Os novos e inesperados obstáculos para implantação do carro autônomo
A condução autônoma acaba de sofrer dois grandes reveses nos Estados Unidos. A Primeiro, a Tesla confirmou que removerá os sensores ultrassônicos de Model 3, Model Y, Model S e Model X a partir deste mês, deixando seus recursos de segurança e assistência, nominalmente o AutoPilot, apoiados apenas em câmeras.
“Depois de dar dois passos à frente, a marca agora dá um para trás”, avalia o professor de engenharia computacional da Universidade Carnegie Mellon, de Pittsburg, Raj Rajkumar, destacando que não há como a inteligência artificial operar sem scanners 3D, como o LiDAR.
Já na Califórnia, um grupo com 92 signatários, entre departamentos de trânsito e prefeituras norte-americanas, pede à Administração Nacional de Segurança Rodoviária (NHTSA) que negue pedidos de licença feitos pela Ford e pela General Motors para operação de 2.500 veículos autônomos nas estradas do país.
A Associação de Gestão do Transporte Urbano (Nacto) de lá se opõe, terminantemente, ao que vê como uma isenção temporária em relação à legislação federal de proteção viária, que seria dada a ambas as montadoras.
Para o leitor brasileiro, que vive na “Idade da Pedra” da automação veicular, o assunto pode parecer complicado e até mesmo desinteressante, mas enquanto o Brasil segue suspenso numa disputa eleitoral, como se a eleição deste ou daquele presidente tivesse o condão mágico de devolver a competitividade à nossa combalida indústria, o setor automotivo segue sua marcha adiante.
“Os investimentos globais em produção e infraestrutura para veículos autônomos já ultrapassou a casa dos US$ 200 bilhões (o equivalente a mais de R$ 1 trilhão) e, assim que as frotas comerciais iniciarem a mudança, haverá um efeito dominó”, prevê o diretor da Tata Communications, Vinod Kumar.
Enquanto dormimos em berço esplêndido, o mundo se movimenta e o movimento que vemos, nos EUA, põe em xeque as expectativas de as três mais prestigiadas montadoras daquele país – Tesla, GM e Ford – iniciarem as vendas de carros com níveis 3 e 4 de automação, na escala SAE.
Se, na Tesla, o trilionário Elon Musk garante que pode alcançar autonomia total apenas com câmeras, para a GM trata-se de uma ducha de água fria nos planos da Cruise, subsidiária que acaba de receber investimentos de US$ 5 bilhões (o equivalente a quase R$ 27 bilhões) para a validação, pré-produção e lançamento comercial do Origin, primeiro produto de sua gama de ‘self-driving taxis’.
“A NHTSA vai examinar cuidadosamente cada petição, dando prioridade absoluta à segurança, à equidade e ao meio ambiente”, já havia adiantado o ex-diretor do órgão, Steven Cliff, quando das requisições das marcas.
No caso da Tesla, o impacto da supressão dos sensores ultrassônicos não vai incapacitar o AutoPilot. “É uma tecnologia que, basicamente, controla as funções do assistente de estacionamento (Park Assist), que ficarão, temporariamente, limitadas”, pontua outro professor da Universidade Carnegie Mellon, Philip Koopman.
“O que Elon Musk omite é o fato de estes sensores ultrassônicos operarem com redundância, tornando o AutoPilot à prova de falhas na hora de uma mudança de faixa, por exemplo”, sublinha Koopman. A remoção começa por Model 3 e Model Y, já neste mês, e seguirá no Model S e no Model X em 2023.
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Comprometimento ou forçação de barra?
No caso da GM e da Ford, a Nacto alerta para aquilo que chama de “forçação de barra”, se referindo à necessidade inadiável de novas leis que estabeleçam, definitivamente, uma regulação para os veículos autônomos nos EUA.
Os poderes executivos de grandes metrópoles, como San Francisco, Detroit e Phoenix, também destacam que os pedidos de Ford e GM não atendem os requisitos legais para concessão de qualquer tipo de licença, mesmo que temporária, ou isenção.
“Conforme descrito em nossa petição, o sistema autônomo de condução da Ford substitui o motorista com um padrão de segurança que, em termos de confiabilidade, permite que a licença prevista em lei nos seja concedida”, afirma a diretora global de segurança automotiva da marca, Emily Frascaroli, contrapondo o manifesto.
Frascaroli só não disse que a Ford pediu a “desconsideração” de nada menos que sete exigências de segurança para autônomos que, segundo a marca, seriam usados em compartilhamentos de viagem e serviços de entregas. “A regulação atual é uma barreira aos modelos autônomos, já que têm por base a exigência de condutores humanos”, acrescentou a executiva.
Já a GM pede que a NHTSA a isente de cumprir seis exigências legais, mas garante que, ao fazê-lo, o órgão não apenas permitirá o lançamento do Orign, seu primeiro autônomo, “como também se beneficiará dos relatórios de operação do modelo para apoiar seus estudos sobre o futuro do transporte e até mesmo a aceitação pública deste tipo de veículo”.
Em junho, um carro autônomo operado pela Cruise, subsidiária de mobilidade autônoma da própria GM, envolveu-se num acidente em San Francisco, ferindo duas pessoas. “A NHTSA poderá aferir os benefícios de sustentabilidade e acessibilidade desta tecnologia”, disse o presidente-executivo da empresa, Kyle Vogt.
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Sustentabilidade “de goela”
O grande problema para a General Motors é que, aqui, os analistas mais céticos veem que ela não consegue cumprir nem mesmo o compromisso assumido com o Fundo norte-americano de Defesa Ambiental (EDF), de se tornar uma montadora verde.
“Nossa recomendação ao órgão regulador foi para o estabelecimento de uma meta em que 50% dos modelos zero-quilômetro vendidos nos Estados Unidos em 2030 tivessem emissão zero, mas a GM não cumpriu suas promessas”, revelou o diretor do Centro californiano para Diversidade Biológica (CBD), Dan Becker.
“Em sentido contrário, apoiou a decisão do ex-presidente Donald Trump de encerrar a questão sem qualquer definição governamental. A companhia renegou o combinado e, a meu ver, ela quer ser vista como um fabricante de carros limpos, mas isso não é verdade”, completa.
Por seu lado, a GM garante que gastou quase todo o orçamento de US$ 35 bilhões (o equivalente a R$ 182 bilhões) previstos para o lançamento de nada menos que 30 veículos elétricos até 2025.
“Estamos comprometidos e nossos planos estão alinhados com nossos produtos. Prova disso é que o Bolt já está nos concessionários Chevrolet há seis anos”, assegura a diretora de sustentabilidade da gigante norte-americana, Kristen Siemen.
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“Queremos apenas que o governo nos dê regras claras para a eletrificação de nossa gama, que tem que abranger vários segmentos, além de todas as faixas de preços”, acrescenta.
O histórico da empresa, contudo, não inspira tanta confiança assim em alguns especialistas: “É uma montadora que se opôs, ferozmente, a padrões rígidos de emissão no passado. Escutamos suas promessas, mas não acreditamos nelas”, diz o diretor do Programa de Transporte Limpo da Universidade do Sul da Califórnia (USC), Dan Anair.
“Precisamos apertar o cinto, porque só isso é capaz de fazer as montadoras se adequarem. Em 2011, a GM se comprometeu a não questionar a isenção dada pelo governo federal à Califórnia para a definição de limites mais rigorosos de emissões, mas, em 2021, a companhia se juntou a Trump e voltou atrás em sua palavra”, lembra.
Fato é que o governo de Nova York sancionou uma lei, publicada em agosto, que obriga todos os veículos vendidos no Estado a serem híbridos plug-in ou elétricos até 2035.
“Teremos regras anuais decrescentes já a partir de 2026”, anunciou a governadora Kathy Hochul. Enquanto isso, o Brasil segue suspenso numa disputa entre a dúvida e o neofascismo, como se a eleição deste ou daquele presidente tivessem o condão mágico de devolver a competitividade à nossa combalida indústria.
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Intel fará IPO da Mobileye
De volta aos AVs, a titânica Intel entrou com pedido de oferta pública inicial (IPO) para sua subsidiária de direção autônoma, a Mobileye Global, na contramão do mercado americanos de ações, que tem o pior cenário para novas listagens desde a crise financeira de 2010.
A empresa não divulgou o planejamento apresentado para a Comissão de Valores Mobiliários (SEC) dos EUA, mas sabe-se que seguirá com o controle da Mobileye. Estima-se que a companhia levante US$ 30 bilhões (o equivalente a mais de R$ 155 bilhões) com a IPO, menos do que foi estimado inicialmente pela Bloomberg, mas, ainda assim, seria uma das maiores ofertas iniciais de 2022.
“Hoje, temos 3.100 colaboradores e um arquivo com dados coletados em 8,6 bilhões de milhas (o equivalente a quase 14 bilhões de quilômetros) em oito regiões globais”, pontua o presidente-executivo (CEO) da Intel, Pat Gelsinger. Não à toa, os resultados financeiros da Mobileye são melhores, proporcionalmente, que os da própria Intel.
Prova de sua relevância no segmento de autônomos é que o EyeQ – microchip que engloba unidade de processamento central (CPU), interfaces de memória e armazenamento secundário, dispositivos de entrada e saída –, dedicado a funções de assistência e direção autônoma, já vendeu mais de 117 milhões de unidades.
Como o leitor pode ver, e para além do estágio neolítico em que nos encontramos em termos civilizatórios e industriais, a Economia mais poderosa do mundo prepara o terreno para uma transformação completa nos transportes pessoais, coletivos e de cargas.
A impressão que dá, vendo a completa omissão de todos os brasileiros, da população à classe política, é que nosso futuro será no lombo de burros, em charretes, nos carros de boi.
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
Imagens: Divulgação/Ford
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Jornalista Automotivo