O plano de R$ 140 bilhões para salvar Renault, Nissan e Mitsubishi

Grupo Alliance, que reúne as três marcas, vai concentrar produção em apenas três plataformas para 90% das gamas já em 2030. Como fica o Brasil no plano?
JC
Por
31.01.2022 às 15:00
 Grupo Alliance, que reúne as três marcas, vai concentrar produção em apenas três plataformas para 90% das gamas já em 2030. Como fica o Brasil no plano?

Por Homero Gottardello

A Renault-Nissan-Mitsubishi Alliance, um dos cinco maiores grupos automotivos do mundo em termos comerciais e que controla, além destas três marcas, a Infiniti, a Dacia, a Alpine, a Datsun, a Venucia e a Lada, anunciou um plano de investimentos de US$ 26 bilhões (o equivalente a R$ 140,3 bilhões).

Ele dará vida a nada menos que 35 novos modelos elétricos (EVs) e recolocará a companhia de volta aos trilhos, pondo um fim à bagunça e deixando de vez para trás a era do ex-todo-poderoso e, hoje, foragido internacional da justiça, Carlos Goshn.
 

Anuncie seu carro na Mobiauto 

“Há três anos, vivíamos uma situação caótica sem precedentes em nossa história, um período de falta de confiança que, felizmente, agora pertence ao passado”, declarou em tom confessional à “AutoNews” o presidente do Conselho de Administração da Alliance, Jean-Dominique Senard. 

O executivo destacou que o aporte anunciado equivale a mais que o dobro dos US$ 11,3 bilhões que foram investidos, antes e de modo individual, pelas três gigantes que alicerçam o grupo. Até 2030, a meta é ampliar o portfólio atual de dez modelos elétricos para mais que o triplo. A má notícia é que, até agora, não houve menções ao Brasil na estratégia.

Leia também: Apple, Sony e Xiaomi correm para fabricar carros elétricos. Vão conseguir?


Muito volume, nem tanta receita

Apesar de, pontualmente, aparecer entre os três maiores grupos automotivos do mundo em vendas, a verdade é que a Alliance não figura nem entre os dez primeiros da lista em termos de receita. Em 2020, seu faturamento foi de 43,5 bilhões de euros, queda de 21,7%, em relação a 2019.

E enquanto não divulga o balanço consolidado do ano passado, devemos destacar que o resultado acumulado nos três primeiros trimestres de 2021, com um aumento de receita de 12,3%, para a casa dos 32,2 bilhões de euros, ainda fica muito atrás dos US$ 88 bilhões do Grupo Hyundai e dos quase US$ 99 bilhões da Stellantis, os últimos da lista das dez fabricantes que mais faturam em nível mundial.

Leia também: O que é a bateria sólida e como ela pode revolucionar os carros elétricos

“Após a saída de Ghosn, Renault, Nissan e Mitsubishi focaram seus esforços na luta contra a queda nas vendas e uma verdadeira onda de números que pipocavam em vermelho, ao mesmo tempo em que tentavam segurar os investidores que, diante das grandes perdas, incluindo de credibilidade, estavam se desfazendo das ações do grupo”, avalia o editor para o mercado asiático do jornal “Automotive News Europe”, Hans Greimel.


Após os carros elétricos

Bom, ainda é cedo para afirmar que a Alliance recuperará a confiança dos investidores, mas o plano anunciado mostra, primeiro, uma guinada sem retorno à eletromobilidade e à simplificação industrial que, na prática, tem um grande impacto financeiro e pode ajudar a trazer a rentabilidade de volta.

Ao anunciar o lançamento de 35 novos EVs nos próximos cinco anos, o desenvolvimento de três plataformas inéditas que serão comutadas por nada menos que 96 modelos, e que 80% das gamas de todas as marcas usarão essas três bases já em 2026, percentual que saltará para 90% em 2030, a companhia dá uma clara garantia de lucratividade aos acionistas.

Especialmente se levarmos em conta o volume dos investimentos. “Fomos questionados se o plano que apresentamos não é modesto, diante dos valores recentemente anunciados pela Volkswagen – cerca de o dobro. Bom, acreditamos que é mais do que suficiente”, assegurou a diretora financeira da Renault, Clotilde Delbos.

Leia também: CES 2022 traz carros que trocam de cor e até matam vírus da Covid

“Quando nos juntamos, não formamos um time de segunda divisão”, completou o presidente-executivo (CEO) da marca francesa, Luca de Meo, reafirmando a capacitação da Alliance.

Apenas para se ter uma ideia da concentração de esforços, a base CMF-EV, que hoje é usada apenas por dois modelos, o Nissan Ariya (produzido Tochigi, no Japão) e o Renault Mégane E-Tech Electric (feito em Douai, na França), será comutada por 15 elétricos de cinco marcas (Mitsubishi, Infiniti e Alpine, além da Nissan e da Renault) até 2030.

Naquele momento, a Alliance estima a montagem anual de 1,5 milhão de automóveis elétricos só sobre essa plataforma, com redução de 33% nos custos. “Hoje, aceleramos nossa estratégia ‘made in Europe’, com a fusão de três fábricas – entre elas a de Douai – que vão compor o mais competitivo complexo de eMobility”, destacou de Meo.

Leia também: Concessionárias de carro vão morrer e dar lugar a "agências". O que muda?


Por aqui, haverá reversão do encolhimento?

Ou seja, não é necessário ser economista ou engenheiro de produção para saber que, para as unidades fabris brasileiras de Renault e Nissan, a perspectiva é de encolhimento até sabe-se lá o quê. 

E se alguém das subsidiárias nacionais quiser contradizer os chefões mundiais das marcas, é bom dar uma olhada nos números da última década antes: juntas, Renault e Nissan viram suas vendas encolherem 44,5% no mercado nacional, de 346,2 mil unidades anuais  para 192 mil unidades anuais. 

Se levarmos em conta que só a plataforma CMF-EV servirá para a montagem de 1,5 milhão de unidades anuais (quase dez vezes mais), é de se perguntar por que um grupo que busca voltar aos lucros manteria duas fábricas em operação em terras tupiniquins, se, juntas, elas produzem 15% do que a matriz pretende fazer só com uma de suas novas bases elétricas.

Leia também: Concessionárias de carro vão morrer e dar lugar a "agências". O que muda?

Pior, enquanto o Brasil segue montando automóveis de origem romena e indiana com motores a combustão interna, a Alliance tem um plano ambicioso para fabricação de baterias especiais de alta performance, em cooperação com a francesa Verkor e em parceria com a sul-coreana LG Energy Solution e chinesa a Envision. 

“Hoje, nos baseamos na expertise de quem tem 320 mil EVs rodando e, só entre 2020 e 2021, coletamos nada menos que 300 terabytes de dados sobre a operação dos pacotes que equipam estes veículos”, comenta o vice-presidente executivo de engenharia da Renault, Gilles Le Borgne. 

“As baterias ainda representam 40% do custo de produção de um modelo elétrico e essa expertise é fundamental para desenvolvermos veículos verdes mais acessíveis e competitivos”, completou.

Leia também: Como a BYD venderá carros que usam energia gerada pelo próprio dono

Outro fator que mostra o parcial abandono das subsidiárias nacionais das marcas que compõem a Alliance pode ser observado pela questão trabalhista. 

Enquanto a Renault negocia acordos com os sindicatos franceses, para a combinação da força operária que tem em três fábricas (Douai, Maubeuge e Ruitz) para seu conceito de ElectriCity, inclusive ampliando em 15% sua mão de obra com a geração de 700 novos postos diretos, reduz em 10% seu quadro na planta de São José dos Pinhais (PR). 

Não é à toa que os R$ 140,3 bilhões confirmados para o novo plano de eletrificação e modernização dos portfólios de todas as marcas que compõem a Alliance representam, na ponta do lápis, 130 vezes mais do que o destinado para o Brasil em 2021.

Leia também: Brasil está mais para trás na corrida do carro elétrico do que imaginamos

A partir de 2024, a Renault começará a apostar (com atraso) em produtos a combustão da plataforma CMF-B, incluindo um novo SUV pequeno (projeto HJF) para o lugar do Stepway, um SUV de sete lugares e a terceira geração do Duster. Também deve nacionalizar os motores 1.0 e 1.3 turboflex da família TCe.

Será o suficiente? A ver o que o futuro nos reserva…

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.

Você também pode se interessar por:

Avaliação: VW ID.4, como anda o primeiro SUV elétrico da marca?
China muda regra de quase 30 anos e afetará toda a indústria mundial
Por que os carros elétricos atuais não estão matando a grade frontal?
Renault Kwid E-Tech pode “se pagar” no Brasil só depois de 280.000 km 

Comentários