Tesla é condenada em R$ 1,3 milhão na China por vender carro batido

Empresa de Elon Musk terá que indenizar consumidor que comprou veículo sem saber das avarias, enquanto vê sua popularidade despencar no país
JC
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14.10.2021 às 19:46
Empresa de Elon Musk terá que indenizar consumidor que comprou veículo sem saber das avarias, enquanto vê sua popularidade despencar no país

Por Homero Gottardello

Capitaneada por Elon Musk, maior celebridade da indústria automotiva mundial atualmente, a Tesla vem deixando escapar que, por trás de seu negócio bilionário, não existe muito mais do que aquilo que o leitor experiente já viu inúmeras vezes na vida: o bom e velho “golpe de goela”.

Musk é um falastrão, uma espécie de Luciano Hang da eletromobilidade, e as provas disso vêm se amontoando recentemente. 

Sem duvidar de sua capacidade e, principalmente, de sua criatividade, o “Mágico de Oz” dos veículos elétricos foi indagado formalmente, nesta semana, pela Administração Nacional de Segurança do Tráfego Rodoviário dos EUA (NHTSA) sobre a omissão crassa da montadora em relação às falhas do sistema AutoPilot, seu badalado piloto automático. 

Na China, o poder público foi além e condenou a marca no fim de setembro, através do Tribunal de Justiça Popular de Pequim, por vender um Model S acidentado como se fosse um seminovo comum, para o cliente chinês Han Chao.

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A “picaletagem” saiu muito caro e, além de devolver os 379.900 yuans (o equivalente a R$ 325.530) pagos por Chao, a Justiça chinesa determinou que a Tesla indenizasse o consumidor com o triplo do preço de venda do Model S, em uma sentença de mais de 1,5 milhão de yuans (mais de R$ 1,3 milhão). 

A condenação manchou de forma indelével a imagem da fabricante, já que, na China, só o fato de um caso chegar à corte de segunda instância é considerado um escândalo que desqualifica as partes. Lá, a conciliação é considerada a regra, mas a Tesla sustentou sua mentira durante todo o processo. 

Pode parecer um episódio isolado, mas a simples publicação da decisão fez as ações da montadora caírem 0,6% do outro lado do mundo, na Bolsa de Nova York.

“Lendo sobre isso e sobre os acidentes causados por falhas do AutoPilot, todos os dias, tenho medo de dirigir este carro”, disse o empresário de Wenzhou, Huang Jiaxue, à Bloomberg, depois de passar seu Model 3 para frente.

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Do dia da compra, por 249.900 yuans (o equivalente a R$ 214 mil, menos da metade do preço praticado no Brasil, que é de R$ 460 mil), ao dia da venda, Jiaxue não ficou com o sedan nem por um ano. “É uma questão de segurança”, declarou o ex-cliente, que ainda se assustou com a depreciação do modelo: 25% em apenas seis meses.

Quando desembarcou na China, a Tesla foi recebida com tapete vermelho e uma concessão sem precedentes para controlar sua subsidiária local de forma independente, dispensando a joint venture obrigatória com uma empresa chinesa. 

Mas a lua de mel de Musk com o governo do maior mercado de automóveis mundial chegou ao fim e a razão foi a “infidelidade” do norte-americano. “Ele parece ter superestimado seus laços com o governo local”, avalia o ex-presidente da Chrysler para a Ásia e atual presidente-executivo (CEO) da consultoria Automobility, Bill Russo. 

“É um aviso para Musk não ser tão extravagante. Afinal, ele já se tornou uma figura que beira a arrogância”, completou.

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Nunca é demais lembrar que, na China, as leis são coisa séria e devem ser cumpridas por todos, independentemente de nacionalidade, origem, posição social, estilo ou oratória; não foi à toa que a apelação da marca sobre a condenação no caso de Chao sequer foi recebida pelo tribunal.

“É um veredito que, certamente, irá encorajar outros consumidores”, disse o advogado e sócio do Haodong Law Firm, que defendeu Chao, Zhang Xiaoling. “Creio que este será um marco na proteção dos direitos do consumidor contra grandes empresas, principalmente aqueles que são vítimas de casos semelhantes”, acrescentou.

Ou seja, a prática – muito comum no Brasil, inclusive – de maquiar danos estruturais em automóveis acidentados, revendendo-os no mercado de usados como seminovos, acaba de ganhar um precedente jurídico para responsabilização de gigantes multinacionais na China.

Vale citar que, apesar de ter uma verdadeira legião de fãs no mundo inteiro, a Tesla é alvo de protestos cada vez mais frequentes por parte de clientes chineses insatisfeitos, justamente naquele mercado que é considerado o mais importante para seus negócios.

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Incidente diplomático

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Em outro caso famoso, um cliente chinês descobriu que o motor elétrico de seu Model X não correspondia ao veículo – a numeração do chassi não era a mesma da unidade. Em um acordo extrajudicial, a Tesla não só devolveu o dinheiro do cliente como ainda o indenizou, no mesmo valor do preço do veículo. 

Em abril, durante o Salão do Automóvel de Xangai de 2021, outra cliente fez um protesto solitário, subindo sobre um dos modelos expostos no estande da marca para afirmar que uma falha no AutoPilot de seu Model 3 tinha provocado um acidente e “quase matado” quatro de seus familiares. 

Na oportunidade, a vice-presidente de relações institucionais da montadora, Grace Tao, chegou a sugerir que a mulher estava sendo “manipulada pelas autoridades chinesas”, quase criando um incidente diplomático justamente no momento em que as relações entre o país da Grande Muralha e os Estados Unidos sofrem abalos sísmicos.

O tiro saiu pela culatra e, à medida que as agências de notícias estatais passaram e exigir que a Tesla “reconsiderasse” as afirmações de Tao, a fabricante recuou e emitiu um comunicado oficial desdizendo sua executiva e fornecendo todos os dados de que dispunha à consumidora. 

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Depois de retroceder, pediu – muito humildemente – ao governo chinês que usasse seu poder de censura para bloquear postagens de seus clientes nas redes sociais locais, no que foi, prontamente, ignorada. 

Para evitar que o casamento termine em divórcio, a Tesla deu ao seu principal executivo chinês, Tom Zhu, o poder de “procurador” de relação públicas, já que ele passou a revisar todas as declarações oficiais da empresa antes de serem publicadas. 

Em junho, a Tesla foi obrigada pelo governo a promover um recall de 285 mil veículos (que correspondem a quase todas as suas unidades vendidas na China) para corrigir o software que controla o AutoPilot.

A consultoria de investimentos JL Warren Capital, que tem foco no mercado chinês, apontou uma retração “significativa e óbvia” nos pedidos dos concessionários da Tesla, que chegou a 50%, uma semana depois do Salão de Xangai.

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Para muitos analistas, parecia óbvio que o governo de Pequim tinha um trato tácito com a marca: esta primeira emprestaria sua imagem para aquecer o mercado doméstico, capitaneando as vendas de EVs, enquanto as montadoras locais acessariam sua tecnologia para entrar no jogo global. 

Todavia, parece que os norte-americanos foram inflados pelo apoio governamental e, agora, as diretrizes políticas e macroeconômicas chinesas dão uma guinada, já que o presidente Joe Biden sublinhou que a China é o maior adversário comercial dos Estados Unidos em médio e longo prazos. Fato é que, sem o mercado chinês, Musk não é ninguém.

A adoção de uma postura mais dura em relação à Tesla, na China, começou em fevereiro, quando a Administração Estatal de Regulamentação do Mercado, que é seu mais importante órgão fiscalizador, convocou executivos da montadora a discutirem “problemas de qualidade e segurança” dos veículos produzidos e vendidos no país.

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Carros que aceleravam sozinhos e baterias que se incendiavam estiveram na pauta. Surpreendentemente, a marca divulgou um comunicado em tom de mea-culpa, se rebaixando ao “aceitar, sinceramente, a orientação dos departamentos do governo” e assumindo a precariedade de seus automóveis ao “refletir, profundamente, sobre as deficiências”.

De volta ao caso do Model S de Han Chao, que promoveu uma verdadeira campanha na sua conta do Weibo contra o fabricante, a marca, depois de condenada a reembolsá-lo e indenizá-lo, acionou o ex-cliente na justiça por calúnia e difamação.

Isso porque Chao a classificou nas redes sociais como um verdadeiro hooligan – adjetivo, em inglês, que significa arruaceiro violento, comumente membro de uma gangue ou torcida organizada. Aparentemente, não entenderam a lição…

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