O insano supercomputador que a Tesla criou para operar carros robôs

Ações da marca podem crescer até R$ 3 trilhões após o anúncio do Dojo, que promete impulsionar, enfim, os veículos autônomos
HG
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15.09.2023 às 21:00 • Atualizado em 12.11.2024
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Ações da marca podem crescer até R$ 3 trilhões após o anúncio do Dojo, que promete impulsionar, enfim, os veículos autônomos

A Tesla pretende dobrar seu valor de mercado, crescendo até US$ 600 bilhões (o equivalente a R$ 3 trilhões) com uma novidade muito diferente dos veículos elétricos (EVs) que produz. Trata-se do Dojo, um supercomputador de arquitetura inovadora para aquisição, processamento e análise de imagens que vai desenvolver novos modelos de “machine learning” para aplicação em condução autônoma, nominalmente no seu sistema AutoPilot.

“Estamos falando de uma área da inteligência artificial (IA) que concentra o uso de algoritmos para copiar a forma como os humanos assimilam o conhecimento, aumentando a precisão e melhorando os resultados de ‘aprendizagem’ das máquinas. Por meio de métodos estatísticos, os algoritmos são ‘treinados’ para minerar dados que conduzem a tomadas de decisão”, explica o vice-presidente global de estratégia automotiva da IBM, Sachin Lulla.

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No caso da empresa de Elon Musk, o Dojo vai capturar e interpretar milhões de terabytes (TB) em visão computacional provenientes das mais de 4,5 milhões de unidades que compõem, hoje, sua frota circulante global. Na prática e para muito além do negativismo automotivo brasileiro, que rejeita a virada da eletromobilidade nos maiores mercados do mundo, este pode ser o ponto de inflexão rumo aos veículos autônomos (AVs).

Ou seja, abre-se a perspectiva de europeus, asiáticos e norte-americanos ingressarem no universo dos automóveis sem motorista e sem volante antes de o Brasil popularizar os elétricos – que, hoje, respondem por 0,4% das vendas nacionais, contra 2% no Japão, 7% nos Estados Unidos, 21% na China, 23% na França, 24% no Reino Unido, 26% na Alemanha, 38% na Holanda, 60% na Suécia e 90% na Noruega.


“Se o supercomputador Dojo é capaz de fazer os veículos ‘verem’ e ‘reagirem’ aos estímulos do tráfego, dá para imaginar que qualquer dispositivo equipado com uma câmera poderá tomar decisões autômatas, em tempo real. É uma tecnologia que não se resume à venda de automóveis e pode abrir muitos outros mercados para a Tesla”, pontua Adam Jonas, analista da Morgan Stanley, uma das maiores consultorias globais de serviços financeiros e avaliação de negócios.

Apenas para o leitor ter uma ideia do peso que a Morgan Stanley dá ao Dojo, no início desta semana, sua listagem elevou a cotação das ações da Tesla, que substituíram as da Ferrari como “melhor escolha” para os investidores. A marca americana, que já aparece como a montadora mais valiosa do mundo, viu seus papéis valorizarem 6% em um único dia.

Hoje, cada ação do fabricante é negociada por US$ 271 (o equivalente a R$ 1.320). “Nossa estimativa para o próximo período de 12 a 18 meses é de uma valorização de 60%, com um salto para US$ 400”, projeta Jonas.

Se isso realmente ocorrer, a marca de Elon Musk alcançaria a cotação mais alta de Wall Street, com uma capitalização de mercado de quase US$ 1,4 trilhão (o equivalente a mais de R$ 6,8 trilhões). “Com o novo supercomputador, a receita anual da Tesla com serviços de rede pode saltar de menos de US$ 160 bilhões atuais para US$ 335 bilhões, em 2040, com a maior parte deste valor sendo impulsionada por licenciamentos para robotáxis e frotas de terceiros”, acrescenta o analista.


Integração vertical

Note que, enquanto no Brasil a virada da eletromobilidade é tratada como um sonho distante, a Tesla avança com sua estratégia de integração vertical, em que irá controlar todos os pontos-chave da cadeia de valor automotiva: da fabricação de EVs, passando pelo desenvolvimento de softwares, de um novo sistema de produção e novos serviços.

“Hoje, a frota da marca cobre 160 milhões de km anuais, capturando um volume de dados que continuará crescendo exponencialmente”, destaca o gerente de programas de mobilidade da consultoria norte-americana Frost & Sullivan, Kamalesh Mohanarangam. “Com o supercomputador Dojo, a Tesla passa a dispor de uma plataforma computacional capaz de processar todas essas informações. Isso quer dizer que, em breve, seu AutoPilot suportará novos recursos”, acrescenta.

Vale lembrar que, até o ano passado, a Tesla usava processadores Nvidia em seus EVs, mas Elon Musk resolveu substituí-los por unidades dedicadas e de maior capacidade, desenvolvidas internamente. A condução autônoma apresenta desafios quase ilimitados, quando comparada à virada da eletromobilidade, mas o Dojo surge como a primeira ferramenta eficaz para o aperfeiçoamento das redes neurais de inteligência artificial que, na prática, tornarão os AVs em realidade.


Também nunca é demais lembrar que, de acordo com a classificação da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE International), que define os Níveis 0, 1, 2, 3, 4 e 5 de automação, há uma única tecnologia à venda em nível global dotada do Nível 3: o recém-lançado Drive Pilot, da Mercedes-Benz.

Para quem ainda não tem muito claro o escalonamento da SAE International: o Nível 0 se resume a alertas, sem interferência autônoma na condução do veículo. O Nível 1 (“hands on” ou ‘mãos a postos’) obriga o motorista a manter atenção à direção, já que ele deve estar pronto para retomar o controle do automóvel a qualquer momento, apesar de o piloto automático adaptativo (ACC), o sensor de estacionamento que faz balizas (Park Assist) sozinho e frenagem automática de emergência (AEB) serem auxílios importantíssimos.

O Nível 2 (“hands off” ou ‘mãos livres’) é bastante conhecido pelo sistema AutoPilot, da Tesla, que acelera, freia e esterça o volante sozinho. Frise-se que, apesar da expressão “hands off” sugerir que o motorista não precisa se preocupar com a condução, mas isso não é verdade, já que sua atenção é monitorada por sensores e câmeras que vão “dedurar” se ele foi negligente em um eventual acidente, o responsabilizando civil e criminalmente.

Salto rumo ao carro autônomo


Há, ainda, o “Nível 2.5”, assim chamado informalmente (a versão mais avançada do AutoPilot, o Super Cruiser, da Cadillac, e o BlueCruise, da Ford), que incorpora as funções mais avançadas desta classificação. Já o Nível 3 é, teoricamente, o primeiro que dispensa a atenção do motorista, que pode enviar mensagens de texto e até mesmo ver um filme enquanto o veículo segue sua rota, autonomamente.

Mas é aqui – portanto, bem abaixo dos Níveis 4 e 5, que ainda são coisa de laboratório – que a coisa começa a complicar, já que nem nos Estados Unidos os recursos de condução autônoma, do AutoPilot da Tesla ao Drive Pilot da Mercedes-Benz, podem ser usados em todas as rodovias sem restrições.


“Neste momento, não há uma tecnologia capaz de substituir os motoristas humanos, mas os novos recursos de assistência avançada estão, sim, redefinindo a relação entre homem e máquina”, afirma o diretor de desenvolvimento da Ford, Doug Field. E a coisa pode dar um salto com o supercomputador Dojo.

Só seu chip D1 embala nada menos que 50 bilhões de transistores, fornecendo mais de 360 TeraFLOPs de potência – contra 310 TeraFLOPs da GPU Ampere, da Nvidia, usada até este ano. São dados impressionantes para qualquer circuito integrado dedicado e, mesmo que o leitor não entenda o que estes números representam, saiba que o supercomputador Dojo é equipado com 25 unidades do acelerador D1.

“É um divisor de águas que aproxima a Tesla dos veículos autônomos mais do que qualquer outra montadora”, sublinha a gerente sênior de mobilidade da Forst & Sullivan, Amrita Shetty. “A previsão inicial, de que veríamos carros sem motoristas circulando já em 2025, foi frustrada, mas a Tesla parece ter encontrado o Santo Graal da complexidade do ambiente de tráfego real para um pouco mais adiante, a partir de 2035”, complementa Amrita.


Em 2021, o diretor de IA da Tesla, Andrej Karpathy, já havia adiantado que a marca estava construindo um supercomputador “insano”, na época anunciado como “o quinto mais potente do mundo”. Agora que está pronto, o Dojo pode revolucionar a condução autônoma por meio de simulações de altíssima complexidade e análise avançada de big data, construindo um ecossistema que engloba hardware, dados e aplicações práticas.

“Acho que o supercomputador Dojo traz uma mudança ‘incremental’ e não necessariamente revolucionária. Nem a reconhecida fanfarronice de Elon Musk é capaz de minimizar suas capacidades e as perspectivas que se abrem para a Tesla, com uma primazia tecnológica que as marcas tradicionais talvez nunca consigam alcançar. É, indubitavelmente, uma ferramenta que viabilizará as aspirações do fabricante no desenvolvimento de AVs”, sentencia o vice-presidente da consultoria tecnológica global Futurum Group, Steven Dickens.

Agora é esperar para ver...

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