EREV: o truque que faz elétricos gigantes terem autonomia de até 1.400 km

Velha conhecida categoria de veículos elétricos que usa motor a combustão como gerador está ganhando popularidade na China
HG
Por
23.10.2023 às 11:59
Velha conhecida categoria de veículos elétricos que usa motor a combustão como gerador está ganhando popularidade na China

Alguns lançamentos chineses têm chamado atenção com a promessa de mais de 1.200 quilômetros de alcance, algo realmente impressionante para veículos elétricos que, todos sabem, ainda têm na autonomia limitada uma desvantagem em relação aos modelos convencionais, equipados com motores a combustão interna.

Por trás de números que chegam a 1.400 km de alcance, há uma verdadeira sopa de letrinhas que pouca gente consegue decifrar, mas que explica muito bem como esses valores são obtidos.

Você também pode se interessar por:

Os tipos de veículo híbrido e elétrico no mercado


Hoje, os veículos eletrificados são divididos em duas classes dominantes e outras minoritárias. Os híbridos podem ser: leves (MHEV), usando apenas um superalternador e uma bateria de 12 a 48 Volts para dar partida no motor ou alimentar o sistema elétrico; plenos (HEV), que combinam o motor tradicional a um motor elétrico auxiliar; ‘plug-in’ (PHEV), com bancos de bateria mais robustos, modo exclusivamente elétrico de condução e recarga externa.


Já os elétricos pode ser, por exemplo, por célula de combustível (FCEV), como o Toyota Mirai. Por enquanto, os únicos elétricos devidamente popularizados são os movidos a bancos de bateria (BEV), recarregáveis apenas por tomadas de energia externas. Somados, os híbridos e elétricos já respondem por quase 20% das vendas globais de automóveis e comerciais leves. Porém, a autonomia ainda é um nó górdio do segmento.


Os elétricos EREV

É por isso que há um tipo de veículo elétrico vem ganhando destaque no mercado: os EREV (veículos elétricos de autonomia estendida, na tradução da sigla em inglês). Eles utilizam um motor a combustão como gerador de energia para o sistema elétrico, sem capacidade de propulsionar as rodas.

“O alcance limitado ainda é uma barreira para o sucesso comercial dos elétricos, mas estudos mostram que a maioria dos trajetos diários é inferior ao alcance das baterias. Neste sentido, os extensores de autonomia satisfazem todas as necessidades cotidianas de mobilidade, inclusive nas viagens ocasionais de longa distância”, pontua o professor (PhD) Peter Vortisch, do Instituto de Tecnologia de Karlsruhe (KIT), da Alemanha.


Nesta semana, os jornais chineses confirmaram que a Stellantis anunciará, em breve, um contrato com a Zhejiang Leapmotor Technology para uso, sob licença, da plataforma Leap 3.0, uma base para veículos elétricos de alcance estendido, para acelerar a eletrificação de suas marcas. Mas qual a diferença, na prática, entre um carro híbrido e um EREV?

A resposta é simples: enquanto nos carros MHEV, HEV e PHEV os propulsores operam independentemente ou combinados, com ambos fornecendo tração para as rodas, de acordo com a demanda de força, nos EREV o motor a combustão interna se limita à recarga das baterias. Ou seja, a força motriz do veículo é sempre e exclusivamente elétrica – não há conexão entre o motor térmico e a transmissão.

Em função disso, seu pacote de baterias tem uma capacidade média de 45 kWh, consideravelmente superior à dos híbridos ‘plug-in’, garantindo até 250 quilômetros de autonomia no modo elétrico (caso do recém-lançado Leapmotor C01). O motor gerador garante a extensão desse alcance para acima de 1.000 km.


“Uma maioria crescente de motorizações híbridas são, na verdade, híbridos de série, em que o motor a combustão apenas recarrega a bateria e nunca aciona as rodas”, pontua o presidente da consultoria de tecnologias emergentes IDTechEX, Peter Harrop. Quem já dirigiu um BMW i3 REX no Brasil sabe que essa tecnologia, na verdade, nem é tão nova assim.

Porém, agora o conceito está sendo usado para garantir autonomias surreais a novos SUVs elétricos chineses gigantes. Um exemplo é o grandalhão Stone 01, com mais de 5 metros de comprimento, potência acima de 470 cv e tração integral, capaz de acelerar de 0 a 100 km/h em 5,5 s e rodar 1.100 quilômetros entre uma recarga e outra.

Esses lançamentos conseguem tal proeza da seguinte forma: suas baterias ternárias (NMC) de 56 kWh são suficientes para cobrir 235 km, autonomia que é estendida em quase 900 km pela recarga embarcada de um motor turbo a gasolina, e um tanque de combustível de 70 litros! Nada mau para um colosso de 3,2 toneladas, mas o leitor deve estar se perguntando que tipo de elétrico é este que não significa a alforria do posto de combustíveis, não é mesmo?


Elétrico EREV vs híbrido PHEV

Bom, para quem percorre uma média diária de menos de 100 quilômetros, basta recarregar as baterias de dois em dois dias, em uma tomada de energia externa – da mesma forma que faz o dono de um PHEV – que o extensor de autonomia sequer será ativado.

“Antes de 2040, teremos mais de 40 categorias de veículos elétricos e isso não se resume às quatro rodas. No futuro, existirão aeronaves militares elétricas que permanecerão no ar durante cinco anos, sem terem que aterrissar para recarga das baterias”, projeta Peter Harrop, da IDTechEX.

Na prática, os EREV trazem consigo uma solução insofismável para a questão do alcance. Com um desses, não há dúvidas de que você chegará mais longe do que a bordo de qualquer modelo convencional, seja ele um sedan, um SUV ou uma picape.

Havendo uma bomba de gasolina para encher o tanque, são quase 900 km de alcance adicionais à carga disponível nas baterias – lembrando, sempre, que seu motor térmico não envia torque para as rodas, mas, apenas e tão somente, gera energia para recarga das baterias.


“Em 2025, vamos concluir um estudo de campo, na área metropolitana de Stuttgart – terra natal da Mercedes-Benz e da Porsche – que vai identificar diferentes padrões de uso dos EREV e apontar seus impactos, inclusive, na rede elétrica pública. Os resultados serão usados para avaliação de aspectos ambientais e em políticas de transporte”, conta o professor Peter Vortisch, do KIT. Bom, mas se os EREV são uma espécie de híbrido ‘plug-in’ às avessas, qual vantagem há neles em relação aos PHEVs?

A resposta é simples: eficiência e preço!

Por ser, tecnicamente, um veículo elétrico, os EREV se enquadram em uma categoria tributária mais baixa, o que se reflete no menor valor de aquisição. E pelo fato de não haver conexão entre seu motor a combustão e a transmissão, há uma economia construtiva. Não é preciso, por exemplo, ter uma caixa de câmbio.

Isso sem falar na faixa de operação mais eficiente em que o propulsor térmico opera, constantemente – já que seu regime de operação não sofre alterações em função das condições de rodagem. Sua única funcionalidade é gerar energia para as baterias. Some a isso o fato de os EREV serem mais potentes que os modelos PHEV.

Elétrico de autonomia estendida – Vantagens e desvantagens


Pode parecer que estamos diante do “ovo de Colombo”, mas tudo neste mundo tem seu lado bom e seu lado ruim. É que, por conta do arranjo de seu trem de força, os elétricos de alcance estendido são, majoritariamente, grandes e pesados, o que os mantêm apartados de compactos e populares.

Seu motor elétrico e seu gerador pesam, juntos, cerca de 300 kg, o que, em 90% do tempo de uso, são um peso morto. E, enquanto os veículos elétricos puros têm custo de manutenção baixíssimo, aqui os gastos são praticamente os mesmos de um HEV ou PHEV.

Há, ainda, a questão do espaço. Afinal, um tanque de combustível – mesmo que tenha capacidade bem inferior a 70 litros – acaba reduzindo o volume de carga no porta-malas. Também devem ser levadas em conta todas as questões de certificação e segurança.

“No tópico ambiental, é importante frisar que as emissões dos EREV são as que mais caem, respondendo bem em todas as faixas de uso e tornando esta categoria uma boa solução para o futuro”, sublinham os pesquisadores Haoyi Zhang, do Instituto Automotivo da Universidade Tsinghua, em Pequim, e Zong Wei Liu, da Faculdade de Administração do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) norte-americano.

“Lembrando que, em termos de regulação, os elétricos de autonomia estendida são considerados veículos de novas energias (NEV), enquanto os híbridos puros (HEV) não se enquadram nesta classificação por seguirem dependentes de combustível para operarem”, continuam.

De qualquer forma, os EREV que, no passado, tiveram uma primeira geração marcada pelo Chevrolet Volt e pelo BMW i3, chegam à segunda geração promovendo uma ofensiva no mercado chinês – o maior do mundo – onde, só neste ano, contabilizamos pelo menos oito importantes lançamentos. SWM Big Tiger EDi; Leap C11; Li Auto L8 Air e L9 Pro; Hozon Neta S; BAW Stone 01; JV Deepal S7; além do aguardadíssimo SUV da Rox que vai colocar ninguém menos que Xaiomi na virada da eletromobilidade.

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto

Comentários