No Brasil, mesmo o carro elétrico mais simples está longe de ser popular

Renault Kwid E-Tech chega como veículo a bateria mais barato no país, mas, mesmo com soluções óbvias de baixo custo, ainda custa caro demais

JC
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20.04.2022 às 15:13
Renault Kwid E-Tech chega como veículo a bateria mais barato no país, mas, mesmo com soluções óbvias de baixo custo, ainda custa caro demais

Por Pedro Kutney

A Renault cumpriu o que prometeu cinco meses atrás, quando confirmou que venderia o Kwid E-Tech no Brasil e que ele seria o carro elétrico mais barato do mercado, assim como acontece na Europa com o irmão romeno Dacia Spring. A Mobiauto antecipou em primeira mão sua chegada em outubro do ano passado.

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Na semana passada a Renault começou a receber reservas do Kwid E-Tech por R$ 142.990 – preço de pré-venda garantido só até julho, quando o carro importado da China só começa a ser entregue por aqui. 

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Com isso, a fabricante afirma que agora pode “democratizar” o acesso de brasileiros à eletromobilidade. Vai ser difícil, considerando que mais barato não é, necessariamente, algo acessível.

Nesse sentido, o Kwid E-Tech é o que pode ser chamado de “caro popular”, pois conserva a pobreza de um carro de entrada, tem acabamento rústico e dimensões compactas, mas com o powertrain elétrico que custa mais que o dobro do equivalente com motor 1.0 flex, cujo preço varia de R$ 60 mil a R$ 68 mil – o que também não é barato para diante do baixo poder aquisitivo da maioria dos brasileiros.

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Menos impostos, mas ainda é mais caro

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Como qualquer outro carro elétrico importado no Brasil, o Kwid E-Tech é isento do imposto de importação de 35% que recai sobre veículos com motor a combustão. 

Como pesa menos de 1.400 kg (977 kg é o peso oficial) e tem o menor consumo energético de qualquer outro carro no país, de apenas 0,44 megajoule por quilômetro (MJ/km), o Kwid elétrico é enquadrado na alíquota mais baixa possível de IPI, hoje de 5,7%, o mesmo porcentual aplicado sobre automóveis com motor 1.0. 

Ou seja, o Kwid E-Tech importado paga no Brasil os mesmos impostos de automóveis nacionais 1.0. Ainda assim, é mais caro aqui do que na Europa, porque o peso de todos os tributos brasileiros no preço (IPI, ICMS e PIS/Cofins) chega a 25%, maior do que os 16% a 18% nos países europeus, onde carros elétricos também recebem incentivos fiscais.

Em Portugal, o Dacia Spring básico é vendido por 17,8 mil euros e a versão Confort Plus, com nível de equipamentos equivalente ao do Kwid E-Tech que chega ao Brasil, sai por € 19,3 mil, ou R$ 98,4 mil pelo câmbio atual. 

Seja lá ou aqui, em qualquer lugar do mundo os carros elétricos são mais caros que seus congêneres a combustão, mas no Brasil, terra dos piores carros mais caros do mundo, os preços são ainda maiores e nada têm de “democráticos”, mesmo quando estão no nível mais barato do mercado.

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Mercado insignificante

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Desde 2013 a Renault tenta incluir o Brasil em sua aposta global de eletrificação, com tímidas vendas de modelos como o quadriciclo Twizzy e o compacto Zoe, que agora se juntam ao Kwid E-Tech e às versões elétricas dos utilitários Master e Kangoo, que chegam no segundo semestre.

O país até agora tem contribuição insignificante diante dos 450.000 carros elétricos que a Renault já vendeu no mundo nos últimos dez anos – e anunciou planos de lançar dez novos BEVs (Battery Electric Vehicles) até 2030.

Vice-presidente comercial da Renault no Brasil, Bruno Hohmann cita uma pesquisa apontando que 62% dos brasileiros têm intenção de comprar um modelo elétrico e 90% avaliam que ainda existem poucas opções no mercado nacional.

A realidade parece bem diferente. Se é verdade que 62% dos brasileiros gostariam de comprar um carro elétrico, poucos de fato podem satisfazer esse desejo, por mais versões que já existam por aqui.

É verdade que as vendas de elétricos mais que triplicaram no Brasil entre 2020 e 2021, mas o volume de apenas 2.860 unidades representou irrelevante 0,14% do mercado total de veículos leves no ano passado. 

Este ano, no primeiro trimestre já foram emplacados 1.291 BEVs – mais da metade deles custando acima de R$ 400 mil –, elevando a participação ao dobro, 0,34%, e o volume anual deve ficar entre 5.000 e 6.000, o que segue sendo insignificante em um mercado projetado de 2 milhões de automóveis e comerciais leves. 

Hohmann reconhece a irrelevância do mercado brasileiro de BEVs, mas indica que algumas projeções apontam que isso pode mudar nos próximos anos, com volumes estimados de 80 mil a 200 mil elétricos vendidos em 2030 e uma “virada” para 50% das vendas a partir de 2035.

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Os três possíveis públicos do Kwid E-Tech

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O executivo prevê que o Kwid E-Tech terá três tipos de público por aqui: os militantes de tecnologias amigáveis ao meio ambiente, famílias com mais de um carro na garagem, que querem um modelo urbano ágil, e empresas, especialmente aquelas que têm de cumprir compromissos socioambientais.

Hohmann cita que, atualmente, 45% das vendas de BEVs no Brasil são para uso corporativo. O Kwid E-Tech a ser vendido aqui sofreu alguns ajustes aplicados pela engenharia brasileira da Renault, a começar por aumento na potência do motor elétrico, que chega com 65 cv (48 Kw), contra 45 cv (33 Kw) do Dacia Spring europeu. 

Pelos padrões usados no Brasil, o Kwid elétrico conseguiu autonomia de 265 km em ciclo misto e de 298 km em uso urbano. Segundo a Renault, foi feito um trabalho para aumentar a recarga pela frenagem regenerativa. 

Cerca de 70% da carga da bateria pode ser recarregada em 9 horas em uma tomada doméstica de 20 A/220 V, ou 40 minutos em recarregador rápido.

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Para Renault, agora “a conta fecha”

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Apresentando uma série de cálculos para justificar a viabilidade econômica do carro elétrico mais barato do país, a Renault insiste que agora “a conta fecha” para comprar um BEV por aqui, e aposta que o Kwid E-Tech vai abrir o acesso à eletromobilidade para a classe média.

A estratégia é compensar o preço muito maior de aquisição com um custo de propriedade muito menor, a começar com o gasto de combustível. 

Levando-se em conta a gasolina a R$ 7,30 por litro e a energia elétrica a R$ 0,66 por Kwh, o Kwid E-Tech gasta o equivalente a R$ 0,06 por quilômetro no uso urbano, enquanto seu equivalente com motor flex 1.0 consome R$ 0,48/km. 

Considerando o custo total de propriedade, que além do combustível também envolve gastos com manutenção, impostos e seguros, a Renault calcula que rodando 20 mil km por ano o Kwid E-Tech tem gasto de R$ 1,30/km, exatamente o mesmo valor de um hatch flex 1.0. 

Para tornar a compra mais palatável e reduzir o temor do baixo valor de revenda, o Kwid E-Tech foi incluído no programa de locação de longo prazo Renault On Demand. O modelo poderá ser alugado por até quatro anos, com R$ 999 de reserva, R$ 9.990 de entrada e 48 parcelas de R$ 2.999, o que perfaz valor total de R$ 154.941. 

É quase R$ 12 mil mais caro que o preço à vista, mas a assinatura inclui todos os gastos com manutenções, impostos, documentação, licenciamento e seguro.

Ainda assim é caro. Como comparação, na França o irmão gêmeo Dacia Spring é vendido a partir de € 17.390, valor que torna-se bastante acessível com o bônus ecológico do governo de € 4.695, que reduz a entrada a € 2,5 mil em um leasing de 48 mensalidades de € 89,98.

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Sem expectativas

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Não se falou de expectativas de vendas do Kwid E-Tech no Brasil, mas dá para imaginar não mais de duas centenas ao ano, olhando para o desempenho dos BEVs mais emplacados no primeiro trimestre deste ano.

De janeiro a março foram vendidas 152 unidades do também chinês JAC E-JS1, até agora o elétrico mais barato no Brasil, com duas versões de R$ 165.000 e R$ 180.000. O Fiat 500e, de R$ 256.000, somou 132 emplacamentos no trimestre, contra 62 da outra opção elétrica da Renault, o Zoe, de R$ 205.000, que continuará à venda.

Interessante notar que opções mais caras têm desempenho melhor que o do Zoe. O Nissan Leaf, de R$ 287.000, vendeu 102 unidades em três meses. No mesmo período foram vendidos 69 Porsche Taycan de R$ 615.000. 

Ainda que seja o elétrico mais barato do mercado, em sua faixa de preço o Kwid E-Tech vai enfrentar o desafio de disputar um nível de comprador que pode pagar mais para ter coisa melhor.

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Observações

Renault turbina a Oroch

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Com desenho externo repaginado, novo interior e a opção de um potente motor turboflex 1.3 de 170 cv (com etanol), a Renault espera colocar a Oroch em melhor posição no subsegmento que inventou há sete anos, quando lançou uma picape compacta cabine dupla derivada de automóvel (no caso, o Duster) com mais espaço do que concorrentes como Fiat Strada e VW Saveiro.

A Oroch logo foi seguida pela Fiat Toro, maior, que até agora domina com folga o subsegmento de picapes compactas-médias, que está ganhando cada vez mais concorrentes, como a futura Chevrolet Montana e o projeto da Volkswagen Tarok. 

No ano passado, enquanto a Toro renovada com motor turboflex 1.3 de 185 cv foi a segunda picape mais vendida do país com quase 71 mil emplacamentos, a envelhecida Oroch vendeu seis vezes menos, 12 mil, ficando atrás até do bloco de picapes médias diesel bem mais caras, como Toyota Hilux e Chevrolet S10. 

Até agora a Renault não conseguiu aproveitar o boom das vendas de picapes no país, que já representa 18% do mercado de veículos leves. A ideia é mudar isso com a nova Oroch, posicionada com identidade própria descolada do Duster, como veículo de uso misto, para trabalho e transporte pessoal.

Em dimensões e preços, a Oroch fica no meio entre as Fiat Strada e Toro. São três versões, duas com motor 1.6 aspirado de 120 cv e câmbio manual de seis marchas, Pro (R$ 105,8 mil) e Intense (R$ 111,3 mil); e a topo de gama Outsider (R$ 137,1 mil) tem o motor 1.3 turboflex de 170 cv e transmissão automática CVT de oito velocidades.

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Mercado distorcido

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Em mercado distorcido pela falta de componentes eletrônicos (semicondutores) que afeta mais uns que outros, o ranking de marcas mais vendidas teve alterações drásticas no primeiro trimestre de 2022.

A Volkswagen foi até agora a mais prejudicada, com queda de 56% nas vendas de janeiro a março em comparação com o mesmo intervalo de 2021, o que resultou em perda de 7,3 pontos porcentuais de participação de mercado, de 17,3% para 10%. A marca caiu da segunda para a quinta posição no ranking este ano.

Com isso, a GM/Chevrolet assegurou o segundo lugar (participação de 13,4%), atrás da cada vez mais líder Fiat (21,1%). A Toyota subiu à terceira colocação (10,81%), por ínfima fração à frente da Hyundai (10,78%), que conseguiu sua maior participação trimestral no mercado brasileiro, mesmo com queda de 14,3% nas vendas no período.

Entre muitas quedas de desempenho, destaque para o robusto crescimento de 122% da Peugeot, que com 9,8 mil carros vendidos entrou no ranking das dez marcas mais vendidas, em décimo lugar no trimestre, com participação de 2,63%.

Logo atrás, na 11ª posição, a Caoa Chery também segue com expansão das vendas bastante acima da média. Vendeu 9,6 mil veículos de janeiro a março, avanço de 52,5% e participação de 2,56%, exatamente o dobro do que tinha um ano antes.

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Motos têm ritmo acelerado

O mercado de motos está mais acelerado que o de carros este ano. A produção no Polo Industrial de Manaus somou 327,1 mil unidades no primeiro trimestre, em crescimento de 37,8% na comparação com o mesmo período de 2021, segundo dados divulgados pela Abraciclo, a associação dos fabricantes. 

Na avaliação da entidade, a demanda por motos permanece aquecida no país e a projeção é produzir perto de 1,3 milhão de unidades este ano, o que representa expansão de 8% sobre 2021.

Mercedes e Comil exportam para Gâmbia 

A Mercedes-Benz e a encarroçadora Comil vão exportar ônibus pela primeira vez para Gâmbia. São dez veículos para o transporte urbano do país africano, que devem começar a operar ainda no primeiro semestre. Os chassis OF 1730 com motor dianteiro estão recebendo carrocerias Svelto.

Imagens: Divulgação e Mobiauto

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto. 

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