Abraço de afogados: fusão de Honda e Nissan não as salvará

Hoje, as duas montadoras têm uma capitalização de mercado de US$ 52,9 bilhões (R$ 319,3 bi) e valem, juntas, menos de a metade da Uber
HG
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17.01.2025 às 20:30
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Hoje, as duas montadoras têm uma capitalização de mercado de US$ 52,9 bilhões (R$ 319,3 bi) e valem, juntas, menos de a metade da Uber

Dois mil e vinte e cinco será o ano mais importante das histórias de Honda e Nissan, isso porque a fusão entre as duas companhias pode criar o terceiro maior grupo automotivo do mundo – ficando atrás apenas de Toyota e Volkswagen – já que, só entre janeiro e outubro de 2024, elas venderam 5,66 milhões de unidades em nível global.

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As arquirrivais discutem abertamente o casamento, não em virtude de uma paixão shakespeariana, mas como única saída para não sucumbirem ambas à concorrência das novas marcas chinesas. Mesmo sendo uma espécie de “golpe do baú” consensual, há quem não acredite numa sinergia completa a tempo de evitar a bancarrota – pelo menos da Nissan.

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“Apesar de a Honda ter ampliado sua oferta de modelos híbridos, nenhuma das duas montadoras têm veículos elétricos (EVs) competitivos e o desenvolvimento de uma plataforma comum para este segmento levaria dezenas de meses para, efetivamente, se materializar”, avalia o analista sênior da gestora de investimentos Morningstar, especializada em serviços de fundos mútuos e pesquisas, Vincent Sun.

“Consertar um negócio desta magnitude é muito custoso, além de ser uma corrida contra o relógio. E pode ser que não haja mais tempo para os fabricantes tradicionais”, pontua Sun.

Apesar de ter um papel bem menor que o de Honda e Nissan nessa costura, a Mitsubishi Motors (não confundir com a Mitsubishi Corporation e nem com a Mitsubishi Heavy Industries) entraria na igreja como uma espécie de pajem do casamento.

Isso porque a Nissan é a maior controladora da Mitsubishi, com 24,5% de participação acionária, e essa condição vai tragá-la para a união, embora sem o status de nubente.

O brasileiro apaixonado por carros, que vive preso dentro da bolha negacionista, pode estar surpreso tanto com a possível fusão como com a análise de quem entende bilhões de vezes mais de indústria automotiva do que aquele seu primo sabichão.

Mas alguns números podem ajudar até mesmo o mais alienado dos tupiniquins a entender o tamanho do desafio que ambas as marcas vêm enfrentando: há exatos dez anos, a Honda tinha uma capitalização de mercado de US$ 76,2 bilhões (o equivalente a R$ 460,1 bilhões), enquanto a Nissan valia US$ 46,2 bilhões (R$ 278,9 bilhões).

Hoje, as duas montadoras não passam de US$ 43,1 bilhões e US$ 9,8 bilhões (R$ 319,3 bilhões), respectivamente, e valem, juntas, menos de a metade da Uber (US$ 145,3 bilhões ou R$ 877 bilhões), que é uma empresa de transporte por aplicativo.

Pior do que as perdas de capitalização – no caso da Nissan, a desvalorização chega a mais de 78% - ambas as marcas japonesas não conseguem remunerar seus investidores a contento. A gigante dos cosméticos Unilever, por exemplo, paga US$ 34,82 (o equivalente a R$ 210,26) de dividendos por ação, enquanto a Honda paga US$ 11,50 (R$ 69,45) e a Nissan, US$ 3,50 (R$ 21,13).

Ou seja, se o sujeito der uma folga para sua paixão por carros e olhar as coisas, única e tão somente, pelo aspecto financeiro, jamais irá “empatar” seu suado dinheirinho em negócios que estão naufragando.

“A Honda reportou uma queda de 15% no seu lucro trimestral e confirmou que vai reduzir sua força de trabalho, atestando que não há tempo a perder e que dificilmente vão alcançar as novas marcas chineses, que seguem avançando com muita velocidade”, pondera o membro executivo do Instituto de Pesquisa Itochu, de Tóquio, Sanshiro Fukao.

Plano incapaz

Outro especialista japonês, alerta para o risco de paralisia de toda a indústria nipônica. “No Japão, quase tudo se resume a automóveis e se o setor automotivo não se recuperar, todo o setor de manufatura vai entrar em crise”, prevê o economista sênior do Shinkin Central Bank Research Institute, Takumi Tsunoda.

O país é a quarta maior economia do mundo e sua indústria automotiva, a mais importante em termos setoriais, já que responde por uma cadeia de suprimentos com cerca de 60 mil fornecedores e emprega cinco milhões de trabalhadores.

“Infelizmente, não vivemos mais no tempo em que montadoras se uniam e aumentavam seus ganhos, por mera economia de escala. Um plano de reestruturação de cinco anos é, hoje, incapaz de ser posto em prática e não irá salvá-las da concorrência chinesa”, acrescenta Tsunoda.

A dúvida se resume a uma questão: a consolidação por meio de fusões trará competitividade para grupos norte-americanos, europeus e japoneses enfrentarem os EVs chineses?

A resposta parece ser um sonoro “não”, afinal, a própria Toyota defende o que vem chamando de “multicaminho”, uma visão em que automóveis híbridos, movidos a hidrogênio e veículos elétricos convivam num mesmo ecossistema de mobilidade. “Se, no futuro, nos concentrarmos apenas nos EVs, o desemprego nos segmentos de fornecimento e produção de motores a combustão será inexorável”, alerta o presidente da companhia, Akio Toyoda.

Mas há outro problema, para o qual Toyoda ainda não tem solução, que é o desinteresse dos consumidores de Primeiro Mundo por carros tradicionais. O fato é que, na outra ponta da linha, o comprador se adapta rapidamente à digitalização dos EVs, a novos recursos e às funções de direção autônoma. Na prática, quem experimenta um veículo elétrico da nova geração passa a perceber os modelos comuns como produtos ultrapassados.

Assim, mesmo que o acordo entre Honda e Nissan (e Mitsubishi, de penduricalho) saia do papel – o que só seria concluído em agosto de 2026, portanto, daqui 18 meses – a derrocada frente os novos EVs chineses parece inevitável.

“Ou desenvolvemos capacidade para enfrentá-los ou seremos derrotados, comercialmente”, reconhece o presidente-executivo (CEO) da Honda, Toshihiro Mibe.

E no horizonte de Mibe, o fantasma do encolhimento é o que mais assombra. “Mesmo juntas, essas montadoras ainda terão custos de desenvolvimento muito altos para seus futuros EVs, além de maiores despesas de capital.

Há, ainda, o risco de se tornarem empresas menores, com a perda da hegemonia em mercados como o sudeste asiático, onde os chineses fazem uma grande ofensiva. Por ora, essa ‘sobreposição’ não trará diversificação geográfica, mas vai resistir ao impacto tarifário prometido por Donald Trump, nos Estados Unidos”, pontua o analista sênior da Moody’s Ratings, Dean Enjo.

Como se vê, a fusão de Honda e Nissan pode tomar forma, até mesmo em curto prazo, de um abraço de afogados.

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.

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