Por que indústria de carros brasileira parou e está à beira do colapso

Falta de crédito, preços dos veículos nas alturas e queda da renda da população nos últimos anos são a receita de um setor que está paralisado
LF
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21.03.2023 às 08:14
Falta de crédito, preços dos veículos nas alturas e queda da renda da população nos últimos anos são a receita de um setor que está paralisado

Quando Márcio de Lima Leite, atual presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), anunciou uma projeção de crescimento de apenas 4% para o setor automotivo brasileiro em 2023, mesmo após uma sequência de anos muito ruins desde 2020, muita gente estranhou tamanho comedimento.

Afinal, a pandemia já havia passado, a crise no fornecimento de semicondutores e outras matérias-primas idem, o governo estava para mudar e a impressão que se tinha no fim do ano passado era a de que “agora vai”. Só que esse “ir” é um processo mais difícil do que parecia, porque depende de um cenário mais amplo do que o simples mercado de carros.

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Falta de crédito, preços dos veículos nas alturas e queda da renda da população nos últimos anos são a receita de um setor que está paralisado
Stellantis paralisou produção da Jeep e da Fiat Toro em Goiana (PE)

Não há como acreditar que anos de arrocho do poder aquisitivo da população, endividamento de quase 70 milhões de brasileiros, juros altos e uma pandemia não iriam cobrar sua fatura. Parte da conta está vindo agora no começo de 2023.

No fim de fevereiro, a Volkswagen já havia paralisado todas as suas linhas de montagem nacionais e dado férias coletivas a milhares de funcionários. Agora, GM (General Motors), Stellantis (grupo ao qual pertencem Fiat, Jeep, Ram, Peugeot e Citroën, entre outras marcas) e Hyundai anunciaram a suspensão produtiva temporária.

A mesma Stellantis encerrou o segundo turno de produção em Porto Real (RJ), planta responsável pelo fabrico de veículos das duas marcas francesas da extinta PSA, Peugeot e Citroën.

Não se engane. Desta vez, a medida tem muito menos a ver com falta de peças e mais com a sobra de carros em estoque, tanto nas fábricas quanto nas concessionárias. Há tempos que obter crédito para comprar um automóvel não vinha sendo tão difícil, a ponto de menos de um terço das vendas de nosso mercado serem através de financiamento.

Isso em um país no qual um carro costuma representar mais de 100 vezes nosso salário mínimo, cerca de dez vezes mais que nos Estados Unidos, conforme comparamos neste outro artigo. Ou seja, apenas uma pequeníssima parcela de nossos mais de 200 milhões de habitantes consegue bancar à vista o sonho (ou seria privilégio?) do carro zero.

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Falta de crédito, preços dos veículos nas alturas e queda da renda da população nos últimos anos são a receita de um setor que está paralisado
Fábrica da GM em São José dos Campos (SP) também entra em férias coletivas

Tanto que outras fabricantes, como a Honda, já vêm promovendo paradas pontuais e mais discretas de sua produção a fim de evitar que os estoques fiquem cheios demais e os preços de seus produtos se depreciem por demasiado.

Se a lei da oferta e demanda é axiomática dentro da lógica econômica, a indústria de carros manobra para evitar o excesso de demanda, em uma espécie de sacrifício auto protetivo, a fim de evitar que seus carros percam mais valor do que ela seria capaz de suportar. 

Parece uma medida injusta para o consumidor (e é), mas os donos do capital estão vacinados contra isso desde a crise de 1929, quase 100 anos atrás. E, mesmo assim, concessionárias vêm oferecendo modelos como Jeep Renegade, Compass e Commander, ou Fiat Toro, com descontos generosos.

E como sair desse buraco? Não há mágica: o país precisa voltar a estimular empregos de qualidade e com remuneração digna; as famílias de classe média e média-baixa precisam ter o mínimo de poder de compra para arcar com um Renault Kwid a R$ 70.000 ou um VW Polo Track a R$ 80.000. É um projeto de curto, mas também de médio e longo prazo.

E, obviamente, o crédito precisa ser mais barato e acessível. Enquanto esse cenário macroeconômico não mudar, seguiremos com um mercado estagnado e dependente de vendas à vista ou para frotas, com pátios encalhados e capacidade produtiva ociosa. E novas paralisações das linhas de montagem, claro.

Talvez a Anfavea não tenha sido tão conservadora demais em sua previsão para o mercado deste ano...

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