Fiat Argo: por que ele nunca repetiu o sucesso de Uno e Palio?

O Fiat Argo veio para substituir os irmãos Palio, Punto e Bravo, mas sua munição para brigar com os rivais sempre chegou atrasada.
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01.09.2022 às 08:27 • Atualizado em 05.09.2022
O Fiat Argo  veio para substituir os irmãos Palio, Punto e Bravo, mas sua munição para brigar com os rivais sempre chegou atrasada.

O ano era 2017, e a Fiat precisava substituir três modelos em um único golpe. Com Palio, Punto e Bravo cansados, um grande vazio surgiria na gama da marca italiana.

Contextualizando o mercado da época: esses três veículos abraçavam públicos diferentes, indo da galera do mercado de entrada à classe média, que comprava hatches compactos e médios completos. Logo, a Fiat teria que fazer mágica para trazer um produto que navegasse entre esses mundos, sem perder posicionamento de mercado.

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Para tanto, foi desenvolvida a plataforma MP1, uma evolução da plataforma do Punto, com um incremento de rigidez, utilizando aço de ultra alta resistência. O que isso quer dizer? Mais segurança ao modelo e uma melhoria sensível na dinâmica do veículo, com melhora das respostas da plataforma aos esforços.

Esse projeto brasileiro foi moldado para ser mais sofisticado, ou ao menos parecer ser. A Fiat buscou inspiração visual para o Argo no Tipo europeu, evitando mais uma vez por aqui o uso do nome que põe fogo na memória do brasileiro, com o perdão do trocadilho infame. 

O Fiat Argo  veio para substituir os irmãos Palio, Punto e Bravo, mas sua munição para brigar com os rivais sempre chegou atrasada.

Fiat Tipo, clara inspiração para o design do Argo

Outra novidade que o Argo trouxe foi o motor Firefly. Apresentado à época com a promessa de aposentar gradualmente o veterano Fire, fato que acabou não se concretizando. Esse propulsor, diferente dos concorrentes, traz somente duas válvulas por cilindro, com a promessa de maior torque em baixas rotações, o que privilegiaria o consumo sem prejudicar o desempenho. 

Os propulsores vêm em dois tamanhos: 1 e 1,3 litro, sendo o primeiro com três e o segundo com quatro cilindros. Ambos possuíam exatamente as mesmas especificações de diâmetro e curso de pistões, facilitando e barateando a produção. Os números, considerando etanol e gasolina, eram 77/72 cv e 10,9/10,4 kgfm no 1.0 (respectivamente com etanol e gasolina); 109/101 cv, e 14,2/13,7 kgfm no 1.3. 

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O portfólio ficava completo com o já conhecido motor E-torq 1.8 16v, de 139 cv e 19,3 kgfm, que podia ser casado com uma caixa manual de cinco ou uma automática de seis marchas da Aisin. Ambas as opções estavam disponíveis na belíssima versão HGT, que remetia às siglas esportivas da Fiat (não que fosse o caso desse Argo).

Aliás, falando em design do HGT, o Argo apresentou linhas muito legais, com identidade agressiva, e um interior muito bem caprichado, alinhado à proposta de substituir veículos de nível superior. 

Diante de seus concorrentes, o espaço interno para as pernas era superior e, além da arquitetura sofisticada, ele saia de linha com Isofix, start/stop e ar digital, entre outros itens, que nem nas versões topo de linha estavam disponíveis nos concorrentes.

O Fiat Argo  veio para substituir os irmãos Palio, Punto e Bravo, mas sua munição para brigar com os rivais sempre chegou atrasada.

Interior da versão HGT automática: acabamento e requinte de sobre para a faixa de mercado

Mas nem tudo são flores… A fabricante, mesmo depois de anos utilizando o terrível câmbio Dualogic, resolveu insistir em casar ele ao moderno Firefly, rebatizando a transmissão de GSR para tentar mais uma vez vender o conjunto. Obviamente, o público não curtiu, e o modelo perdeu vendas para os concorrentes que tinham câmbios mais racionais e eficientes. 

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No Argo, o Dualogic rebatizado possuía comandos por botões. O sistema, inspirado em carros da Ferrari mas que na prática mais lembrava os fliperamas da década de 1990, havia sido lançado por aqui no Uno Sporting alguns anos antes.

O Fiat Argo  veio para substituir os irmãos Palio, Punto e Bravo, mas sua munição para brigar com os rivais sempre chegou atrasada.

O temível Dualog..., ops, GSR

Em 2018, fiz um test drive em um Fiat Argo HGT. Meu objetivo era experimentar a versão manual, porém, por indisponibilidade da concessionária, acabei tendo que andar no automático. Era um dia de muito calor em Brasília e o modelo era o mais completo, um azulão lindo! 

Custava mais que um Renault Sandero RS, juro! O italianinho tinha de tudo, mas, ao tirá-lo da imobilidade, o brilho acabou… O câmbio tentava fazer o pobre coitado do E-torq render tudo que ele tinha para entregar, mas havia três pessoas no carro) e, peraí: cadê os 139 cv?

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Pisa tudo e nada… Tentei um retorno rápido e até achei que o comportamento dinâmico era bom, não apresentando rolagem excessiva, sem sustos. Entretanto, o desempenho não me empolgou. 

Minha outra experiência com o Argo aconteceu há alguns meses. Pegamos emprestado um Argo 1.3 GSR para gravação para o canal do Perda Total. Esse eu tive um tempo maior de contato e pude explorar mais as qualidades do carrinho. Embora com menos potência, o peso menor do conjunto ajudava a sensação a bordo do veículo e a dinâmica, e gostei mais do conjunto.

Os acabamentos não eram tão caprichados quanto os da versão topo de linha, porém bem adequados a uma intermediária. A única falta que senti foi de uma regulagem de profundidade do volante. O Câmbio não me decepcionou, porque eu já esperava que ele fosse ruim. Se você espera que um automatizado mono embreagem seja bom, eu tenho uma péssima notícia para você…

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Não falta motor, mas também não sobra. O carro é honesto, e o computador de bordo apresentava consumo de 15,8km/l. Meu veredito é: com transmissão manual, vale a pena. Automatizado, não.

Em suma, o Argo veio para ser um x-tudão e substituir numa tacada só quase todos vários hatches da Fiat (exceto o novo Uno). A Fiat fez isso num timing errado e perdeu uma bela fatia de vendas por um atraso em lançar um motor casado a um câmbio melhor, ou adotar um motor turbo logo de cara.

Enquanto isso, Onix, HB20, Sandero, Polo vendiam mais, simplesmente por ter soluções mais alinhadas ao mercado. A última esperança de um novo posicionamento de mercado como um realinhamento no segmento de hatch pequeno (onde ele deveria ter ficado desde sempre) veio com o recente anúncio de seu remodelamento. 

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Mas, novamente a montadora subestima seu potencial não trazendo um câmbio automático, mesmo tendo um powertrain pronto no Pulse 1.3. O objetivo é justamente não canibalizar com o Pulse, mas limita o potencial de um produto criado inicialmente para estar acima acima do que existia no mercado.

Na minha opinião, o Argo seria um excelente carro, com uma proposta moderna, se tivesse sido lançado em 2012. À época, os motores E-torq eram modernos e tinham gordura para queimar, os hatches ainda eram o tchan do mercado e o Argo HGT teria desempenho similar ou superior aos concorrentes 1.6, mesmo com peso astronômico. 

Quando a Fiat lançou a última geração do Palio, no início da década passada, perdeu a oportunidade de estar à frente do mercado, como fez nos anos 1990. E agora? Nos resta esperar para ver o que o futuro dos carros de entrada reserva para a fabricante italiana. 

Imagens: Divulgação

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.

William Marinho, engenheiro mecânico e entusiasta do mundo automotivo

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