Carros vendidos no Brasil são realmente caros?

Brasileiro reclama do valor dos carros, mas será que na Europa é diferente
RM
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15.02.2024 às 21:00
Brasileiro reclama do valor dos carros, mas será que na Europa é diferente

Sabe aquelas reclamações que são proferidas em coro? Todo mundo se queixa da mesma coisa? Pois isso é o que ocorre com os preços dos carros zero km no Brasil. Mas será mesmo que há uma distorção nos preços dos veículos vendidos por aqui? Nada melhor do que compará-los a outros países. Vejamos.

Simples assim: VW Polo 200 TSI, na versão Highline. Está lá no site da Volkswagen: R$ 118.990. Ao converter esse valor para dólares, e aqui vamos adotar o câmbio de R$ 4,97 (média da primeira quinzena de fevereiro), chegaremos ao montante de US$ 23.941. Na Espanha, esse mesmo Polo – lá chamado de R-Line – sai por £ 30.375, que equivalem a US$ 32.697 (R$ 162.608).

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Tributação de carros na Espanha

A tributação que incide sobre um automóvel vendido na Europa varia de 16% a 18%. Na Espanha, ela é de 17,3%. Ao extrair esse percentual do preço final do carro, o valor sem imposto cai para US$ 27.875 (R$ 138.628).

Atenção: a conta não é 17,3% descontados do preço final, mas sim calculados sobre o valor final do veículo (custo + margem). Caso você aplicar 17,3% sobre US$ 27.875, dá exatamente US$ 32.697 (R$ 162.608).

Como é a tributação de carros no Brasil?

No Brasil, a tributação para modelos com motores 1.0 é de 24,7%, de acordo com a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), entidade que representa as montadoras. Subtraindo o imposto, portanto, o Polo custa US$ 19.199 (R$ 95.480). É o mesmo carro. Mas que, aqui, rende R$ 43.266 a menos.

É um fato inquestionável: a VW do Brasil recebe pouco mais de US$ 19 mil (R$ 94.490) em cada Polo que é vendido. Com esse dinheiro, ela vai pagar matéria-prima, empregados, despesas operacionais etc. Já a VW Espanha embolsa quase US$ 28 mil (R$ 139.249) quando vende o seu hatch.

Quando você analisa modelos importados, o panorama não é muito diferente. Veja o caso do Ford Bronco. Seu preço de lista é R$ 252.790. Para carros importados, a carga chega a 40% (arredondando-se). Isso quer dizer que ele chega para a Ford Brasil por cerca de R$ 180.500, o que dá US$ 36.318. Lá no mercado americano, o valor sugerido para a venda dessa versão do SUV da Ford é em torno de US$ 42 mil (R$ 208.874).

Só que o imposto nos EUA é de 7%. Tirando os impostos, portanto, cai pra US$ 39,3 mil (R$ 195.446). Cerca de US$ 3 mil a mais do que a filial brasileira fatura na venda de seu modelo.

Não estou aqui defendendo a Volkswagen. Nem a Ford. Ou qualquer outra marca. Até mesmo porque há o outro lado dessa história: poucos setores são tão privilegiados quando anunciam um novo investimento em uma fábrica: cede-se um terreno aqui, promete-se a reforma de um porto ali ou se suspende a cobrança de impostos estaduais acolá.

E isso sem contar a proteção à concorrência. Como exemplo as recentes barreiras criadas contra híbridos e elétricos, que elevaram a tributação desses modelos com o propósito de proteger a indústria local. E diga-se: o curioso é que foi instituída uma proteção a fim de permitir que as montadoras nacionais “tivessem tempo” de aprenderem a lidar com essa tecnologia e passassem a fabricá-la por aqui.

Mas... você já percebeu que TODAS as marcas que fabricam carros no Brasil são multinacionais? As fábricas da HPE (Mitsubishi) e da Caoa são as exceções que confirmam a regra, pois foram erguidas com capital de empresários brasileiros, embora montem produtos de marcas de fora.

É diferente de quando a França protege seus agricultores ou o Japão impõe barreiras para marcas importadas competirem em seu mercado. Vou arriscar aqui um palpite bem polêmico, mas que tal preocupar-se prioritariamente com os empregos e a saúde financeira de concessionárias de veículos ao estabelecer políticas tributárias, quaisquer que sejam, do setor automotivo?

Além de serem empresas quase que totalmente comandadas por brasileiros, elas empregam um volume muito maior de trabalhadores que os próprios fabricantes. Mas enfim. Hoje a discussão é permeada por preço de carro e margem de lucro.

Só quero ressaltar que a gente precisa direcionar nossa insatisfação ao que verdadeiramente é distorcido no Brasil: a carga tributária. Se fosse menor, os carros poderiam ser mais acessíveis. Quando você olha a estruturação de custos e percebe que a montadora ganha menos no Brasil do que na Europa ou nos EUA, não dá para argumentar que “as margens são altas”.

Podemos discutir a falta de poder aquisitivo do brasileiro, o acesso ao crédito e até os custos seguintes que serão inerentes à propriedade do veículo, como IPVA, combustível, manutenção etc. Dá para esbravejar em cima de tudo isso e buscar soluções que auxiliem no aumento dos volumes de vendas.

A gente só não pode (mais) dizer que carro, no Brasil, é caro porque o fabricante ganha muito. Aliás, vale a comparação com o seu negócio, seja ele qual for: a margem líquida nas montadoras de veículos varia de 7% ou 8% até 15 ou 16% em alguns segmentos específicos.

Imagine que você tem uma fábrica gigantesca, invista uma fortuna em engenharia, precise selecionar centenas de fornecedores, treine sua mão de obra, organize uma logística complexa de chegada de componentes, abasteça a linha de montagem, imponha seu controle de qualidade... Daí você finaliza a produção do bem, programa outra fase complicadíssima de logística de distribuição nos concessionários de todo o país. Cria o plano de Marketing, avalia as promoções dos concorrentes, monta a sua, corrige, reinveste, paga uma pancada de impostos diferentes. Finalmente, o concessionário vende o carro. E o que te sobra, ao final de toda essa jornada, é só 10%?

 

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