Como vive o ex-CEO brasileiro da Renault-Nissan que fugiu da prisão

“Comparado à maioria, não tenho do que reclamar, mas perdi uma parte muito grande do que havia economizado”, diz Carlos Ghosn em tom franciscano
HG
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21.02.2022 às 10:12 • Atualizado em 24.02.2022
“Comparado à maioria, não tenho do que reclamar, mas perdi uma parte muito grande do que havia economizado”, diz Carlos Ghosn em tom franciscano

“A verdade é que o fabricante nº 1 do mundo se apequenou e, hoje, é frágil. Me entristece ver que a Renault é apenas uma sombra daquilo que foi, outrora. Foi risível ver todos me culpando pelas dificuldades que Renault e Nissan enfrentam desde a minha prisão”. 

Com estas palavras, o ex-todo-poderoso da indústria automotiva mundial, libanês nascido no Brasil que também tem nacionalidade francesa, Carlos Ghosn, saiu da toca e concedeu uma entrevista ao jornal francês “Le Parisien”. 

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Do palacete em que mora, em Beirute (capital do Líbano), afirmou ao periódico francês que “neste momento”, o grupo Alliance – grupo que reúne Renault, Nissan e Mitsubishi, além de suas marcas subsidiárias, Infiniti, Dacia, Lada, Alpine, Datsun e Venucia – tem “muito discurso, mas resultados medíocres”.

E reafirmou que sua fuga do Japão, onde enfrentava uma duríssima acusação de fraude fiscal e aguardava julgamento de seu processo em prisão domiciliar, foi uma atitude certa: “Faria de novo, sem hesitação”.

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Ghosn diz que, hoje, a única coisa que lhe importa é restaurar sua imagem. “Quero contar minha história, porque houve muita manipulação da opinião pública sobre quem eu sou e o que eu fiz”, declarou humildemente aquele que, em um passado de poder, fechou cinco fábricas e suprimiu 21 mil postos de trabalho. 

“Você não passa pelo que eu passei sem evoluir e amadurecer com o trauma. É óbvio que, hoje, dou prioridade à família”, acrescenta em tom franciscano o ex-executivo que, no início dos anos 2000, ganhou o apelido de “Matador de Custos”, pela habilidade reduzir as despesas ao mínimo e elevar os lucros ao máximo.

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Sobre a crise que tirou a aliança do primeiro posto entre os maiores grupos automotivos do mundo, revelou que a “corrida por enormes volumes” trouxe uma grande ressaca.

Confirmou ainda que, sem o empréstimo de 5 bilhões de euros (o equivalente a R$ 29,2 bilhões, em cotação atual) do governo francês, em 2020, a Renault poderia ter ido à bancarrota – só no primeiro semestre daquele ano, a marca tinha registrado um prejuízo recorde de 7,29 bilhões de euros. 

“Hoje, a estratégia da atual administração – encabeçada pelo presidente-executivo (CEO) Luca de Meo – me parece ter 95% de chances de fazer a companhia renascer, com um foco no valor ao invés dos números de vendas”.

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Ghosn reclama de ter levado a fama pelo desacerto da estratégia de “enormes volumes” e garante que esta uma pecha “indecente”: “Poderiam inventar uma desculpa melhor”, comenta em tom irônico. 

Indagado se pretende voltar à França, o ex-chefão que, hoje, é um fugitivo da Justiça japonesa, respondeu positivamente: “Sou francês, fui educado e vivi na França. Tenho uma ligação muito profunda com o país e é claro que, no dia que puder, irei para a França”.

A verdade é que o discurso de Carlos Ghosn é muito parecido com o de todos os fanfarrões, revoltados de ocasião e profetizadores do ódio com quem temos nos acostumado. 

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Quando estão na crista da onda, segurando as coleiras das pessoas raivosas e contando com o apoio dos “cidadãos de bem”, esses gestores assumem a boa e velha banca dos bonitões, ditando cátedra sobre tudo quanto há, ao mesmo tempo em que são embalados pelos aplausos e pela adulação dos puxa-sacos. 

Mas basta o oficial de justiça chegar com a notificação do juízo de uma vara criminal que os amigos desaparecem, permanecendo apenas os linchadores. Quem já leu dois clássicos da filosofia ou já viu uma única peça do teatro grego sabe muito bem que as coisas são assim, desde que o mundo é mundo.

Portanto, não adianta Ghosn choramingar, porque o único lugar do mundo onde o povão tem dó de rico é no Brasil. E por falar em riqueza, o “ex-Deus na terra” se diz alquebrado: 

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“Desde que vim [vulgo, fugiu] para o Líbano, perdi parte considerável de minhas economias, até por causa da queda no valor das ações do grupo. Há um colapso econômico aqui, neste país, mas comparado à maioria dos libaneses, não tenho do que reclamar.”

“No entanto, perdi uma parte muito grande do que havia economizado”, reclama Ghosn que, no final, acabou entregando a razão de não estar em Cannes, na Riviera Francesa, comendo lagosta e passando o dia de roupa de cetim na piscina, em uma cobertura de frente para o mar: 

“Se pudesse, retornaria à França, mas sou impedido de fazê-lo porque há um pedido de prisão em meu desfavor, em nome do Japão, e um alerta vermelho da Interpol”.

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Ghosn já foi condenado no ano passado, na Holanda, a devolver 5 milhões de euros (quase R$ 30 milhões) em salários à Mitsubishi; em 2019, nos Estados Unidos, fez um acordo com o governo americano para encerrar um caso de evasão fiscal de US$ 140 milhões (quase R$ 720 milhões).

Tem mais: só em auditorias feitas pela Renault e pela Nissan, ele é acusado de um rombo de mais de meio bilhão de reais. Pensando bem, nunca tive tanto dó – lembrando o leitor que “dó” é um substantivo masculino e, não, feminino – de um criminoso...

Imagem: Shutterstock

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