A novela do preço do BYD Dolphin Mini

Montadora poderia reduzir as expectativas, mas deixou o jogo rolar
RM
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29.02.2024 às 17:30
Montadora poderia reduzir as expectativas, mas deixou o jogo rolar

Raríssimos foram os jornalistas ou influenciadores que apostavam no preço do BYD Dolphin Mini acima dos R$ 100 mil. Para fazer justiça, a Mobiauto foi uma das únicas mídias jornalísticas que se aproximou do preço real divulgado pela BYD ontem, em live conduzida pelo apresentador global Luciano Huck. A Mobiauto, aqui nesse artigo do início do mês, estimava um preço de R$ 110 mil a R$ 120 mil. E a marca definiu o preço em R$ 115.800.

Acertamos.

Estranho, contudo, que haja tanta gente crucificando a BYD por ter lançado o carro “com preço acima do esperado”. Esperado por quem, cara-pálida? Para justificar a estimativa errada, a culpa é da montadora? Até compreendo que os valores extremamente competitivos que os modelos elétricos da marca foram posicionados nos últimos meses tenham gerado esse alarde. Vamos lembrar: o Dolphin chegou a R$ 149,8 mil e o Seal a menos de R$ 300 mil, mesmo com aquele canhão de motor de mais de 500 cv... Em razão disso, as apostas dos especialistas pairavam na faixa de R$ 90 mil a R$ 100 mil.

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Acho até que a própria marca, apesar de ter definido que faria mistério sobre o preço final até o dia da live, poderia ter sussurrado nos ouvidos dos jornalistas que as estimativas estavam muito fora. No jornalismo, seja automotivo, esportivo, político e em qualquer outra editoria, existe um argumento que norteia a relação entre empresas (fontes de informação) e repórteres chamada “off”. É quando você conta uma informação para um jornalista e pede que ele não revele a origem da notícia. Podia ter feito isso? Sim, podia. Mas não foi porque não fez...insisto, parte 2, que houve um “erro”. Erro, para não ser corporativista, foi de quem previu errado. E pronto.

Uma das mães da sabedoria chama-se “analogia”, caso você queira ter um parâmetro razoável de alguma estimativa a ser calculada. Não é uma ciência exata, óbvio. Mas ajuda. E muito. Na China, o BYD Dolphin custa 100 mil yuan. Naquele mesmo país, o BYD Seagull, rebatizado para Dolphin Mini, o tal, aqui no Brasil, sai por 74 mil a 90 mil yuan, dependendo de autonomia e equipamentos. O modelo lançado no Brasil é próximo do mais equipado. Mas vamos fazer de conta que é o de 85-90 mil yuan. Matemática simples: o Mini chegaria aqui por, no máximo, 15% abaixo do modelo maior, considerando que a estrutura de custos de produção, o frete, a marca, a rede, o custo de Marketing (...) tudo é muito parecido!

Logo, o Dolphin de R$ 149.800 aqui no Brasil apontava para um Mini na faixa de R$ 125 mil a R$ 130 mil, exercendo o mesmo delta de valores dos carros no mercado chinês. Havia algumas nuances que apontavam, sim, que a BYD poderia ser mais agressiva e trabalhar com um valor ainda mais atrativo, exatamente porque está chegando ao Brasil, vai fazer fábrica, pretende ampliar a rede autorizada com rapidez... e poderia, apenas “poderia”, atuar com um preço mais agressivo.

E foi o que, de fato, ela fez. O BYD Dolphin Mini custa 22,7% abaixo do Dolphin – bem mais que os 10 ou 15% de diferença lá na China. Esperar, entretanto, que ele chegasse ao Brasil com uma diferença acima de 30% em relação ao irmão maior era improvável. Mas muita gente embarcou nessa.

Falta, muitas vezes, deixar a paixão pelo assunto “automóvel” de lado, e racionalizar a extensão total de uma decisão, como o lançamento de um carro a um preço tão combativo como seria esse, abaixo de R$ 100 mil. Há de se entender o todo. Funciona assim: ao lançar o Dolphin a R$ 150 mil, em uma faixa de preços em que cerca de 30% dos compradores de automóveis no Brasil podem atuar – exatamente os R$ 150 mil –, você precisa considerar que um carro lançado na faixa de R$ 100 mil vai contemplar mais de 80% dos compradores, já que o mercado automotivo funciona à base de uma pirâmide. Quanto maior é o preço médio do produto, menor é o número de compradores.

Calcule: 80% de 2 milhões de unidades anuais é cerca de 1,6 milhão de compradores potenciais. A julgar pelo sucesso que o Dolphin fez na faixa dos R$ 150 mil, imagine o que poderia ter acontecido se esse carro fosse lançado a R$ 100 mil (ou menos)? Quantos novos consumidores dessa faixa de poder aquisitivo não se sentiriam seduzidos pelo primeiro carro 100% elétrico? Esse é o sonho de qualquer montadora, não? Ter um produto irresistível que encante milhões de consumidores da concorrência, certo? Não na indústria automotiva!

A BYD não pode “queimar a largada”, isto é, vender um volume de carros acima de sua capacidade instalada no país. Estamos falando de capacidade de atendimento da rede autorizada, e que pese o fato de já começar a pipocar na internet notícias e queixas de falta de peças e serviços da marca no pós-venda.

Em outras palavras: uma marca que possui somente 100 concessionárias nomeadas – das quais pouco mais de 60 estão em operação – como você pretenderia vender milhares e milhares de Mini? Como atender a esse contingente gigantesco de clientes? Isso não existe! Ou, no mínimo, não seria recomendável.

O Mini, de fato, nunca custaria abaixo de R$ 100 mil por diversos aspectos. Ok, agora até parece fácil afirmar isso. Mas pode me cobrar na próxima.

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Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.

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