, Starbucks vira ponto de recarga

Mas para as montadoras são um verdadeiro dilema em termos de confiabilidade, apesar de este nicho ter uma estimativa de crescimento de US$ 640 milhões (o equivalente a quase R$ 3,3 bilhões), só nos próximos quatro anos. 

Pior, há sistemas que, apesar da promessa de maior segurança, são na verdade um fator de risco. Isso é o que aponta o Instituto norte-americano para Segurança Rodoviária (IIHS) em seu mais recente relatório: dos 23 modelos testados à noite, apenas quatro obtiveram pontuação máxima e outros quatro: Chevrolet Malibu, Honda PIlot, Nissan Altima e Toyota Tacoma, zeraram a prova.

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“A verdade é que os fabricantes equipam seus veículos com um sistema que funciona muito bem, durante o dia. Por alguma razão – eu apostaria nos custos – equipam seus modelos com um algo capaz de funcionar nas condições mais elementares”, pontua o presidente do IIHS, David Harkey.

Ele completa dizendo que: “É por isso e não por outra razão que mais de a metade dos automóveis que testamos, de forma independente, falhou ou esteve próximo de falhar, durante as provas noturnas”.  

Vale lembrar que nas avaliações diurnas, 19 dos 23 modelos testados obtiveram ótimos resultados. Apesar dos resultados decepcionantes, a TechNavio projeta que, até 2026, mais de 17 milhões de modelos serão equipados com este recurso.

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Apple tira o sono

Além de funcionar, a inovação também tem que ser prática, para ter aceitação. “A facilidade de uso é fundamental, mas as montadoras não costumam retardar a oferta de uma novidade, mesmo diante de uma rejeição inicial, para não ficarem em desvantagem frente à concorrência”, explica Kathleen Rizk, da J. D. Power. 

A executiva ainda ressalta que a rede de concessionários cumpre um importante papel para empurrar um opcional ou acessório. Eles são responsáveis deste o convencimento até de ensinar aos clientes como usá-los. 

“Curiosamente, o mesmo estudo que apontou a chave digital como uma novidade muito bem-vinda revelou que o destravamento biométrico é o sistema mais ineficaz. A cada 100 automóveis novos dotados com esta tecnologia, 54 apresentam problemas. Todavia, as montadoras seguem investindo em leitores de impressões digitais”, reitera Rizk. 

Quando se trata de novidade, o setor automotivo é um terreno de fertilidade intangível, prova disso é que 26% dos norte-americanos que acabam de comprar seu zero-quilômetro trocariam sua marca atual pela Apple – isso, mesmo, a Apple que fabrica o iPhone – na próxima aquisição. A mesma pesquisa aponta que 24% dos ouvidos ‘amam’ a Apple. 

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“O excêntrico aqui, para dizer o mínimo, é que a companhia não desenvolve e nem produz automóveis. Apesar disso, a impressão sobre a qualidade de um eventual ‘iCar’ supera todas as outras montadoras”, destaca o repórter tech da Bloomberg, Mark Gurman, comentando os resultados de um estudo anual da Strategic Vision, que ouviu 200 mil pessoas, nos Estados Unidos.

Ao que parece, a chegada da Apple como um novo competidor, neste segmento, tira mais o sono dos executivos das grandes fabricantes do que a crise dos semicondutores. E o próprio presidente da consultoria de pesquisas Strategic Vision, Alexander Edwards, chama atenção para um dado igualmente impressionante: 

“Nosso estudo revela que mais de 50% dos atuais clientes da Tesla considerariam trocar a marca de Elon Musk pela Apple”, destaca o executivo. 

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“Por enquanto, a Apple não tem um parceiro industrial que possibilite seu ingresso no segmento automotivo, mas a Foxconn – que faz seus iPhones – comprou da Lordstown Motors, uma startup que praticamente naufragou, uma fábrica em Ohio que, originalmente, pertencia à General Motors e onde ela pode produzir até 400 mil veículos por ano”, lembra Edwards.

Nunca é demais lembrar que a Apple pode apresentar, já em 2025, seu “iCar” que seria, em tese, totalmente autônomo.


Recarga e café

Os postos de combustíveis também terão que repensar seu negócio, porque as redes de varejo prometem entrar de sola na disputa por seus clientes. “Vamos disponibilizar carregadores Charge Point DC, de alta performance, em nossas lojas, ao longo de uma rota de 1.350 milhas (o equivalente a 2.200 quilômetros), nos EUA. 

A distância máxima de um ponto a outro será de 160 quilômetros e as estações poderão carregar até 80% das baterias de alguns EVs em apenas 30 minutos”, disse o diretor de sustentabilidade da Starbucks, Michael Kobori. 

“Em março deste ano, iniciamos a construção de 60 pontos de recarga em 15 pontos, entre Denver, no Estado norte-americano do Colorado, a Seattle, em Washington. Nossa cadeia é muito popular e uma alternativa real para uma rede ainda pequena”, complementou.

Embora os tempos de recarga das baterias estejam diminuindo, não há como compará-los à praticidade quase instantânea das bombas de combustível. “Os donos de EVs querem algo para fazer, enquanto as baterias recarregam e, independentemente de quanto isso demora, nossas pesquisas mostram que estas pessoas desejam, na verdade, um leque maior de opções durante cada sessão de recarregamento, algo conveniente e que preencha seu tempo de espera”, pontua o diretor executivo de mobilidade da J. D. Power, Brent Gruber. 

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“É óbvio que isso traz outras implicações, como espaço no estacionamento para acomodar as estações de recarga e ainda não está claro se elas serão, também, uma máquina de fazer dinheiro para os varejistas”, completa o diretor executivo. 

De qualquer forma, é mais um viés da virada da eletromobilidade que mostra o quanto o Brasil está atrasado e segue apartado das mais recentes transformações do setor automotivo – só o mercado de global recarga dos EVs é estimado em US$ 190 bilhões (o equivalente a quase R$ 1 trilhão), até 2030. Há, por aqui, uma omissão tão grande de todos os setores, que dá a impressão de que, no futuro, rodaremos em veículos movidos a lenha...


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