China vai reduzir de 120 marcas de veículos para apenas 15
Consultoria norte-americana AlixPartners projeta grande consolidação para 2030, no entanto, fabricantes ocidentais não terão qualquer vantagem
A maioria dos brasileiros e até mesmo aqueles que se ufanam de entender muito de automóveis não fazem a menor ideia de que, na China, existem mais de 120 marcas domésticas de híbridos plug-in e veículos elétricos (EVs). No Brasil, onde o mais perto que se chegou disso foi a breve materialização das extintas FNM (Fábrica Nacional de Motores) e Gurgel, carro bom é aquele que vem de fora, de transnacionais da Europa, Japão e Estados Unidos.
Há mesmo quem não tenha ciência de que os Estados Unidos já deixaram de ser o maior mercado mundial do setor automotivo e, hoje, suas vendas –15,9 milhões de unidades, em 2024 – somadas às do Canadá passam pouco da metade dos números registrados atrás da grande muralha – 31,4 milhões de unidades, no ano passado. Mas a consultoria norte-americana AlixPartners, que fornece serviços financeiros e de visão estratégica para o setor automotivo, garante que haverá uma grande consolidação nos próximos cinco anos e que, até 2030, apenas 15 destas marcas sobreviverão.
“O ambiente de inovação que impulsionou avanços notáveis, bem como a guerra de preços que fez da indústria chinesa a mais eficiente do mundo, também traz novos desafios em termos de lucratividade sustentável. E quando se eleva o sarrafo, constantemente, a luta por sobrevivência neste ecossistema se torna mais difícil”, explica o chefe de análises automotivas para a Ásia, Stephen Dyer.
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“Num país onde o governo apoia quase que irrestritamente este setor, devido à sua importância para a economia nacional, sua enorme cadeia de suprimento e sua geração de empregos diretos, essa consolidação será mais lenta do que nos mercados ocidentais. Mas estima-se que apenas 15 dessas mais de 120 marcas concentrarão 75% das vendas chinesas de EVs e híbridos plug-in, no final desta década. Então, aquelas que não se adaptarem à competitividade, desaparecerão”, acrescenta Dyer.
A visão cataclísmica da consultoria se apoia no mais recente movimento do governo chinês, que incumbiu suas agências regulatórias de colocarem fim à guerra de preços que faz com que um Dolphin, da BYD, seja ofertado por apenas 55.800 yuans (o equivalente a inacreditáveis R$ 42.770) por lá, o que decorre não só pela deflação no mercado de automóveis, mas também dos incentivos fiscais para renovação da frota. Mesmo assim e apesar de recordes subsequentes de vendas, os fabricantes de trás da Grande Muralha fecharam o ano passado operando com quase 50% de ociosidade, tamanha a capacidade instalada do setor.
“Se você levar em conta a subutilização de centenas de linhas de produção, verá que há bilhões de dólares perdidos em receita, o que corrói ainda mais a lucratividade. E mesmo que, em tese, a guerra de preço seja interrompida, os descontos migrarão para subsídios de seguros e taxas de financiamento com juro zero. As marcas que têm maiores condições de competir vão, simplesmente, adotar táticas mais sutis de mercado”, pontua Dyer.
Para ele, não há como prever e muito menos nominar aquelas que sobreviverão à consolidação, mas uma coisa resta clara: “a maioria dos fabricantes atuais irá se fundir e quem não estiver pronto para este movimento, simplesmente deixará os negócios”, afirma o consultor.
Domínio e burocracia
Reprodução/Mobiauto
A previsão de que o setor automotivo chinês de novas energias “emagrecerá” de mais de 120 montadoras para cerca de 15 fabricantes não é, exatamente, uma boa notícia que as companhias ocidentais – que, diga-se de passagem, já passaram por pelo menos duas grandes levas de fusões e, hoje, parecem bem consolidadas em sete ou oito grupos gigantes.
“O domínio da China no setor automotivo se deve em grande parte a uma conquista singular na indústria automobilística: a redução do tempo de desenvolvimento de veículos em mais da metade, para apenas 18 meses para um modelo totalmente novo”, detalha o professor de estudos automotivos na Universidade Tongji, de Xangai, e veterano da Ford, Allen Han.
Na prática, isso pode ser visto no tempo médio que os EVs e híbridos plug-in de marcas chinesas à venda, hoje, demoraram para chegar à ruas: 1,6 ano, contra 5,4 anos (ou 3,3 vezes mais demorado) para marcas estrangeiras, segundo a AlixPartners.
“Simplesmente, é impossível fazer algo tão rápido para uma montadora europeia”, pontua o gerente de dinâmica veicular da Chery, Riccardo Tonelli, com passagens por uma marca italiana e um fabricante de pneus sul-coreano.
“É impossível acompanhar esse ‘timing’. Impossível, repito. Exemplificando: em outubro de 2023, viajamos para nosso campo de provas em Zhaoyuan e, durante um fim de semana, revisamos a suspensão e a direção da versão chinesa do Omoda 5 para seu lançamento europeu, um mercado-chave para a expansão global. Em seis semanas, iniciamos as exportações do modelo com novas especificações para o Velho Continente. Uma marca ocidental levaria mais de um ano para implementar o mesmo programa, em virtude de sua burocracia interna”, complementa Tonelli.
É por isso que quando EUA e Europa impõem tarifas para proteger suas indústrias, alegando que a China subsidia injustamente seus EVs, pouca coisa ou quase nada muda.
“A velocidade no desenvolvimento das montadoras chinesas emerge como principal fator em seus custos e vantagens tecnológicas. Reduzir anos neste processo economiza capital e também reduz preços”, reconhece Ralf Brandstätter, membro do conselho do Grupo Volkswagen para a China e chefão da VW por lá.
“Aproveitando custos trabalhistas mais baixos, as gigantes chinesas do setor promovem uma vida focada no trabalho, subsidiando moradia, transporte e até ensino para seus colaboradores. Isso sem falar nas montadoras que produzem a maior parte de suas partes e autopeças, em vez de depender de fornecedores”, elenca Brandstätter.
Traduzindo: o neoliberalismo dos CEOs ocidentais não precarizou só o trabalho, mas também sacrificou os produtos de marcas tradicionalíssimas, seus carros, com o único objetivo de maximizar os ganhos dos acionistas durante o processo de financeirização – e deu no que deu.
“Os próximos anos não serão fáceis para grupos como VW e Stellantis. Mais problemas se avizinham, apesar dos esforços em reestruturação”, prevê o analista do UBS Group, Patrick Hummel. “Qualquer movimento de recuperação terá vida curta, porque o ciclo de rebaixamento ainda está longe do fim”, finaliza Hummel.
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
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