Renault Mégane E-Tech não se justifica no meio da invasão de elétricos
Sabe quando você está assistindo a um filme espetacular e bate a sensação aflitiva de que está prestes a acabar? Pois será com esse mesmo sentimento que descreverei o que senti a bordo do recém-lançado Renault Mégane E-Tech, simplesmente o melhor modelo da marca que já esteve no Brasil.
Vou redigir esse texto delineando todas as suas virtudes. Mas, ao chegar ao final, terei que ser pragmático: por R$ 280 mil, ele tem um lugar muito estreito no mercado brasileiro.
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Vou até “gastar” as críticas mais severas logo de início. Assim já me livro dos poucos senões que observei nesse modelo 100% elétrico. Além do preço, ele desagrada em somente dois pontos:
- A principal delas refere-se ao acabamento. É bastante ousado, para não dizer surpreendente, que você pague quase R$ 300 mil em um carro que nem sequer tenha bancos revestidos em couro. Pode até ser que “cole” o discurso sustentável do fabricante de que o tecido aveludado que compõe o revestimento de bancos, portas e parte superior do painel é mais apropriado que o couro. Mas todos os outros carros do mundo – nessa faixa de preços – usam couro. Pode até ser o famoso “couro sintético”. Mas é couro. Não tecido.
- O espaço interno não chega a ser deficiente. Para um carro que possui quase 2,7 metros de entre-eixos, pouco maior que um Duster, o espaço no banco traseiro é acanhado, visto que o console central avança sobre o espaço que seria para as pernas do ocupante traseiro central. Outro ponto decepcionante é a altura para as cabeças dos ocupantes que viajam atrás: a carroceria tão bonita por fora, e que exibe uma linha de teto que vai descendo em direção à tampa traseira, faz essa medida interna de “vítima”. Pudera. Ele é 4 cm mais baixo que um Stepway. Contribui também para essa sensação de bem-estar (só que não!) o revestimento preto do teto, que “comprime” mais ainda as cabeças dos ocupantes.
Design arrebatador: é o ponto alto do carro
Com uma dirigibilidade exemplar, fruto da novíssima plataforma CMF-EV da Renault, o Mégane E-Tech cumpre a promessa da marca em atender ao cliente que busca tecnologia, sofisticação e modernidade. O perfil desse cliente se define nos chamados early adopters, que buscam alta tecnologia e o que há de mais moderno em design, além de sofisticação e soluções inovadoras em uma mobilidade sustentável. É um carro muito bonito e, com o perdão da redundância, bastante sofisticado.
O crossover é o primeiro a apresentar o novo logo da marca, o "Nouvel’R". Com DNA elétrico, destaca-se pelo dinamismo, inclusive por abrir mão de alguns centímetros e renegar o modismo dos SUV´s. Você não leu errado a primeira frase desse parágrafo: ele é um crossover, não um SUV. E isso faz toda a diferença para que seja tão bonito.
O modelo possui linhas sinuosas nas laterais, com vários elementos em alto-relevo e adota área envidraçada compacta. Visto de lado, os vidros são “baixos”, o que dá uma impressão de musculatura da carroceria. Com comprimento total de 4,20 metros, ele é um meio-termo exato entre um Stepway (4,07 m) e um Captur (4,32 m). Mas por ter um generoso entre-eixos (2,68 m, ou 9 cm a mais que o Sandero), esperava-se um espaço interno compatível.
Essa robustez percebida pela relação entre carroceria e vidros também se configura pelas rodas de 18”, calçadas por pneus 195, mas de série 60 – muito altos para os padrões atuais. E há uma explicação prática pra isso: todo carro elétrico (exceção feita a SUV´s) sofre com o risco de raspar a bateria em lombadas. O E-Tech não foge à regra. Mesmo com um conjunto de baterias estreitas, com somente 11 cm de altura, ele vive arranhando em obstáculos mais pronunciados no trânsito. É por isso que os pneus são tão “altos”. Mas não resolvem por completo.
Os faróis e as lanternas de LED abrigam luzes de neblina integradas ao conjunto, além de luzes de seta dinâmicas. Seu destaque está em um sistema inteligente de iluminação, que regula automaticamente o alcance e a intensidade do facho de acordo com a luminosidade externa e a presença de outros veículos à frente do carro ou vindo na pista contrária.
Outro destaque positivo aparece nas maçanetas embutidas, que saltam quando você se aproxima do carro. Ele percebe a proximidade do cartão (não é chave, é cartão) e a maçaneta do motorista salta pra fora. Elas retornam à posição fechada dois minutos depois do veículo ter sido estacionado ou quando ele começa a rodar, ou ainda com o travamento das portas.
A sofisticação interna é outro destaque
Já falei do revestimento têxtil dos bancos... Ele é bonito, ninguém diria o contrário. E há detalhes em Alcântara em alguns degraus do painel e pouco uso de plástico.
Chama logo a atenção as duas telas digitais do painel do Mégane E-Tech, que são divididas somente por uma janela de ventilação. Têm ótima resolução, são sensíveis a qualquer toque e simples de serem configuradas. No quadro de instrumentos atrás do volante, com 12,3 polegadas, há três modos de visualização: Condução, Zen e Visualização de Bateria.
Mas se os grafismos são atrativos, o mesmo não se pode dizer das informações oferecidas. É muito minimalista, quase empobrecido. Refiro-me ao visual. As telas são bonitas, mas o número de infos é acanhado. Só chamará a atenção, mesmo, o alerta dinâmico de proximidade para o veículo à frente, que avisa em tempo real a distância em segundos para uma possível colisão.
O mesmo não se pode dizer da tela de infotainment, a multimídia que fica no centro do painel. Com antirreflexo e 9 polegadas, ela recupera a sensação de simplicidade do cluster. É repleta de informações e monitora praticamente todo o funcionamento do carro, com conectividade para Android Auto e Apple Car Play sem fio. De tão recheada, até abusa: você chega ao seu destino, desliga o carro e ela te dá uma nota (!!) Sim, isso mesmo. O carro te dá uma nota! Veja mais abaixo.
Abaixo dessa tela, o que chama a atenção é uma bandeja saltada para fora, com revestimento em borracha. Ali se carrega seu smartphone por indução.
Já a coluna de direção exibe um verdadeiro festival de apêndices. É exagerado. E, por vezes, vai te fazer acionar o limpador de para-brisa durante uma manobra. Explico: a alavanca seletora de “marchas”, se bem que elétrico não tem isso, fica nessa coluna de direção, pouco acima da alavanca que comanda as funções de limpadores. Ao parar o carro pra manobrar e ter que usar a marcha a ré, você vai esbarrar (certeza) no limpador. Essa coluna ainda possui, do mesmo lado direito do volante, a ilha de comandos de áudio do veículo. Lá na esquerda, ufa, é só a da seta.
No volante, além de comandos tradicionais para o computador de bordo, você logo visualiza um botão redondo, no quadrante inferior direito, chamado Multi-sense. Ao melhor estilo “Porsche”, ele também alterna os modos de condução do Mégane, alternando entre Eco, Comfort, Perso e Sport.
Há diferenças perceptíveis nos variados modos de uso dessa tecnologia. Ao deixar em Eco, o motorista terá à disposição até 38% da potência máxima. Esse percentual vai a 100% nas acelerações vigorosas nos outros três modos de condução, sendo que a Sport parece ter respostas ainda mais agudas.
Com 440 litros de capacidade no porta-malas, o Megane E-Tech oferece mais espaço que muito SUV por aí. Se o espaço no banco traseiro é abaixo das expectativas, o volume de carga reverte essa má impressão. E ponto para o nicho específico de acondicionamento do cabo de recarregamento do carro, que fica escondido sob o assoalho do porta-malas e não rouba nada desses 440 l.
Gostoso de guiar e com segurança exemplar
O pacote de segurança do Megane E-Tech inclui sete airbags e um pacote considerável de assistências semiautônomas de condução, incluindo ACC com função Stop&Go, frenagem autônoma emergencial dianteira e traseira a baixas velocidades – entre 3 e 10 km/h – e assistente ativo de permanência em faixa.
O motor síncrono é totalmente novo. Entrega 220 cv de potência e 30,6 kgfm de torque. Como o peso do carro é surpreendentemente contido – menos de 1,7 tonelada –, o desempenho torna-se um dos seus atrativos. Ele anda. Anda mesmo. Acelera de 0 a 100 km/h em 7,4 segundos. Apesar dos pneus de série mais alta, ele inclina pouco a carroceria nas curvas e permite, desse modo, uma tocada mais esportiva do que a grande maioria dos demais EV´s presentes no mercado brasileiro.
Assim como o conjunto motriz, o Megane E-Tech 100% elétrico tem uma bateria totalmente nova de 60 kWh, cujo projeto foi feito para se integrar perfeitamente à plataforma CMF-EV. A autonomia sugerida pela Renault é de até 495 km no uso urbano (ou 337 km na exagerada penalidade imposta pelo Inmetro). Na prática, nossa experiência de uma semana com o E-Tech, rodando sempre no circuito urbano, apontou para uma autonomia total de 440 km.
Os polêmicos freios regenerativos
Há quatro níveis de recuperação de energia do Megane E-Tech a cada desaceleração ou frenagem. Ela é ativada quando a alavanca de marchas está posicionada no modo D (Drive), permitindo recuperar a energia cinética da desaceleração (soltando o pé do acelerador) e transformando-a em energia elétrica, que é armazenada na bateria. Assim, é possível melhorar a eficiência e autonomia do veículo, utilizando menos o pedal do freio.
O Megane otimiza esta função oferecendo quatro níveis de frenagem, que são selecionados por borboletas atrás do volante, como se fossem paddle-shifters de trocas de marchas: do nível 0 (sem regeneração) ao nível 3 (recuperação máxima). Mas qual o problema prático, afinal?
Em um “mundo ideal”, você sempre usa o nível 0 quando está acelerando, visto que é perceptível que o acelerador se torna mais sensível e o aumento de velocidade é mais fluido. Quando percebe que vai frear, você aciona a borboleta e a coloca no nível 2 ou 3. O carro utilizará um “freio-motor” acentuado, recuperará a energia e você até poupará as pastilhas de freio. Porém, essa operação terá que se repetir na hora de acelerar de novo.
Ora, quase nenhum motorista usa o modo “manual” nas trocas de marchas de câmbios automáticos sequenciais. Quanto mais ter que ficar “regenerando e não regenerando” a bateria a cada freada e aceleração? Ninguém usará isso, até mesmo porque em uma época em que os automóveis modernos e sofisticados caminham para uma direção cada vez mais autônoma, quem, além dos gearheads, irá querer alterar centenas de vezes o grau de regeneração de baterias durante um percurso diário? Legal. Mas ninguém vai usar.
Hora de colocá-lo na tomada...
O Megane E-Tech 100% elétrico é compatível com as infraestruturas de recarga em corrente alternada (AC):
- Tomada doméstica de 10A/2,2 kW (mono e bifásico)
- Terminal doméstico de 32A/7,4 kW (mono e bifásico)
- Terminal doméstico ou público de 16A/11 kW (trifásico)
- Terminal público de 32A/22 kW (trifásico).
Ele também é compatível com as infraestruturas de recarga em corrente contínua (DC) de até 130 kW (sistema de recarga combinado). Por exemplo, para carregar dos 15% até 80% da carga da bateria em DC 130 kW são necessários apenas 36 minutos e em um Wallbox de 22 kW leva 1h50.
O Megane E-Tech 100% elétrico traz de série o cabo Modo 3 para recarga em terminais públicos ou privados. Para uma recarga em domicílio em uma tomada tradicional, é oferecido como acessório o cabo flexicharger compatível com o modelo.
E mais alguns outros pontos positivos
Multiplicação do sistema de direção – o Megane E-Tech é exemplar para quem gosta daquela sensação de “guiar um kart”. As manobras são muito precisas, sendo que o volante, de batente a batente, não tem mais do que 2 voltas completas. Na prática, qualquer curva de esquina é contornada com um movimento sutil no volante. Isso dá uma tocada esportiva e é bem agradável na cidade.
Reaproveitamento de calor – o modelo possui um engenhoso sistema que aproveita o calor dissipado pelas baterias e pelo motor elétrico para ajudar no aquecimento da cabine e, assim, poupar o sistema de ar-condicionado e economizar energia.
E os negativos
O carro te dá nota – pode parecer coisa de quem é ranzinza. Mas quando você para o carro e desliga o motor, ele te dá uma nota, de 0 a 100 pontos possíveis. Como ela só leva em consideração a “economia” de bateria, sem ponderar o trânsito, a topografia da região que você estava trafegando, o número de passageiros do carro, entre outras variáveis, você sempre vai se frustrar com a nota que ele te dá.
O interior preto do teto gera um ambiente aconchegante, mas diminui o já acanhado espaço interno. E falta (muito) um teto solar.
Falta abertura elétrica do porta-malas e regulagens elétricas do banco do motorista.
Renault Megane E-Tech – Ficha técnica
Motor: elétrico, dianteiro,
transversal, síncrono de ímãs permanentes
Potência: 220 cv
Torque: 30,6 kgfm
Peso/potência: 7,64 kg/cv
Peso/torque: 54,9 kg/kgfm
Câmbio: automático, marcha única
Tração: dianteira
0 a 100 km/h: 7,4 s
Velocidade máxima: 160 km/h (limitada
eletronicamente)
Bateria: íons de lítio, 12 módulos de
24 células cada, prensados no assoalho do veículo
Capacidade: 60 kWh
Recarga:
Até 130 kW rápida DC: 15% a 80% em 36
minutos
Até 22 kW trifásico com wallbox AC:
15% a 80% em 1h50
Autonomia PBEV: 495 km urbano; 463 km rodoviário; 485 km combinados; 337 km com penalidade de 30%
Dimensões e capacidades: 4.200 mm de comprimento, 2.685 mm de entre-eixos, 1.768 mm de largura, 1.519 mm de altura, 440 litros de porta-malas, carga útil não divulgada, 1.680 kg de peso em ordem de marcha
Dados técnicos: direção elétrica progressiva; suspensão McPherson (dianteira) e MultiLink (traseira); freios a discos ventilados (dianteira e traseira); diâmetro de giro, 10,4 m; coeficiente aerodinâmico não divulgado; vão livre do solo, 15,5 cm; ângulos de ataque, saída e central não divulgados; pneus 195/60 R18; estepe por kit de reparo emergencial.
Renault Megane E-Tech 2024 - Itens de série
- Faróis full-LED dinâmicos com DRL, regulagem automática de facho, farol alto automático e luzes de neblina integrados
- Lanternas e Luzes de neblina traseiras em LED
- Luzes indicadoras de direção dinâmicas/sequencial
- Maçanetas externas ocultas e rebatíveis automaticamente
- Rodas de liga leve Oston 18"
- Teto bicolor e retrovisores na cor preto Etoilé
- Sete airbags (2 frontais | 2 laterais | 2 cortina | 1 entre os bancos dianteiros "Far side Airbag")
- Alerta e frenagem de tráfego cruzado traseiro
- Alerta e intervenção de ponto cego
- Assistente de partida em rampa
- Alerta de colisão frontal
- Alerta de distância segura
- Alerta de saída segura dos ocupantes
- Alerta e assistente de permanência em faixa
- Retrovisor interno com câmera
- Controle de velocidade adaptativo (ACC) com Stop&Go
- Controles eletrônicos de estabilidade e tração
- Detector de fadiga do motorista
- Frenagem automática de emergência com detecção de pedestres e ciclistas
- Monitoramento da pressão dos pneus
- Sistema Multi-sense com modos de condução Eco, Sport, Comfort e Perso
- Reconhecimentos de placas de velocidade
- Alerta de excesso de velocidade
- Regulagem automática de altura dos faróis
- QR Code para auxílio em emergências
- Retrovisores externos elétricos com rebatimento automático, aquecimento e indicador de direção dinâmico
- Sensores crepuscular e de chuva
- Sensores de estacionamento dianteiros e traseiros
- Câmera de ré
- Aviso Sonoro para Pedestres
- Cluster Digital LED de 12,3"
- Seis alto falantes Arkamys Auditorium
- Cabo de carregamento Tipo 2 - Modo 3
- Frenagem regenerativa em quatro níveis
- Função eco-coaching
- Central multimídia OpenR 9" com Android Auto e Apple CarPlay sem fio
- Sistema de aquecimento de baterias
- Iluminação dinâmica e personalizável no interior
- Porta-malas com trava elétrica
- Ar-condicionado automático digital de duas zonas dual-zone com saída traseira
- Chave presencial do tipo cartão
- 4 portas USB-C
- Volante e retrovisores com aquecimento
Renault Mégane E-Tech vale a pena?
Essa resposta, se for genérica, está dada. É o melhor Renault já trazido ao Brasil. O mais bonito, atraente e sofisticado. Mas custa sessenta mil reais a mais do que um Volvo que possui o mesmo porte e motor com 59 cv a mais, além de pertencer legitimamente ao time de marcas premium, algo que a Renault ambiciona com esse E-Tech.
Jornalista Automotivo