O que é a bateria sólida e como ela pode revolucionar os carros elétricos

Tecnologia deixará veículos elétricos do futuro com maior autonomia e menores peso e volume, além de permitir recargas cada vez mais rápidas
JC
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14.01.2022 às 12:04
Tecnologia deixará veículos elétricos do futuro com maior autonomia e menores peso e volume, além de permitir recargas cada vez mais rápidas

Por Homero Gottardello*

O boom da eletromobilidade ainda está longe de ocorrer no Brasil, e é bem possível que quando os carros elétricos (EVs) finalmente dominarem o mercado nacional, lá pelo ano de 2040, as baterias automotivas já estejam em sua quarta geração. 

Como o leitor mais habituado às novidades do setor deve saber, elas são a fonte alimentação dos motores elétricos e seu avanço implica, diretamente, no aumento da autonomia e na diminuição dos tempos de recarga. 

Apenas para se ter uma ideia, quando o EV1, da General Motors, foi lançado, em 1996, suas baterias de chumbo-ácido garantiam um alcance de 125 quilômetros e levavam cinco horas para serem recarregadas. 

Na segunda geração do cupê, de 1999, o uso do hidreto metálico de níquel quase dobrou seu alcance, para 228 quilômetros, mas foi só em 2008 que as atuais baterias de íon de lítio estrearam no Tesla Roadster. 

De lá para cá, elas se tornaram dominantes, mas a Toyota pretende fazer diferente: a marca japonesa confirmou, na semana passada, que vai equipar um modelo híbrido de sua gama com a primeira bateria de estado sólido, já em 2025, dando o pontapé para uma transformação que deve se consolidar em duas décadas.

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Tecnologia deixará veículos elétricos do futuro com maior autonomia e menores peso e volume, além de permitir recargas cada vez mais rápidas

“As baterias em estado sólido são um fator-chave para reduzir custos, tornar os carros elétricos acessíveis aos consumidores e lucrativos, para as montadoras”, avalia o consultor da LMC Automotive, Oliver Petschenyk. 

“Ainda não vimos uma aplicação comercialmente viável para esta tecnologia, no setor automotivo, e não acredito que seu emprego se torne uma realidade antes do final desta década”, acrescentou o analista. 

Bom, no ano passado, a Toyota anunciou um investimento de US$ 13,7 bilhões (o equivalente a R$ 78,5 bilhões) para o desenvolvimento de baterias em estado sólido, o que deixa clara sua intenção de protagonizar uma virada tecnológica que, por mais que demore para se consolidar, parece inexorável.

O Faraday Institution, principal centro de pesquisas de armazenamento de energia eletromecânica do Reino Unido, estima que, até 2030, menos de 5% de todas as baterias usadas na indústria automotiva serão de estado sólido. 

“Esta tecnologia vai ganhar espaço, paulatinamente, até chegar a uma participação de 30% em 2040”, estima o diretor de recursos do instituto, Stephen Gifford. 

“Avaliamos esta aposta como de alto risco e longo prazo, mas também vemos chances de enormes ganhos, como uma capacidade volumétrica de armazenamento de energia 70% maior que a das baterias de íon de lítio atuais ou qualquer outra fonte que use eletrólitos líquidos”.

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As diferenças da bateria sólida para a de íons de lítio

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Por falar nisso, é importante citar qual é a grande diferença entre estas duas tecnologias: nas baterias de íon de lítio, os eletrólitos são dissolvidos em solução aquosa para formação de cátodos e ânodos, que são condutores de energia. 

Suas grandes vantagens em relação aos antigos conjuntos de hidreto metálico de níquel são o melhor desempenho, a maior vida útil e a possibilidade de reciclagem de seus componentes, além da maior densidade – que é a quantidade de energia armazenada por unidade de peso. 

Sua maior deficiência decorre do fato de seus eletrólitos serem inflamáveis, o que acarreta instabilidade em altas temperaturas, podendo causar incêndios e até explosões.

Já as baterias em estado sólido afastam o líquido inflamável, que é substituído por eletrólitos compostos em cerâmica ou vidro, por exemplo. Mais estáveis e menores, também têm maior densidade, garantindo maior autonomia para o veículo e mantendo 90% sua capacidade de retenção de energia, mesmo após 5.000 ciclos de recarga – nas unidades de íon de lítio, as perdas começam em cerca de 1.000 ciclos. 

E o melhor, as baterias de estado sólido podem atingir 80% de recarga total em apenas 15 minutos. Como se vê, não é à toa que Ford e BMW aportaram US$ 130 milhões (quase R$ 720 milhões) na startup Solid Power, do Colorado, e a Hyundai investiu US$ 100 milhões (mais de R$ 550 milhões) na SolidEnergy Systems, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.

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Condutividade

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Para a consultoria francesa Yole Developpement, as baterias de estado sólido serão introduzidas no mercado por meio de elétricos de luxo ou premium, a partir dos anos de 2025 ou 2026. 

“A indústria ainda precisa encontrar o material certo para os eletrólitos, já que as soluções atuais deixam a desejar em termos de condutividade”, disse seu analista principal, Milan Rosina. 

“Hoje, não existe um material que permita sua produção de larga escala e é exatamente por isso que vemos os fabricantes investirem em startups com diferentes abordagens técnicas”, pontuou ele. 

Apesar dos desafios, parece claro que este é o caminho para o futuro, como se vê pelos US$ 300 milhões (equivalente a R$ 1,66 bilhão) que a Volkswagen investiu, nos últimos dez anos, na QuantumScape – da Universidade de Stanford.

“Não temos outra solução no horizonte que não as baterias em estado sólido”, afirmou o diretor de sistema da VW, Frank Blome, durante o Power Day da companhia.

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“Seu design mais simples leva a um melhor desempenho e isso garantirá menores custos de produção no futuro. A QuantumScape já está testando um pacote de dez camadas, que pode ser totalmente recarregado em apenas 15 minutos”, detalhou Blome.

A VW estima uma redução no tempo de recarga parcial – até 80% da capacidade – das baterias de um ID.4 (seu SUV elétrico) de 25 para apenas 12 minutos. Vale citar que a empresa alemã tem não só 30% do controle acionário do desenvolvedor, como um assento no seu Conselho Administrativo.

A Renault se juntou à Nissan e investiram US$ 65 milhões (R$ 360 milhões) na startup americana Ionic Materials, para o desenvolvimento de baterias em estado sólido. 

“Esta é a tecnologia que planejamos para o futuro”, declarou a diretora de engenharia avançada da gigante francesa, Sophie Schmidlin, durante o evento EWays EV da marca, em julho do ano passado. 

“As baterias em estado sólido serão um divisor de águas, tanto do ponto de vista do desempenho, quanto dos custos de produção. Sua aplicação vai abrir caminho para muitas outras tecnologias”, aponta a executiva da Renault.

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Mais eficiente e segura

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A segurança é outro benefício que as baterias em estado sólido prometem e, nesse quesito, sua maior confiabilidade pode ser traduzida em economia para as montadoras, afinal, os recalls ligados a incêndios custam bilhões aos fabricantes e o Chevrolet Bolt EV é apenas um exemplo deste enorme prejuízo.

O chamado de todas as 141 mil unidades do modelo, comercializadas desde o seu lançamento, foi orçado em US$ 2 bilhões (o equivalente a R$ 11 bilhões). 

No caso em questão, a LG Chem, fornecedora do pacote de baterias de íon de lítio para a GM, concordou em bancar R$ 1,9 bilhão deste total, mas a Ford teve que assumir, sozinha, o gasto de US$ 800 milhões (R$ 4,4 bilhões) para o recall de 69 mil unidades do Kuga híbrido.

“Os eletrólitos sólidos funcionam com um escudo contra o depósito de lítio, que se forma no ânodo e perfura o separador, causando curtos-circuitos”, indica Oliver Petschenyk, da LMC Automotive. “Além de menores riscos, isso também implica em maior durabilidade”, acrescenta. 

Apesar do ganho em segurança, as baterias em estado sólido não são imunes à formação dendrítica, já que seus eletrólitos têm grãos ou possuem falhas. “Temos de lembrar que alguns benefícios desta tecnologia só aparecerão quando ela for integrada aos modelos elétricos”, destaca Milan Rosina, da Yole Developpement. 

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“Todavia, já sabemos que os EVs precisarão de componentes menos robustos e mais baratos para garantir uma operação segura. E exigindo menos resfriamento, sobra mais energia para ampliar o alcance do veículo”, adianta Rosina.

Em termos energéticos, as baterias de estado sólido são capazes de densidades que vão de 900 a 1.300 Wh/litro, enquanto as baterias atuais de íon de lítio atingem, no máximo, 1.000 Wh/litro. Efetivamente, as montadoras podem tirar vantagem disso, aumentando a autonomia em relação ao mesmo volume ou à mesma massa do conjunto. 

E se a opção para uma tecnologia cara e complexa, no momento em que as baterias de íon de lítio caem de preço, parece um contrassenso, ainda é preciso ter em mente que esta transição exigirá novas competências e cadeias de suprimento, além de enormes alterações na configuração industrial atual.

No final das contas são “os custos”, na avaliação de Rosina, que definirão o caminho. Para o Brasil, resta sempre o “consolo” de que, quando o futuro for definido, ainda estaremos no passado. Então, não há razão para nos preocuparmos…

*Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto

Imagens: Shutterstock e Divulgação/Toyota

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