Ford Ranger e Chevrolet S10 foram elétricas muito antes disso virar moda

Picapes médias foram vendidas por aqui com motores a gasolina, flex e diesel. Mas fora do Brasil ostentavam propulsores elétricos
HG
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25.08.2023 às 15:11
Picapes médias foram vendidas por aqui com motores a gasolina, flex e diesel. Mas fora do Brasil ostentavam propulsores elétricos

Pouca gente sabe, mas a Chevrolet S10, a Ford Ranger e o Toyota RAV4 tiveram versões elétricas que foram comercializadas nos Estados Unidos, regularmente, no final dos anos 90 e que, com bastante perseverança e sorte, podem ser encontradas usadas.

Antes de mais nada, é preciso deixar claro que nenhum dos integrantes deste trio vendeu milhões de unidades e a trinca saiu de cena poucos anos depois de seus respectivos lançamentos, sem alarde e, pelo visto, sem deixar tanta saudade.

No caso das picapes, as comercializações se limitaram a frotas de empresas e serviços públicos, com a S10 Electric detendo a primazia, já que chegou às ruas em 1997, um ano antes da arquirrival da Ford. Sob o capô, o modelo trocou os motores térmicos de quatro cilindros em linha e V6 por uma unidade elétrica trifásica, de 85 kW, derivada da usada pelo EV1.

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“Quem acha que a Cybertruck, da Tesla, é a primeira caminhonete ‘verde’ desta classe está redondamente enganado, mas estamos falando de tecnologias muito diferentes, já que a S10 Electric usava baterias de chumbo-ácido. O conjunto, que ficava sob o assoalho, era muito pesado – 635 quilos, ao todo – e reduzia a distância livre do solo para 5 polegadas – o equivalente a 12,5 cm”, conta o jornalista especializado Rob Stumpf, da “The Drive”.

O empréstimo do trem de força do EV1 deu à S10 elétrica uma configuração bastante inusitada, com tração dianteira ao invés da tradicionalíssima tração traseira. Sua carga útil, de 430 quilos, também não impressionava, muito menos seu alcance: de 116 a 153 quilômetros, variando de acordo com o protocolo de medição e, ainda assim, só no ano-modelo 1998, que já trazia baterias de hidreto de níquel-metal (NiMH), mais leves e com maior capacidade de armazenamento de energia – as baterias originais garantiam entre 53 e 70 quilômetros de autonomia e sua recarga levava até oito horas.

Ao contrário dos EV1, que foram todos (à exceção de duas unidades) esmagados pela própria General Motors, depois de serem recolhidos, é possível comprar uma S10 Electric por menos de US$ 2.000. Bom, pelo menos foi isso que conseguiu um dos entusiastas do modelo.

“Encontrei, por um acaso, uma unidade que tinha sido usada em uma base da Força Aérea, na Geórgia, e depois entregue à Universidade Estadual, em Tiffon. Ela estava parada, porque o orçamento para sua conversão para motorização convencional era muito alto. Então, comprei uma S10 Electric por US$ 1.800 e gastei outros US$ 750 para rebocá-lo até minha casa”, conta o colecionador Keith Dillman, do grupo S10 Connection.

“Trata-se de uma versão com baterias de chumbo-ácido que veio, inclusive, com o carregador Magne Charger, hoje muito obsoleto. Mas um EV tão raro quanto este não pode ser alterado e aceito de bom grado seu alcance limitadíssimo”, garante Dillman.

Quando foi lançada, a S10 “verde” custava salgados US$ 33.305, o equivalente a algo em torno de US$ 55 mil atuais (R$ 270 mil, na conversão direita). Dados divulgados pela GM afirmavam que a caminhonete acelera de 0 a 80 km/h em 13,5 s, número que piorava bastante quando a carga das baterias baixava de 50% e a caçamba estava carregada.

De qualquer forma, quase 500 unidades foram produzidas em apenas dois anos, na antiga fábrica de Shreveport (Louisiana), fechada em 2012. “Quando comecei, não havia internet, não havia telefone celular, não havia mídia social. Vendíamos veículos pequenos e baratos, todos importados do Japão”, lembra Bill Fay, ex-vice-presidente da subsidiária norte-americana da Toyota e ex-gerente geral da marca, que se aposentou há três anos.

“Agora é um mundo totalmente diferente. Era muito mais simples naquela época e queríamos descobrir qual era o mercado de EVs, nos Estados Unidos”, acrescentou, relembrando o lançamento do RAV4 EV.

Assinatura mensal de R$ 765

A Ranger elétrica teve melhor sorte que a S10 Electric, apesar dos volumes igualmente modestos – 1.500 unidades, entre 1997 e 2002, destruídas em sua maioria depois da saída de linha. Na época, o Ford Credit criou um plano de financiamento especial e obteve incentivos fiscais federais que permitiam o arrendamento, ou leasing, do modelo por US$ 155 mensais (o equivalente a R$ 765 mensais, já com valor corrigido).

O Berkely Labs, por exemplo, contratou 20 unidades da picape e, até 2018, portanto durante cerca de 20 anos, os usuários da caminhonete tiveram acesso às faixas de rodagem especiais do programa “California Air Clean”. O motor trifásico de 67 kW garantia aceleração de 0 a 50 km/h em 11,6 s, na versão equipada com baterias de chumbo-ácido (com 39 módulos e 870 kg), e 10,3 s, na com pacote de NiMH.

A velocidade máxima variava de 99 km/h a 120 km/h, enquanto o alcance ficava entre 104 e 132 quilômetros. Para recarregá-las, o condutor tinha que esperar, no mínimo, seis horas.

Tanto na Ranger elétrica quanto na S10 Electric, o resfriamento das baterias era um enorme desafio, visto que os seus pacotes eram muito sensíveis às altas temperaturas. Na picape da Chevrolet, havia uma “bomba de calor” e, na da Ford, dois refrigeradores (um externo e outro, interno).

Mas o frio também era um desafio e, no caso do modelo da GM, havia um aquecedor (semelhante ao aquecedor de bloco dos motores a combustão interna), que usava óleo diesel e entrava em operação quando a temperatura baixava de 3 graus centígrados. Água não era problema e, na S10 Electric, a recarga dos módulos podia ser feita, sem riscos, até debaixo de chuva. Já a performance off-road também ficava comprometida na Ranger EV, já que a suspensão traseira com feixe de molas deu lugar ao sistema DeDion – uma verdadeira esquisitice.

“Na caminhonete da Ford, as rodas traseiras são acionadas por um motor de corrente alternada de seis pólos, combinado a uma transmissão com redução de três para um, de velocidade única, ou seja, apenas uma marcha. O motor alcança o limite de giro de 13.000 rpm”, conta outro entusiasta, o norte-americano Jim Oaks, que criou o “The Ranger Station” dedicado, exclusivamente, ao garimpo, ao debate técnico e fóruns sobre a picape.

Descontinuada em 2002, o Ranger EV serviu de base para o Ford Transit Connect (100% elétrico), de 2010, e "asfaltou a estrada" para o Focus elétrico, de 2012.

Dedo da Tesla

O Toyota RAV4 elétrico foi, sem sombra de dúvidas, o modelo de maior apelo comercial deste trio. Foram produzidas quase 1.500 unidades da primeira geração, entre 1997 e 2003, e um pouco menos de 2.500 unidades da segunda, entre 2012 e 2014. Na Califórnia, o SUV elétrico era vendido nos concessionários e, em outros Estados norte-americanos, a oferta se destinava apenas a frotistas.

Muito relevante é o fato de a segunda geração ter sido desenvolvida em parceria com a Panasonic e a Tesla que, naquela altura, não tinha nem 1% do prestígio de hoje. Na época, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) de lá certificou o jipinho com alcance de 166 quilômetros e um consumo de eletricidade equivalente a 32,2 km/l de gasolina, um recorde para sua classe até então.

“Em 2010, tínhamos outra abordagem e estávamos lançando um ótimo produto, para um nicho seleto e aberto às novas tecnologias. Na verdade, o RAV4 EV foi muito bem-sucedido, na Califórnia”, avalia o ex-vice-presidente e ex-gerente geral da Toyota nos EUA, Bill Fray.

Um dos grandes avanços deste período de desenvolvimento foi a redução dos tempos de recarga, que chegavam a 44 horas com o uso de uma tomada de energia convencional, para um intervalo entre cinco e seis horas. “Há 20 anos, 96% dos californianos viajavam menos de 60 milhas (o equivalente a 100 km) para ir e vir do trabalho. E ainda tínhamos uma reserva de mais de 30 km para esta cobertura”, lembra Fray.

O RAV4 elétrico de segunda geração já usava baterias de íon de lítio de 386 V e 380 kg, com 4.500 células montadas sob o piso, sem roubar um milímetro do espaço no porta-malas. Com 1.830 kg, a versão elétrica pesava apenas 210 quilos a mais que o irmão Limited V6 e atingia uma velocidade máxima de 160 km/h – no quarto-de-milha, ela não decepcionava, cruzando os 400 m em 15,7 s a mais de 137 km/h.

Hoje, há uma oferta surpreendente – em volume e valores – do RAV4 elétrico, no mercado norte-americano de usados. Um modelo de 2014 com menos de 60 mil milhas rodadas (menos de 100 mil km rodados), de único dono, está à venda por US$ 18.990 – o mesmo revendedor tem outras 19 opções, que partem de US$ 14.990.

Nada mau para um automóvel elétrico descontinuado há quase uma década e cuja geração atual parte de US$ 28.275 no mesmo país.

Fotos Ranger: Reprodução/Ford
Foto S10: Reprodução/GM
Fotos RAV4: divulgação/Toyota

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto

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